A reportagem é de Daiane Batista , publicada por Centro de Estudos Estratégicos Fiocruz
Coordenador, na U niversidade Federal do Mato Grosso do Sul UFMS ), de estudo em parceria com o laboratório japonês Takeda , fabricante da mais nova vacina contra a dengue, a Qdenga , incorporada ao Programa Nacional de Imunizações PNI Julio Croda observa que o Brasil é o país que mais notifica dengue no mundo e tem a maior carga da doença. Dados do Ministério da Saúde revelam que somente em 2023, o país bateu recorde de mortes, sendo registradas mais de mil mortes pela doença.
A vacina Qdenga foi incorporada ao SUS pelo Ministério da Saúde , em 21/12/2023, e tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa ), com indicação para prevenção de dengue causada por qualquer sorotipo do vírus. Com isso, o Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a oferecer a vacina no sistema público universal.
Julio Croda explica que, ao longo dos anos, ambientes como comunidades carentes, onde a água e a coleta de lixo não chegam de forma satisfatória, favoreceram muito a proliferação do mosquito Aedes aegypti , transmissor da dengue. Para ele, a nova tecnologia traz possibilidades diferentes no controle da doença. “Ano após ano, sempre foi muito difícil implementar soluções no nível da saúde pública. Tentamos sem sucesso acabar com o vetor, o mosquito, que transmite dengue, zika e chikungunya . A vacina Qdenga , nos ensaios clínicos, com duas doses, em intervalo de três meses, registrou eficácia geral de 80% contra a dengue assintomática e redução de 90% no número de hospitalizações”, pontua.
Julio explica que, embora essa seja uma tecnologia revolucionária, muito provavelmente, não teremos grande impacto no cenário, já para 2024, porque “em termos de saúde pública , no que diz respeito à redução do número de casos, hospitalização e óbitos, a oferta do imunizante ainda é bastante limitada”.
Conforme salienta o pesquisador, para este primeiro momento, a previsão é que o laboratório Takeda entregue ao Brasil , aproximadamente, 5 milhões de doses. A essa quantidade deverão ser acrescidas doses por doação da empresa, totalizando cerca de 7 milhões. “Isso dará para vacinar, no máximo 3,5 milhões de pessoas (tendo em vista que serão aplicadas duas doses), o que é muito pouco, do ponto de vista programático, para se ter algum tipo de impacto em termos de saúde pública ”, avalia.
De qualquer forma, considera, a vacinação será fundamental, pois aquele que estiver vacinado terá sua proteção individual para a doença, em termos de hospitalização e óbito, principalmente.
Outras iniciativas
O pesquisador destaca também outras ações importantes na corrida pelo combate à dengue e aponta que está em fase final de desenvolvimento mais uma vacina, pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e o Instituto Butantan . “Pode ser que esteja disponível a partir de 2025, e utiliza a mesma tecnologia de vírus atenuado, abrangendo os quatro sorotipos. Com a vantagem muito importante de ser uma vacina de dose única”, relata. “Esse e todos os esforços de produção de vacinas , na quantidade necessária para toda a população , serão bastante importantes”.
O pesquisador também cita outras iniciativas relevantes no controle da doença, como o método Wolbachia , liderado pela Fiocruz , que estabelece uma nova população de mosquitos, portando a bactéria Wolbachia e não transmitindo doenças. “É um método bastante interessante de controle vetorial, porque de alguma forma, reduz a carga da doença não só para dengue, pois se mostrou bastante efetivo para zika e chikungunya ”.
De acordo com Julio , o Governo Federal está comprometido com a expansão desse programa, e fez um investimento de mais de R$ 100 milhões para ampliar a produção desses mosquitos com a Wolbachia , atendendo uma população, neste momento, de quase 7 milhões de pessoas com a inovação. “Temos epidemias da dengue na cidade do Rio de Janeiro e não observamos esse mesmo padrão na cidade de Niterói , onde a proteção é garantida pela Wolbachia ”, exemplifica.
Condições climáticas e sociais
Tanto a vacina contra a dengue, quanto o método Wolbachia , observa Julio , são importantes inovações, “ revolucionárias ” no controle da doença. “Nos últimos vinte anos, nossa principal medida era o controle vetorial da doença, a eliminação dos focos que se concentram principalmente dentro dos domicílios”, destaca, mais uma vez, o pesquisador, alertando, de qualquer forma, para necessidade de mudanças nas condições estruturais de habitação saneamento e oferta de água da população. “Temos eventualmente, outros países que apresentam as mesmas condições climáticas favoráveis à replicação do vetor, mas não apresentam carga tão elevada da doença. As nossas condições de habitação, de acesso à água, esgoto e coleta de lixo favorecem realmente essa alta carga”.
Segundo Julio Croda , as arboviroses são uma das principais doenças associadas às mudanças climáticas . Já se observa, diz, a expansão da dengue em regiões como o Sul do Brasil , claramente sob a influência das alterações no clima e do aumento da temperatura. “Em 2023, com o efeito do El Niño , houve expansão da dengue no Sul do país, e em países como Uruguai e norte da Argentina ”.
Conforme destaca Julio , essas são regiões não eram acometidas pela doença e agora sofrem, por conta das mudanças climáticas . “Nosso inverno de 2023 foi bastante atípico no que diz respeito ao número de casos, bastante elevado, se comparado aos outros anos. Nesse sentido, o aumento da temperatura global, pode levar ao aumento da incidência dessas arboviroses ”, alerta.
Vacina e soberania
Julio é otimista em relação ao cenário futuro, tendo em vista as duas grandes instituições de Saúde do país – Fiocruz e Butantan – que, futuramente, poderão ampliar a produção local da vacina da dengue , em prol da prevenção e redução da carga da doença. “O Brasil pode ser líder mundial, no que diz respeito à produção de vacina da dengue, não só ofertando essa vacina para a população brasileira, reduzindo o impacto econômico da doença, mas como exportador dessa vacina ”.
Para ele, é necessário liderarmos o processo de produção de insumos estratégicos para o Sul global , uma vez que essas doenças afetam também as populações dos demais países dessas regiões. “Ano a ano, temos 1,5 milhão de casos de dengue, e a perspectiva para 2024 está entre 1 milhão e 5 milhões, muita morbidade para uma doença só. Ter a vacina da dengue é ter um produto tecnológico que pode ser exportado para outros países, assim como exportamos a vacina da febre amarela ”, destaca.
O pesquisador aponta, ainda, o impacto econômico da vacina. “Ao reduzir a carga da doença, também gera renda e emprego para o país”.
A incorporação do imunizante e o público-alvo
O município de Dourados , em Mato Grosso do Sul , é o primeiro do país a iniciar a vacinação em massa contra a dengue com o imunizante Qdenga , que deve ser aplicado em 150 mil douradenses, com idades entre quatro e 59 anos, em duas doses, com intervalo de três meses entre elas.
“O Centro-Oeste é a região do país com maior carga da doença e no qual ocorreu o maior número de casos nos últimos dez anos. Em 2023, Dourados teve 3,4 mil casos, sendo 1,7 mil confirmados laboratorialmente. Além disso, a cidade apresentou um cenário de vigilância bastante interessante, do ponto de vista da confirmação laboratorial, com boa cobertura de Estratégia Saúde da Família – 33 unidades”, analisa Julio
De acordo com o pesquisador, tendo em vista que a empresa Takeda previa entregar aproximadamente 5 milhões de doses em 2024, foi preciso escolher uma cidade que atendesse esse quantitativo de vacinação, com o principal objetivo de avaliar o impacto da imunização , do ponto de vista da redução de casos, hospitalização e óbito. Dourados foi, então, designada para essa finalidade, como “cidade interessante”, do ponto de vista da carga da doença, da vigilância epidemiológica e da qualidade das unidades de atenção primária. “Com elevada cobertura vacinal, acreditamos numa redução da transmissão, porque a vacina tem proteção para doenças sintomáticas, com impacto inclusive, em pessoas não vacinadas”, explica.
O pesquisador celebra o início do processo de vacinação. “Abrimos o calendário e em menos de 15 dias, vacinamos aproximadamente 10 mil pessoas. Seguiremos vacinando até chegar a 150 mil, nosso o objetivo primário”.
Leia mais
Notícias relacionadas