Ondas de calor, picos de frio, eventos extremos, aquecimento. Nos últimos anos, termos como esses vêm sendo usados com mais frequência pela imprensa e pela sociedade. Mas uma pesquisa inédita, conduzida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, transformou em dados concretos o que estava só no vocabulário. E a conclusão é uma só: está ficando mais quente e não é só impressão.
O estudo mostrou que toda a costa brasileira já sofre impacto da mudança do clima em relação à temperatura do ar, com as regiões Sudeste e Sul mais afetadas do que as Norte e Nordeste.
Picos de temperatura são os pontos máximos para cima e para baixo, e a pesquisa identificou que esses picos estão ficando mais frequentes e cada vez mais elevados.
Para chegar a essa conclusão, foi avaliada uma série histórica com dados de temperatura do ar observados a cada hora do dia ao longo dos últimos 40 anos em cinco regiões costeiras do País: São Luís (MA), Natal (RN), São Mateus (ES), Rio Grande (RS) e Iguape, no Vale do Ribeira.
No período, a ocorrência de eventos extremos de temperatura quase dobrou em São Paulo (84%) e quase triplicou no Espírito Santo (188%). O número de eventos por ano é variável, dependendo de condições específicas como El Niño e La Niña. Porém, se for considerada a média, no Espírito Santo a taxa de aumento de eventos extremos é, em média, de 4,7% ao ano, enquanto em São Paulo é, em média, de 2,1%.
Por que Iguape?
Ronaldo Christofoletti, coordenador da pesquisa e professor do Instituto do Mar/Unifesp, explica que a escolha das cidades litorâneas para a pesquisa ocorreu porque era preciso um registro histórico confiável, dia por dia, para que a análise fosse correta.
Iguape preenchia esse requisito. E a constatação é de que, ali, a frequência de eventos extremos na temperatura saltou de cerca de dez por ano, no início da década de 1980, para 19 anuais de 2010 a 2019.
“Mas é possível avaliar que o que aconteceu em Iguape tenha ocorrido em todo o Litoral de São Paulo, com mais ou menos variação conforme a geografia, a cobertura vegetal e a urbanização intensa”, explica o professor, que também coordena o Programa Maré de Ciência, da Unifesp, iniciativa que busca aproximar a ciência da sociedade.
Em Rio Grande (RS), as menores temperaturas anuais acontecem em julho. Ao longo de 40 anos, as temperaturas extremas em julho variaram entre -0,5 grau e 4,5 graus. No entanto, nos últimos dez anos, não se observaram valores inferiores a 2 graus desde 2012 nem temperaturas próximas de zero desde julho de 2009. Ou seja, o frio está menos intenso no inverno. “Essa mudança pode ter impactos na produção agrícola e, até, no turismo”, prevê Christofoletti (veja matéria).
Os dados evidenciam como Sudeste e Sul já se encontram com impactos da temperatura do ar e que afetarão a biodiversidade e, também, a economia.
Repercussão
A pesquisa, divulgada nesta semana, foi objeto de artigo científico publicado na terça-feira na revista Scientific Reports, do Grupo Nature, uma das mais prestigiadas publicações no mundo e que foi a quinta mais citada mundialmente em 2021.
Além de Christofoletti, integram o grupo de pesquisadores William Conti, Fábio Sanches e Fernando Martins.
Dados podem nortear
Dados como os constatados na pesquisa da Unifesp-Baixada Santista podem servir de base para prefeituras, estados e União. “Um prefeito não pode fazer obras e criar projetos de adaptação às mudanças climáticas sem ter dados reais, sem saber quais os períodos do ano em que há maior ocorrência de extremos, e que extremos de temperatura são esses”, afirma o pesquisador Ronaldo Christofoletti.
O professor também destaca a constatação de que há diferenças entre os picos de temperatura de região para região. Isso faz com que um plano federal de resiliência à mudança climática não seja único, mas adaptado a cada estado ou região. “Temos agora um suporte científico para nortear as iniciativas do Ministério do Meio Ambiente”, exemplifica.
Se cruzados com informações como regime de chuvas, os dados da pesquisa também podem ser úteis na agricultura, diz o pesquisador. “A variação de temperatura, por menor que seja, impacta as plantações e, se isso puder ser entendido e previsto, melhor para o agricultor e toda a cadeia produtiva. Por exemplo, se o inverno for mais quente do que é esperado, vai comprometer a safra. Entender esse ciclo e fazer projeções é de grande utilidade para o setor do agronegócio.”
Tragédias
As informações obtidas no estudo também podem ser úteis na previsão mais refinada de tragédias como a ocorrida em fevereiro, no Litoral Norte. “Ondas de calor são um problema, mas, quando há a combinação de dois ou três fatores adversos, torna-se uma tragédia. Em fevereiro, havia uma massa de ar quente, o oceano com dois graus acima da média e umidade mais alta que o normal, e, aí, todos já sabem o que aconteceu.”
A continuidade desses estudos sobre o clima pode aprimorar a leitura dos dados juntando esses outros fatores de estresse, como umidade e temperatura do oceano. “Há uma infinidade de dados úteis para as cidades que podem ser obtidos a partir de agora.”
A metodologia criada pela pesquisa pode ser aplicada a qualquer município ou região, mas é preciso ter dados disponíveis e confiáveis de temperaturas, dia por dia. “É cada vez mais relevante ter termômetros instalados nos municípios, e eles precisam ser monitorados e conservados. Daqui para a frente, esse será um equipamento indispensável às cidades.”