Imunizante em desenvolvimento no instituto paulista tem eficácia geral de 79,6% contra sintomas da doença. Dados foram obtidos depois da aplicação de uma única dose
Estudo publicado na quarta-feira (31) na revista científica The New England Journal of Medicine mostrou que a vacina contra a dengue em desenvolvimento pelo Instituto Butantan tem eficácia de na prevenção dos sintomas da doença. Os dados foram obtidos depois da aplicação de uma única dose do imunizante nos participantes dos ensaios clínicos. A proteção durou dois anos.
Trata-se de um resultado positivo para o combate à dengue, que apresenta números alarmantes no Brasil. A eficácia geral do imunizante é semelhante à da Qdenga (80,2%), vacina contra a doença incorporada em 2024 na rede pública. Falta a conclusão e a aprovação dos estudos do instituto paulista para que o novo produto também esteja disponível para a população.
Neste texto, o Nexo explica como funciona a vacina do Butantan, quais foram seus resultados até agora e quais são suas diferenças em relação a outros imunizantes contra a dengue no mercado. Mostra ainda qual é a previsão para que o produto esteja disponível e qual é o cenário da dengue no Brasil.
O que há na vacina do Butantan
A Butantan-DV, como é chamada a vacina do Butantan, é tetravalente — ou seja, foi criada para proteger contra os quatro tipos de vírus da dengue (chamados informalmente de 1, 2, 3 e 4). O imunizante usa a técnica de vírus atenuado, que induz a produção de anticorpos sem causar a doença nem reações adversas importantes. Numa só dose, portanto, há quatro vírus da dengue enfraquecidos.
Os vírus atenuados são cultivados em células Vero (tipo de célula usada para o desenvolvimento de vacinas virais) de macaco verde africano. Depois, o material é purificado, vai para formulação e passa por uma etapa chamada liofilização, que o transforma em pó. Também é criado um diluente para ser misturado ao pó no momento da aplicação.
A vacina é feita em parceria com o Instituto Nacional de Saúde americano (chamado pela sigla NIH) e pela farmacêutica multinacional MSD. O NIH licenciou a tecnologia do imunizante para o Butantan em 2009, cedendo as patentes e os materiais biológicos das quatro cepas virais do produto. Já em 2018, o instituto brasileiro assinou um acordo com a MSD para acelerar os estudos e o registro da vacina.
O que os resultados mostram
A fase 1 dos ensaios clínicos da Butantan-DV foi desenvolvida pelo NIH entre 2010 e 2012 nos Estados Unidos. Já a fase 2 foi conduzida entre 2013 e 2015 no Brasil. Ambas mostraram que o imunizante em desenvolvimento é seguro e induz a produção de anticorpos contra os quatro sorotipos da dengue.
Os dados divulgados na quarta (31) são relativos à fase 3 dos estudos.
Mais de 16 mil pessoas monitoradas em 16 centros de pesquisa do Brasil participaram da etapa, a última antes da submissão da vacina à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Além da eficácia geral de 79,6%, a pesquisa revelou os resultados por sorotipo, por faixa etária e por exposição anterior ao vírus da dengue:
foi a eficácia da vacina contra o tipo 1 da dengue
foi a eficácia contra o tipo 2 da dengue
foi a eficácia para os participantes de 2 a 6 anos
foi a eficácia para os participantes de 7 a 17 anos
foi a eficácia para os participantes de 18 a 59 anos
foi a eficácia em quem nunca havia tido dengue antes
foi a eficácia para quem já havia sido exposto à doença
Os sorotipos 3 e 4 da dengue não foram detectados durante o período de estudos, por isso não há dados sobre eles. Segundo o diretor do Butantan, Esper Kallás, porém, o instituto está atento ao tema . “A vacina funcionou muito bem contra os tipos 1 e 2. Estamos acumulando mais informações contra os tipos 3 e 4, incluindo a indução de anticorpos contra a dengue”, disse ao Jornal da USP.
Quanto à segurança, a maioria das reações adversas foi considerada de leve a moderada. Os principais sintomas descritos foram dor de cabeça, fadiga e dor e vermelhidão no local da injeção. Menos de 0,1% dos vacinados teve eventos adversos sérios, e todos se recuperaram totalmente, segundo o Butantan.
Quais são as vantagens de seu uso
A Butantan-DV tem alguns diferenciais em relação a outras vacinas contra a dengue aprovadas no mercado. Fernanda Boulos, diretora médica do Butantan, explicou ao Nexo três deles: a faixa etária dos participantes dos estudos, que vai de 2 a 59 anos; a aplicação em dose única, que facilita a implementação no sistema de saúde; e a possibilidade de usá-la tanto em pessoas que nunca tiveram dengue como em quem já teve.
As outras duas vacinas contra a dengue disponíveis no Brasil são a Dengvaxia, fabricada pelo laboratório francês Sanofi Pasteur, e a Qdenga, da empresa japonesa Takeda. A primeira está apenas na rede privada, enquanto a segunda foi incorporada ao SUS (Sistema Único de Saúde). Ambas se diferem da vacina do Butantan da seguinte forma:
público-alvo
: a Dengvaxia é recomendada apenas para quem já teve a doença; já a Qdenga vale para todos, assim como a vacina do Butantan
faixa etária
: a Dengvaxia é recomendada para pessoas dos 4 aos 60 anos, enquanto a Qdenga é indicada para a faixa dos 9 aos 45 anos
número de doses
: a Dengvaxia é aplicada em três doses, e a Qdenga, em duas
As vantagens da Butantan-DV podem torná-la uma ferramenta importante para o combate à dengue no Brasil. Apesar de a Qdenga ter sido incorporada ao SUS, as doses são escassas e não devem estar disponíveis para a maioria da população no curto prazo. Apenas alguns grupos vão receber a imunização em 2024, segundo o Ministério da Saúde:
6 a 16 anos
é a faixa etária que irá receber a vacina contra a dengue em 2024
é a quantidade de municípios vão receber doses do imunizante em 2024
Quando a vacina vai estar disponível
A publicação dos estudos de fase 3 na quarta (31) fortalece a
expectativa de aprovação da vacina do Butantan pela Anvisa. Ainda faltam algumas etapas, no entanto, para que isso aconteça. Boulos afirmou que o estudo ainda está em andamento, e o acompanhamento dos últimos participantes deve terminar em julho deste ano.
A perspectiva é submeter a vacina para aprovação da agência regulatória no segundo semestre de 2024. “Se tudo correr bem, a gente espera que em 2025 a vacina já esteja disponível para a população”, disse Boulos ao Nexo . O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), manifestou interesse na produção do imunizante:
“[A vacina do Butantan] vai ficar pronta em setembro. E a gente está tentando antecipar esse cronograma. Vamos apresentar à Anvisa de maneira que no ano que vem a gente possa fabricar e fornecer”
Tarcísio de Freitas
O quadro da dengue no Brasil
Dados do Ministério da Saúde mostram que 2023 foi o ano com mais mortes causadas pela dengue no Brasil. Foram 1.094 óbitos confirmados até a última semana epidemiológica do ano, e há mais 218 em investigação, segundo painel da pasta consultado na quinta-feira (1º). O total de casos foi de 1.658.816.
O quadro da doença não deve melhorar em 2024. Projeções do Ministério da Saúde e do sistema InfoDengue, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), estimam que a quantidade de casos de dengue no Brasil pode variar de 1,7 milhão a 5 milhões neste ano. Caso os dados se confirmem, será o maior número de infecções registrado na história recente do Brasil.
é a quantidade de casos prováveis de dengue registrados em 2024, segundo painel do Ministério da Saúde com atualizações até quinta (1º); há 24 mortes confirmadas e outras 163 em investigação
Fatores diferentes têm levado à alta dos números nos últimos anos. Estão entre eles o próprio comportamento da dengue, que é uma doença cíclica, a reintrodução dos sorotipos 3 e 4 (que não são predominantes no Brasil) e o aumento das temperaturas associado à mudança climática. Diversos deles ainda não desapareceram em 2024.
A transmissão da dengue aumenta nos meses mais chuvosos, geralmente de novembro a maio. O acúmulo de água parada contribui para a proliferação do Aedes aegypti e, consequentemente, para a maior disseminação da doença. Para reduzir a infestação de mosquitos, o Ministério da Saúde recomenda:
eliminar criadouros
, na medida do possível
manter cobertos
os reservatórios e locais com acúmulo de água
proteger o corpo de picadas com
roupas compridas
usar
repelentes
instalar
telas e mosquiteiros
em casa
durma
com essa
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