A última fase de testes de vacina contra a dengue desenvolvida no Brasil mostrou eficácia geral de 79,5% na prevenção da doença após uma dose, revela novo estudo. Com o resultado positivo, a intenção dos pesquisadores é submeter a vacina à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no segundo semestre de 2024.
Detalhes sobre o desempenho da nova imunização estão em artigo no periódico The New England Journal of Medicine, uma das principais publicações médicas do mundo. Liderado por Esper Kallás e Fernanda Castro Boulos, do Instituto Butantan, o trabalho contou ainda com a participação de diversas instituições de pesquisa brasileiras e americanas e da empresa farmacêutica Merck. A companhia é uma das financiadoras da pesquisa, ao lado do Governo Federal e da Fapesp, órgão estadual de fomento à pesquisa em São Paulo.
Por se tratar de ensaio clínico de fase 3, o mais amplo necessário antes que uma vacina (ou outra intervenção médica) possa ser liberada para a população, o trabalho contou com a participação de mais de 16 mil voluntários, espalhados por 15 cidades brasileiras em todas as regiões do país, de fevereiro de 2016 a julho de 2019. Desses participantes, cerca de 10 mil receberam injeções da imunização propriamente dita, designada como Butantan-DV. Os demais, que foram o grupo controle, receberam placebo (substância inócua).
A divisão dos grupos e a aplicação foi feita seguindo o padrão randomizado e duplo cego, ou seja, a decisão de quem receberia vacina ou placebo coube à sorte, e os pesquisadores responsáveis pela análise dos dados não sabiam de antemão quem tinha tomado o quê. Pessoas com idade entre dois anos e 59 anos podiam participar do teste clínico, e pouco menos da metade delas nunca tinha tido contato com o vírus da dengue, já que não havia anticorpos (moléculas específicas de defesa) contra o invasor no sangue.
Esse último dado é particularmente relevante no caso da dengue porque o vírus da doença se divide em quatro subtipos principais, cujas diferenças são reconhecidas pelo organismo. No caso de uma das vacinas disponíveis hoje, por exemplo, recomenda-se que apenas pessoas que já tiveram dengue recebam o imunizante. Nos pacientes que foram vacinados sem nunca ter tido dengue antes, o contato com o vírus real parece aumentar os riscos do aparecimento da forma mais grave da doença.
Levando em conta essa variabilidade viral, a Butantan-DV é uma espécie de coquetel de todos os subtipos da dengue, com vírus vivos, mas atenuados: incapazes de causar a doença. De acordo com Esper Kallás, a formulação exata é fruto do trabalho de Steve Whitehead, coautor da pesquisa que trabalha no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA.
“Ele levou mais de uma década para selecionar vírus representantes dos quatro sorotipos que fossem atenuados com mutações genéticas”, explica Kallás. “No caso do sorotipo 2, não conseguiu um vírus com todos os genes.” Isso fez com que ele optasse por criar uma quimera, grosso modo, um vírus modificado para carregar pedaços de outros vírus. No caso, a “carcaça” do subtipo 4 foi geneticamente alterada para ficar com duas proteínas importantes do sorotipo 2.
Nos dois anos após a vacinação, pouco mais de 1,5% das pessoas que receberam o placebo foram diagnosticadas com dengue, enquanto apenas cerca de 0,2% dos que foram efetivamente vacinados tiveram a infecção confirmada. A eficácia geral, estimada em 79,5%, foi mais baixa (de 73,6%) em pessoas que nunca tinham tido dengue antes e consideravelmente mais alta (de 89,2%) em quem já tinha tido a doença alguma vez. A eficácia também foi maior no grupo dos adultos (de 18 anos a 59 anos de idade).
O país vive uma explosão de casos de dengue, principalmente em determinadas regiões, e o governo disponibilizará uma vacina, em duas doses, contra a doença na rede pública de saúde. A medida beneficiará os locais mais afetados e determinado público.