Agência Fapesp
O litoral brasileiro, especialmente as regiões Sul e Sudeste, tem sofrido impactos das mudanças climáticas, com temperaturas do ar cada vez mais extremas e aumento da frequência das variações térmicas ao longo dos anos. Esse é um dos resultados de uma pesquisa inédita publicada ontem (25) na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
Nos litorais do Espírito Santo, do Rio Grande do Sul e de São Paulo, a frequência de ocorrências diárias de extremos de temperatura e das ondas de calor (caracterizadas por dias consecutivos de registro) aumentou ao longo dos últimos 40 anos – com um crescimento de 188%, 100% e 84%, respectivamente.
No Espírito Santo, a temperatura máxima chegou a variar de 28,6 °C, em julho de 1987, para 37,2 °C, em março de 2013, enquanto a mínima foi de 11,2 °C, em junho de 1993, a 20,7 °C, em janeiro de 2016. Até 1999, foram registradas temperaturas máximas acima de 35 ºC por oito vezes no Estado, mas na última década foram 19 vezes. Já no litoral do Rio Grande do Sul, os pesquisadores detectaram que os dias estão refrescando menos, ou seja, não atingindo temperaturas extremas tão baixas.
O estudo, realizado por cientistas do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo, avaliou ondas de calor ao longo da costa do Brasil por meio da variação na intensidade e frequência de eventos extremos de temperatura. Para os pesquisadores, o conjunto de dados e métodos se mostrou uma abordagem a ser utilizada em trabalhos sobre extremos climáticos, com indicadores de intensidade, frequência e duração, podendo ser aplicado também a outras regiões do planeta.
“Os resultados mostram que as regiões Sudeste e Sul já enfrentam impactos da temperatura do ar que podem afetar não só a biodiversidade como até mesmo a economia. Identificamos que o litoral do Espírito Santo foi a região mais atingida entre as cinco estudadas porque, além do calor, foi a única onde a frequência de ondas de frio também é cada vez maior”, explica Fábio Henrique Carretero Sanches, primeiro autor da pesquisa.
A biodiversidade é afetada por meio de alterações fisiológicas e de mudanças de comportamento de diversas espécies devido às ondas de calor e de frio, sem contar que eventos extremos de temperatura podem ocasionar mortalidade de animais terrestres e aquáticos.
Para o professor Ronaldo Christofoletti, pesquisador do Instituto do Mar da Unifesp e um dos autores,oestudo também traz uma relação com a saúde pública, já que vários tipos de doenças respiratórias estão associados à variação da temperatura.
“O aumento de ondas de calor e de frio tem vários impactos na sociedade, que vão desde o desconforto térmico até o crescimento de incêndios florestais, problemas de saúde e da mortalidade de animais, plantas e dos seres humanos, especialmente idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade”, explica o professor.
Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância apontam que cerca de 559 milhões de crianças em todo o mundo estão expostas a altas frequências de ondas de calor. Segundo a agência, se o aumento médio da temperatura global atingir 1,7 °C em relação à era pré-industrial, esse total subirá para 1,6 bilhão de crianças até 2050.
Além disso, a Organização Mundial da Saúde calculou que ao menos 15 mil pessoas morreram na Europa no ano passado devido a ondas de calor, com a Espanha e a Alemanha entre os países mais afetados.
“Estudos para as mudanças climáticas demandam dados históricos e contínuos de monitoramento. Para entender a situação atual dos eventos extremos e prever cenários futuros que auxiliem nos planos de resiliência costeira, é urgente que ampliemos as estações de monitoramento de dados meteorológicos na costa brasileira”, completa Sanches.