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Como o Brasil deve se preparar para enfrentar eventos climáticos extremos (349 notícias)

Publicado em 02 de maio de 2023

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Por Por Roger Marza, com edição de Luiza Monteiro

Tragédia no litoral norte de São Paulo após fortes chuvas é mais uma entre tantas outras na história recente do país. Especialistas avaliam o que precisa ser feito para prevenirmos catástrofes da emergência climáticaAs maiores avalanches de lama ocorreram na Vila Sahy, antiga Vila Baiana, onde a família de Aldinei se instalou quando chegou à região em 1989. Seus pais eram agricultores que, com a crise da praga vassoura-de-bruxa que atacou o cacau no sul da Bahia naquele mesmo ano, decidiram migrar para conseguir novas oportunidades. Na época, ele tinha apenas 4 anos; hoje, aos 38, se considera nativo do litoral paulista. Atualmente, Santos vive no bairro Baleia Verde, também atingido pela enchente daquele trágico feriado, com registro de duas mortes.

Profissional da construção civil, ele perdeu tudo. Aldinei conta que a chuva começou por volta das 21h30 do sábado de Carnaval. Ele lembra que recebeu da Defesa Civil do Estado de São Paulo, por meio de SMS, um comunicado “genérico”, nas palavras dele avisando que, ao longo dos três dias de festa, a previsão era de que chovesse 200 mm. Por isso, não se preocupou. Mas a realidade foi outra. “Entrou um metro e meio de água dentro de casa. Levantamos os móveis, mas a água subiu além. Sempre quando chove as ruas enchem, mas nesse tempo que moro aqui essa foi a primeira vez que a água entrou em casa”, relata. “Perdi móveis, máquina de lavar, sofá, secador, roupas... Só a geladeira voltou a funcionar, mas de resto perdi tudo.”

A esposa de Aldinei, Rosana Santos, tem uma loja de calçados na Vila Sahy, e os 50 centímetros de água que entraram no estabelecimento causaram um prejuízo de R$ 120 mil. O morador também destaca problemas de longa data no bairro, como falta de esgoto e água tratada. A água vem de uma cachoeira e a população usa fossas sépticas. “Com qualquer chuva a gente se sente inseguro. Estamos com o psicológico abalado. Eu não tenho muito lugar para onde ir. Posso considerar que nasci aqui, é um lugar que eu gosto, mas com esses eventos nos deixa preocupados”, lamenta.

Está acontecendo

A preocupação de Santos é compartilhada por cientistas. Pesquisadores avaliam que é possível afirmar que a catástrofe no litoral norte paulista é reflexo direto das mudanças climáticas. E que novas tragédias vão ocorrer se não houver ação para enfrentar os desafios do clima. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a Terra já está entre 1,1 °C e 1,2 °C acima dos níveis anteriores à Revolução Industrial, e os sinais do impacto desse aquecimento estão espalhados pelo mundo.

No ano passado, países como Canadá, Estados Unidos e Japão sofreram nevascas em temperaturas negativas recordes, enquanto na Europa ocorreram ondas intensas de calor. “Já estamos entrando em processo de eventos climáticos extremos. Não há nenhuma dúvida”, crava o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/ USP) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Em relatório divulgado em agosto de 2021, o IPCC já apontava efeitos imediatos da emergência climática no Brasil. Num cenário em que o planeta atinja ou ultrapasse a marca de 1,5 °C até 2040 em relação aos níveis pré-industriais, nosso país experimentaria, por exemplo, mais secas em certas regiões e chuvas em outras. A expectativa é de que partes do Centro-Oeste, do leste da Amazônia e do Nordeste enfrentem mais ondas de calor e períodos mais prolongados de estiagem; já o Centro-Sul deve sofrer com volumes maiores de chuva. “No último relatório do IPCC em 2022, há um cálculo de que eventos climáticos extremos poderão ser 50% mais frequentes e cinco vezes mais fortes do que antes da Revolução Industrial”, destaca o físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP (IF-USP) e membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

No caso das chuvas, isso acontece porque o aumento da temperatura média global, em decorrência da maior emissão de gases de efeito estufa por atividades humanas, aquece o solo e os oceanos, que levam para a atmosfera quantidades cada vez maiores de vapor d’água. O encontro dessa massa de ar quente com frentes frias gera chuvas intensas, especialmente no litoral, que tem pela frente a Serra do Mar como barreira.

“Essa frente fria que chegou até o Litoral Norte passou antes pela Argentina e provocou neve na província de Buenos Aires, onde raramente neva no inverno, mas nevou em fevereiro. É raríssimo”, observa o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de operações e modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Um grupo de cientistas reunidos pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, organizou os chamados “estudos de atribuição”, que buscam dados para afirmar cientificamente a correlação entre eventos extremos atuais e mudanças climáticas. A fim de ampliar o escopo de análise, pesquisadores de todo o mundo são estimulados a participar do World Weather Attribution. O climatologista Lincoln Alves, da Divisão de Impacto, Vulnerabilidade e Adaptação do Clima do Inpe, participou do estudo investigando as chuvas no nordeste do Brasil entre a segunda quinzena de maio e início de junho de 2022. O evento climático fez com que chovesse um volume superior a 70% do esperado para o mês, o que causou 133 mortes e fez 25 mil pessoas ficarem desalojadas.

A investigação indica que fenômenos como esse ainda são raros, mas o aquecimento global aumentou em 20% a probabilidade dessas ocorrências no Nordeste. “Cada evento é analisado de forma individualizada. Esse evento extremo no Litoral Norte tem relação com a mudança do clima? É algo que precisa ser estudado de forma aprofundada”, avalia Alves. Para ele, pesquisas como essa ainda não são feitas no Brasil por falta de um supercomputador capaz de analisar todas as variáveis. “Porém, o que observamos é que, subjetivamente, já podemos atribuir parte do evento à mudança do clima, que é o aumento da frequência de eventos extremos, seja mais chuva ou menos chuva, como o Rio Grande do Sul está vivendo agora com essa seca”, explica o climatologista do Inpe.

Para Alves, as séries históricas sobre chuvas e secas mostram que, nas últimas quatro décadas, esses eventos extremos apresentaram aumento de frequência e intensidade. “A chuva de São Sebastião quebrou todos os recordes, mais de 600 mm em 24 horas. E isso vai além do Brasil: você tem chuvas intensas na Europa, a seca muito intensa na Argentina, no Chile… Vários fenômenos mostram que os sinais da mudança do clima são muito claros.”

O estudo Extreme Drought Events over Brazil from 2011 to 2019, publicado em outubro de 2019 no periódico Atmosphere por pesquisadores do Cemaden em parceria com equipe do Inpe, analisa essa tendência. Foi a partir de 2011 que secas severas se tornaram mais frequentes no Brasil, de acordo com a investigação. “Se você pegar a série histórica dos últimos 40 anos, é possível ver que a chuva no Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte do Brasil está diminuindo, e a estação chuvosa está encurtando”, analisa Seluchi. Mas, apesar disso, eventos de chuva forte em curtos períodos têm sido mais intensos, como mostram análises em São Paulo e Belo Horizonte. “Se você calcular, por exemplo, o número de vezes que choveu mais de 80 mm em 24 horas nas últimas décadas [nessas cidades], esse número é muito maior que no início nos anos 1960”, revela o coordenador do Cemaden.

E nem precisa ir tão longe no tempo. Nos últimos 14 meses, o país vivenciou eventos extremos de chuva que já causaram mais de 500 mortes. Em 15 de fevereiro de 2022, a cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, foi devastada por um fenômeno que os cientistas não conseguiram prever. No total, caíram 260 mm de água, sendo que 230 mm se concentraram em apenas três horas, valor jamais medido antes no país. Os deslizamentos de terra em decorrência da chuva mataram 235 pessoas e deixaram 4 mil desabrigados.

Segundo Seluchi, não foi possível prever e não há registro na literatura sobre esse tipo de evento. Tudo aconteceu quando uma frente fria fraca se encontrou com a Zona de Convergência do Atlântico Sul, fenômeno meteorológico que transporta umidade da Amazônia para o Centro-Oeste e o Sudeste. Quanto mais frio, maior a capacidade de “secar” o ar nessa zona e evitar uma chuva forte, mas não foi o que aconteceu, já que a frente fria estava fraca. O calor gerou uma nuvem que se fortaleceu com a mudança do vento do mar para o continente. E o que era para ser uma chuva de fim de tarde de, no máximo, 40 minutos, se prolongou por três horas. Pouco mais de um mês depois, em 20 de março, uma nova chuva de 540 mm provocou nove mortes na cidade serrana.

A tragédia só não foi pior porque deu para avisar a população com antecedência, graças aos alertas do Cemaden e da Defesa Civil do município. “O Cemaden fez o alerta e, quando a chuva começou, disparou as sirenes. Grande parte das pessoas saiu de áreas de risco, por isso que o número de mortes foi menor, mas o estrago na cidade foi gigantesco. São poucos os municípios do Brasil que têm sirenes em lugares de área de risco”, explica Carlos Nobre.

Os cientistas consultados são unânimes em dizer que o pior evento climático extremo já ocorrido no Brasil foi outro desastre na região serrana do Rio, em 11 de janeiro de 2011: uma chuva que variou de 200 mm a 280 mm em cidades como Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto. As tempestades duraram oito horas, causando a morte de 918 pessoas, deixando 100 desaparecidos e 35 mil desalojados.

O desastre levou o governo federal a criar o Cemaden. Esse órgão reúne não apenas informações meteorológicas, mas também sobre o monitoramento de áreas de risco, com informações geológicas e hidrológicas. “Em 2011, aprendemos que deveria haver uma ação multidisciplinar”, diz Seluchi. Mas desastres como esse seguem acontecendo.

Culpa de quem?

No dia 14 de fevereiro de 2023, o Cemaden já começava a se preocupar com o risco de chuvas intensas no fim de semana do Carnaval. Dois dias depois, veio a certeza de que, no mínimo, haveria uma chuva de até 200 milímetros entre sábado e domingo em São Paulo. Os cientistas convocaram uma reunião com o Centro Nacional de Gerenciamento de Risco (Cenad), que por sua vez marcou uma conversa no dia 17 com as Defesas Civis de todos os estados, na qual foi apresentada uma nota técnica sobre o potencial de catástrofe nos dias seguintes.

A partir das 19h30 do dia 18, o Cemaden enviou alerta de inundação para o Litoral Norte e a Baixada Santista. O aviso de deslizamento de terra foi enviado à meia-noite. “Esses alertas deveriam ter disparado o plano de contingência do município, o que se deve fazer quando tem um evento extremo. O que faltou foi o alarme, mecanismo para alertar pessoas que estão morando em área de risco a sair de casa”, avalia Seluchi, que critica a ação do estado. “A Defesa Civil de São Sebastião tem poucos meios, é injusto colocar a responsabilidade em cima deles, e o estado de São Paulo usa um SMS que não se mostrou eficiente, que não leva em conta os alertas do Cemaden, pois usa dados de uma empresa privada de meteorologia.”

A reportagem questionou a Defesa Civil de São Paulo. Conforme e-mail enviado pela assessoria de imprensa, a entidade emitiu avisos à população. “O primeiro alerta recebido foi às 11h30 de sexta feira [17 de fevereiro], durante a reunião convocada pelo Cemaden para falar sobre as previsões meteorológicas no Estado. No entanto, o alerta de risco do Estado já estava vigente desde a tarde do dia anterior e o Governo Estadual já estava mobilizado e em contato com todas as Prefeituras dos municípios que poderiam ser afetados”, diz o órgão.

Ainda de acordo com a assessoria de imprensa, a ideia do governador Tarcísio de Freitas é criar um sistema de alertas mais moderno, chamado cell broadcast, que tem o diferencial de enviar os alertas para Estações Rádio Base (ERB), direcionando a mensagem automaticamente para todos os aparelhos celulares que estejam em seu raio de cobertura. “O método já é utilizado nos Estados Unidos, no Japão e em países da Europa. Nessa nova metodologia, o usuário vai precisar confirmar que visualizou a mensagem, que será uma espécie de pop-up na tela”, informa a entidade, sem responder se haverá instalação de sirenes.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio de sua assessoria de imprensa, informou que está articulando com outros ministérios a elaboração de um Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres, a ser apresentado para a Casa Civil da Presidência da República com medidas efetivasdivididas em quatro eixos: conhecimento e percepção de risco; monitoramento e alerta; obras estruturantes e de mitigação; e preparação de resposta.

De acordo com nota enviada a GALILEU, a pasta destacou ainda que está previsto o projeto de Renovação da Infraestrutura de Supercomputação do Inpe. A iniciativa deve receber R$ 200 milhões de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), sendo que a primeira parcela, de R$ 47,5 milhões, já foi paga. Entre os recursos para os quais a verba será destinada estão a importação do novo supercomputador e um sistema de modelagem de dados que recebe informações de satélites, dados de radares e de outros sistemas de medição para realizar previsão do tempo, do comportamento dos oceanos e dos ventos, por exemplo. A ideia é que o equipamento entre em funcionamento ainda neste ano.

Para Seluchi, no entanto, mesmo que o Inpe adquira um novo supercomputador, seria pequena a evolução do sistema de alertas do Cemaden. Na visão dele, as principais lições que a tragédia do Litoral Norte revela são a urgência de se aprimorar a Defesa Civil, com planos de contingência para o gerenciamento de crise, e de construir residências para a população carente fora de áreas de risco. Carlos Nobre concorda. “Não é que não precise comprar um novo supercomputador, mas não foi essa a razão da falha [no Litoral Norte]. Com as previsões que existem, o Cemaden vem fazendo alertas muito bons; não foi falta de alerta, foi falta de resposta aos alertas”, avalia o cientista do Inpe.

O atual governo de São Paulo também busca recuperar o desmonte promovido pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que fez um corte de 99% na verba do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) no Orçamento de 2023, passando de R$ 2,8 milhões para R$ 25 mil em obras emergenciais de mitigação para redução de desastres. Houve também um corte de 94% em “execução de projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas”: de R$ 53,9 milhões para R$ 2,7 milhões. Procurado pela reportagem, o MDR informou que está em tratativa com o Ministério do Planejamento, de modo que não faltem recursos para execução de ações e programas da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil.

Segundo a assessoria de imprensa do MDR, o orçamento consignado pela Lei Orçamentária Anual de 2023 para as ações da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil é de R$ 585,2 milhões. De acordo com o órgão, “até o momento, foram liberados aos municípios atingidos [pelas chuvas] cerca de R$ 16,5 milhões para ações de assistência, restabelecimento e recuperação de infraestruturas atingidas”. Em seu site, o MDR publicou no dia 10 de março uma nota informando que a pasta repassou “mais de R$ 13,5 milhões para ações de defesa civil em 45 cidades” no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Espírito Santo, no Pará, em Minas Gerais e em Santa Catarina. No litoral norte paulista, Ubatuba receberá R$ 296,9 mil e São Sebastião, R$ 975,6 mil, para limpeza de bairros e praias.

Avalanche de erros

Se há algum culpado, avalia o meteorologista Marcelo Seluchi, foram os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário dos últimos 50 anos, que permitiram colocar tantas pessoas em risco. Há uma estimativa de que 10 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco no país. O geógrafo Eduardo Marandola, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, já alertava sobre esses riscos no Litoral Norte em 2013. Foi quando ele publicou o estudo Crescimento urbano e áreas de risco no litoral norte de São Paulo na Revista Brasileira de Estudos de População.

A partir de dados do Censo Demográfico do IBGE de 2000 a 2010, ele avaliou a ocupação da região, que atraiu grande contingente de pessoas em decorrência da exploração de gás e petróleo, especialmente em Caraguatatuba e São Sebastião, onde há também o Terminal Marítimo Almirante Barroso (Tebar), construído em 1960. “A maior parte do crescimento populacional ocorreu nas áreas urbanas. Em Caraguatatuba e Ilhabela, as taxas de crescimento da população urbana são maiores do que aquelas registradas para o total do litoral norte”, diz o artigo, assinado por Marandola e os pesquisadores Cesar Marques, Luiz Tiago de Paula e Letícia Braga Cassaneli.

Em Caraguá, a taxa de crescimento da população foi de 2,62% ao ano (a.a.) entre 2000 e 2010; e em São Sebastião, de 2,42% a.a.. Em toda a região norte do litoral paulista, o índice foi de 2,34% ao ano. “De certo modo, o crescimento mais intenso ainda pode ser explicado por uma população que é relativamente pequena, em que o impacto de dezenas de milhares de pessoas é muito maior quando comparado ao crescimento absoluto em megacidades como São Paulo. No entanto, os fatores de atração da região têm mostrado um claro vigor no que tange à urbanização e ao crescimento populacional”, constatou o estudo, há dez anos.

Os migrantes sem recurso se instalaram em encostas da Serra do Mar ou próximos a rios e estradas. Levantamento feito em fevereiro de 2023 pelo MapBiomas analisou imagens de satélite da região entre 1985 e 2021 e avaliou que São Sebastião, Ubatuba, Guarujá, Caraguatatuba, Ilhabela e Bertioga quase quadruplicaram as áreas urbanizadas nas últimas décadas. “Além disso, com exceção de Ilhabela, os demais municípios tiveram um aumento da densidade populacional. A ocupação em assentamentos precários teve uma taxa de aumento (8,8 vezes) maior que as áreas urbanizadas (3,9 vezes) nesses municípios entre 1985 e 2021”, informa a nota técnica.

Parafraseando o título da obra do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Marandola considera que o que ocorreu é “uma crônica de um desastre anunciado”. “A produção de área de risco não é um acaso, não aconteceu porque alguém falhou. Mas, sim, pelo jeito como as cidades são construídas, orientadas para viabilizar a atividade econômica sempre”, pontua o geógrafo. Ele avalia que as leis ambientais evoluíram muito desde a década de 1980, os sistemas de meteorologia estão cada vez melhores e o Cemaden tem atuação “imprescindível”, mas que não evoluímos em relação à construção de cidades com um modelo econômico inclusivo. “O que a gente nunca aprende com os desastres: só conseguimos avançar na consciência ambiental quando conseguimos precificar a preservação ambiental”, pontua.

Além do discurso

Não é segredo que o Brasil e o mundo precisam urgentemente se adaptar às mudanças do clima. Estamos falhando, por exemplo, em reduzir a emissão de gases de efeito estufa, principalmente devido ao consumo de combustível fóssil. Segundo estudo apresentado pela Global Carbon Project na COP27, no Egito, eram esperadas um total de 40,6 toneladas de emissões em 2022.

“Estamos caminhando para um aumento de temperatura de até 3,5 °C até o fim do século, que vai multiplicar a frequência e a intensidade dos efeitos dos eventos climáticos extremos”, analisa Paulo Artaxo.

Para evitar que o planeta aqueça ao longo do século para além de 1,5 °C — como preconiza o Acordo de Paris, assinado em 2015 —, é preciso reduzir as emissões em 50% até 2030 e zerá-las antes de 2050. “Isso parece ser muito difícil de atingir. E não há perspectiva de que haverá redução de emissões. Esse é um enorme risco”, adverte Carlos Nobre.

Os países desenvolvidos já estão se adaptando às mudanças do clima, com menor registro de mortes nos eventos climáticos extremos em comparação a países em desenvolvimento como o Brasil — que, por outro lado, têm menos recursos para lidar com os desastres. “O maior desafio é remover milhões de brasileiros que moram em áreas de altíssimo risco. Em São Sebastião, são milhares de pessoas”, pontua o climatologista do Inpe. Além de fazer com que esses cidadãos se mudem para áreas longe da beira de rios e encosta íngremes, seria importante também reflorestar os topos de morro e evitar, assim, o deslizamento de terra nas encostas.

A ciência tem feito sua parte, que vem sendo, a cada dia, aprimorada. Mas é necessário que a atividade científica também seja política e social. “No Litoral Norte, associações de moradores e uma série de instituições sociais estão na linha de frente do enfrentamento do desastre. Fortalecer esses movimentos é uma parte importante, porque o poder público, na forma democrática de ser constituído, não age só por iniciativa própria, mas por demandas da sociedade civil”, frisa Eduardo Marandola.

Guardada as devidas proporções, é possível fazer uma correlação com a peça A Estória do Formiguinho ou Deus Ajuda os Bão, que Arnaldo Jabor escreveu na década de 1960. A trama tragicômica conta a história de um morador da favela que apenas queria colocar uma porta em seu barraco e acabou descobrindo os meandros do poder até se rebelar e liderar um movimento social. Como as formigas — que detectam um alimento e avisam umas às outras até o formigueiro inteiro se mobilizar com coesão —, cientistas e a população precisam se unir e agir. Sem isso, os poderes público e privado pouco farão para além de vestir a máscara do discurso ambiental.