Pesquisa analisou dados dos últimos 40 anos e confirma que regiões Sudeste e Sul são as mais atingidas
A costa litorânea do Brasil está ficando mais quente, e as regiões que mais são atingidas pela elevação das temperaturas são Sudeste e Sul. Essas informações constam em estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Os autores do levantamento buscaram dados dos últimos 40 anos para determinar se as ondas de calor e as variações térmicas têm aumentado. Em todo o litoral do País, somente cinco cidades tinham informações de temperatura do ar observados a cada hora do dia ao longo das quatro décadas: São Luís (MA), Natal (RN), São Mateus (ES), Iguape (SP) e Rio Grande (RS). Por isto, estes municípios foram usados como referência para as análises e conclusões.
O que se constatou foi que, no período, eventos extremos de temperatura cresceram 84% em São Paulo, 100% no Rio Grande do Sul e 188% no Espírito Santo. Já Rio Grande do Norte e Maranhão têm cada vez mais mudanças abruptas de temperatura em dias consecutivos.
Comentando estes resultados, o professor Ronaldo Christofoletti, coordenador do Instituto do Mar, da Unifesp Baixada Santista, disse que os “extremos de calor estão aumentando”, não em intensidade, mas em frequência. Segundo ele, a razão desse fenômeno é bastante conhecida.
“Há cada vez mais picos ao longo do ano, que se torna mais quente. O aquecimento vem do carbono. É muito gás (na atmosfera), que vem das queimadas, das indústrias, dos aerossóis... Os gases do efeito estufa refletem, agora, claramente”.
O docente também declarou que “temos variação de amplitude térmica (diferença entre o momento mais quente e o mais frio do dia). Está variando muito. Encontramos, ao longo do ano, dias em que a amplitude vai ficando mais longa e mais frequente”, destacou o pesquisador.
Mais atingidos As mudanças estão atingindo, em cheio, o Espírito Santo. De acordo com o estudo, este é o único local do país que sofre extremos de calor e também de frio. Christofoletti afirmou que isto acontece por conta dos efeitos do aquecimento na Antártida.
“Vamos entender a dinâmica de onde vem o frio. Temos frentes frias chegando a todo momento à costa. Elas vêm da Antártida, que é como se fosse o ar-condicionado do mundo, que resfria a água do oceano e o ar. Ela libera as massas de ar frio. O que tem ocorrido é que, nas costas do Rio Grande do Sul e de São Paulo, as massas continuam chegando na mesma frequência. Porém, como os anos estão cada vez mais quentes, as massas de ar frio saem da Antártida com mais força (e vão mais longe). Por isso, seguem passando pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo, chegando mais vezes ao Espírito Santo. Por isso, eles sentem mais este reflexo, que não tinham”, explicou.
O extremo sul brasileiro também sofre. De acordo com o professor, em Rio Grande, “as menores temperaturas anuais acontecem no mês de julho. Ao longo do período de 40 anos, as temperaturas extremas (no mês citado) variaram entre -0,5°C até 4,5°C. No entanto, não se observaram valores inferiores a 2°C desde 2012 e de temperatura próximos de zero desde 2009”.
Bióloga diz que impacto na saúde é subestimado Quando se pensa nos impactos causados pelas mudanças climáticas, normalmente altas temperaturas e tragédias naturais logo vêm à mente. Contudo, para a bióloga Mariana Veras, pesquisadora do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, outro problema deveria ter maior atenção: a saúde. Afinal, há pessoas ficando doentes e morrendo em decorrência das alterações de temperaturas.
Ao abordar o tema no primeiro painel de A Região em Pauta, a estudiosa foi direta: “A saúde humana tem foco pequeno quando falamos em mudanças climáticas, mas ela vai ser impactada direta ou indiretamente. Havendo danos, como nos desastres, o número de mortes imediato é grande, só que ele é maior ao longo do tempo”.
A especialista seguiu em sua explanação ressaltando que diversas patologias surgem em decorrência das chuvas. Como exemplo, Mariana citou a leptospirose.
“Pessoas se contaminam em eventos de enchente, mas a doença aparece depois de duas ou três semanas do contato com a água contaminada. Será que isto estará ligado às alterações climáticas ou vai ser (visto) só como questão de saneamento? O impacto está muito subestimado, porque não é fácil fazer ligação entre eventos e o desfecho em saúde”, explicou.
Mais atingidos Segundo a bióloga, os mais prejudicados pelas grandes variações térmicas diárias são idosos e crianças.
Por sinal, o crescimento do número de mortes de pessoas com mais de 65 anos provocadas por extremos de calor está documentado. Conforme relatório anual da revista Lancet, as mortes de indivíduos deste público relacionadas a altas temperaturas aumentaram 68% no período entre 2000 e 2004 e de 2017 a 2021.
Mariana explicou por que os mais velhos sentem tanto as alterações. “Nosso sistema de refrigeração depende dos vasos sanguíneos. Quando está frio, o sangue vai para as regiões centrais. No calor, às extremidades. O idoso sofre, pois seus vasos são mais frágeis”.
Com relação às crianças, a especialista afirmou que, nelas, “o sistema de termorregulação não está pronto”, o que facilita o aparecimento de doenças. Porém, “boa hidratação e ficar abrigada do calor” servem de prevenção.
Cofres públicos Christofoletti também se pronunciou sobre o tema, ressaltando o aspecto econômico. “A amplitude térmica está relacionada com problemas de saúde. (Com ela) nossos problemas respiratórios aumentam, o que significa hospital mais cheio. Isto impacta os cofres públicos (pois os gastos crescem)”.
Prejuízo milionário Animais também estão sendo afetados pelas mudanças climáticas. Segundo levantamento da Agência Estadual de Defesa Sanitária Vegetal (Iagro), do Mato Grosso do Sul (MS), divulgado no último dia 20, mais de 2,7 mil cabeças de gado morreram por causa do frio no estado. Somente neste episódio, o prejuízo é estimado em R$ 10 milhões.
O professor Ronaldo Christofoletti opinou sobre esta situação. Para ele, os animais, acostumados ao clima mais quente, não estão conseguindo lidar com as variações.
“Eles não estavam preparados para aquele frio. Uma coisa é o extremo que ocorre em um dia. Agora, quando temos uma onda (de frio), com dois ou mais dias, como aconteceu (o gado não resiste)”, disse o estudioso.
O docente reiterou, ainda, que, se nada for feito, mais bois e vacas morrerão de hipotermia, aumentando as perdas dos criadores. “Isso chega à economia do país e com prejuízo, porque a agropecuária controla (parte) nosso Produto Interno Bruto (PIB)”.