Estudo inédito foi publicado em uma prestigiada revista científicaUm estudo inédito, feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que o Espírito Santo foi o estado mais atingido pelo aumento da frequência de ondas de calor e de frio, nos últimos 40 anos, em toda a costa brasileira.
A pesquisa, que teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi publicada na última terça-feira (25), na prestigiada revista Scientific Reports do grupo Nature.
Uma série histórica de dados da temperatura do ar, observados a cada hora do dia, foi analisada ao longo dos últimos 40 anos em cinco regiões costeiras do país: Maranhão (São Luís), Rio Grande do Norte (Natal), Espírito Santo (São Mateus), São Paulo (Iguape) e Rio Grande do Sul (Rio Grande).
A partir deste material, os quatro pesquisadores do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) envolvidos utilizaram modelos matemáticos para definir o que seriam extremos de temperatura para cada uma das regiões.
Toda a costa brasileira já está sofrendo algum impacto, segundo resultado da pesquisa, em relação à temperatura do ar, mas os litorais Sul e Sudeste foram mais afetados que o Norte e o Nordeste, onde, apesar de existirem extremos de temperatura ao longo de todo ano, eles não estão aumentando em frequência ou intensidade.
Nos litorais do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Espírito Santo, a frequência de ocorrências diárias de extremos máximos de temperatura e das ondas de calor, caracterizada por dias consecutivos de extremos máximos de temperatura, tem aumentado ao longo dos anos.
No entanto, no Espírito Santo, a frequência de ocorrências diárias e de eventos de ondas de frio também tem aumentado. Identificamos o litoral do ES como a região mais afetada dentre as que estudamos, pois além das ondas de calor, foi a única região onde a frequência de ondas de frio é cada vez maior", afirma Fábio Sanches, autor da pesquisa e pós-doutorando pelo IMar/Unifesp.
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Nos últimos 40 anos, a ocorrência de eventos extremos de temperatura quase dobrou em São Paulo (84%), dobrou no Rio Grande do Sul (100%) e quase triplicou no Estado (188%).
Eventos extremos
O número de eventos por ano é variável, dependendo de condições específicas, como os fenômenos El Niño e La Niña, mas, no Espírito Santo, por exemplo, a taxa de aumento de eventos extremos é, em média, de 4,7% ao ano, enquanto em SP é, em média, de 2,1% e, no RS, de 2,5% ao ano.
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“As mudanças dos padrões de eventos extremos na costa brasileira são um sinal importante de alerta para a vulnerabilidade climática do Brasil como um todo. Este estudo confirma que a emergência climática não é futurologia e sim parte de uma realidade que temos que enfrentar, combatendo suas causas com ações concretas de mitigação e com políticas públicas eficazes de adaptação”, alerta Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA).
De acordo com Ronaldo Christofoletti, coordenador da pesquisa, esse aumento na frequência das ondas de calor e frio tem vários impactos na sociedade como um todo, que vão desde um desconforto térmico ao aumento de incêndios florestais, problemas de saúde e até a mortalidade de animais, plantas e seres humanos.
"Especialmente, idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade. Estudos recentes demonstram um aumento de quase 70% na mortalidade de idosos devido ao calor intenso. Ao longo dos últimos anos, foram vários casos de mortalidade por ondas de calor como vistos na Espanha, Canadá e Portugal, por exemplo", destaca o coordenador.
A pesquisa
Com o título The increase in intensity and frequency of surface air temperature extremes throughout the western South Atlantic coast (O aumento da intensidade e frequência das temperaturas extremas da superfície do ar ao longo da costa ocidental do Atântico Sul - tradução livre), a pesquisa foi publicada nesta terça-feira (25), na revista Scientific Reports do grupo Nature, uma das mais prestigiosas revistas científicas no mundo, e que foi a quinta revista mais citada mundialmente em 2021.
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"Um dos exemplos práticos das mudanças climáticas é o aumento na intensidade e na frequência de eventos extremos de temperaturas quentes e frias. Uma ocorrência de temperatura extrema ocorre quando uma dada temperatura máxima ou mínima excede um 'limite' esperado e característico da região. Uma onda de calor ou de frio corresponde a um evento extremo e é caracterizada por um período de alguns dias com temperaturas máximas superiores ou mínimas inferiores ao limite esperado para a época do ano", explicou William Conti, pesquisador do IMar/Unifesp e responsável pela modelagem matemática dos dados obtidos na pesquisa.
De acordo com os responsáveis, o principal objetivo foi como definir este "limite" no tempo e espaço. Entre as questões que guiaram a pesquisa, estão: Será que um extremo de temperatura no sul do Brasil e no norte do país tem o mesmo valor? Será que estes limites estão mudando ao longo dos anos? E dentro de um mesmo ano, será que uma dada temperatura pode ser extrema em uma estação do ano sem ser nas demais?
Isso porque, em um país tão grande quanto o Brasil e com clima tão diverso, uma determinada temperatura pode ser extrema em uma região e normal em outra. Além disso, diferentes temperaturas podem ser consideradas extremas dependendo do mês do ano em cada local.
No final, os especialistas conseguiram determinar como, nas épocas do ano, cada região sofre com a variação da frequência e a intensidade dos valores de temperaturas máxima e mínima, da amplitude térmica ao longo do dia e as mudanças abruptas de temperatura entre dias consecutivos.
"Nosso estudo demonstra para diferentes regiões da costa brasileira como as ondas de calor, frio e amplitude térmica diária estão variando. Estes dados permitem passos futuros para entender a influência destas variações em índices da agricultura – por exemplo: produção agrícola de espécies regionalmente importantes –, saúde pública – tipo o aumento de casos de problemas respiratórios ou de mortalidade de idosos em períodos de ocorrência de extremos de clima –, e da importância das políticas públicas locais, regionais e nacionais", o coordenador Ronaldo Christofoletti.