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Respirando microplásticos (36 notícias)

Publicado em 17 de julho de 2021

Uma classe importante dos chamados poluentes emergentes, os microplásticos, foi encontrada em pulmões humanos. Uma equipe de pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) identificou e caracterizou 33 partículas e 4 fibras de polímeros em 13 de 20 amostras de tecido pulmonar investigadas. Os resultados do trabalho foram publicados em 24 de maio em artigo no Journal of Hazardous Materials. As partículas mediam menos de 5,5 micrômetros (µm) e as fibras entre 8,12 e 16,8 µm. Um micrômetro equivale a 0,001 milímetro. “A maior parte dos polímeros que identificamos era de polipropileno e de polietileno, os tipos de plástico mais fabricados no mundo, usados em embalagens de alimentos e em vários outros objetos”, afirma a médica patologista Thais Mauad, da Faculdade de Medicina da USP, líder do laboratório que conduziu o estudo.

As amostras de tecido pulmonar vieram de autópsias feitas em pessoas de 48 a 94 anos, sendo 7 homens e 13 mulheres. Cerca de dois terços desses indivíduos nunca fumaram e um terço era composto de ex-tabagistas que tinham abandonado o cigarro havia pelo menos 15 anos. Em média, os autopsiados moraram 34 anos no mesmo endereço na cidade de São Paulo.

Vários estudos têm apontado a presença de microplásticos em ambientes aquáticos, terrestres e aéreos e em certos alimentos. Fibras e partículas de polímeros já foram, por exemplo, detectadas em peixes, sal de cozinha, água potável, leite, chá, cerveja, mel, açúcar e vegetais. Não é novidade que as pessoas respirem e eventualmente ingiram polímeros. Mas, segundo os pesquisadores, o trabalho é o primeiro a apontar que essas partículas e fibras podem ficar armazenadas nos pulmões.

Um dos principais obstáculos enfrentados pelo engenheiro ambiental Luís Fernando Amato-Lourenço, principal autor do trabalho, envolveu a questão metodológica. Como os microplásticos estão em todos os ambientes, inclusive no ar, a probabilidade de contaminação das amostras de tecido pulmonar era grande. Para evitar que isso ocorresse, ele seguiu um protocolo, usado em vários ramos da ciência, que enumera procedimentos capazes de minimizar o contato com polímeros. Desde a coleta dos tecidos pulmonares até sua análise por espectrometria feita no laboratório, não houve nenhum procedimento que usasse algum objeto fabricado com plástico. “Além de diminuir o risco de contaminação externa, tínhamos que processar e analisar os tecidos sem que houvesse danos físicos ou modificações nos microplásticos que poderiam estar em um pulmão”, explica Amato-Lourenço, que faz estágio de pós-doutorado sob supervisão de Mauad com bolsa da Fapesp. “Adaptamos um procedimento metodológico utilizado na determinação de microplásticos em mexilhões e deu certo”.

O fato de existir um protocolo mais bem estruturado para o estudo de microplásticos em mexilhões, um ser aquático, não é mera coincidência. Objetos feitos de plástico, como garrafas e sacolas, não se degradam facilmente, acumulam-se em certos lugares e geram danos à natureza. É deles que se originam os microplásticos. Normalmente, essas fibras e partículas de polímeros se desprendem durante o processo de fabricação dos plásticos na indústria ou quando as embalagens plásticas são expostas a fontes de calor. Atualmente, microplásticos estão presentes nas regiões polares, no oceano profundo e se espalham pelo ar, do qual caem sobre as cidades e florestas quando chove.

Um cartão de crédito por ano

O ecólogo marinho britânico Richard Thompson, da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, cunhou em 2004 o termo microplásticos para descrever partículas de polímeros de tamanho menor que 5 milímetros. Sua equipe de pesquisadores encontrou microplásticos nas areias de praias do Reino Unido em esforços pioneiros de investigação sobre os impactos do lixo marinho nos ecossistemas. Esses resquícios diminutos de polímeros são especialmente comuns em variados ambientes aquáticos porque garrafas e embalagens plásticas são descartadas de forma inadequada e se acumulam em rios e mares.

A lenta erosão do lixo plástico cria uma verdadeira trilha de sujeira. Em 2015, oceanógrafos da Europa e Estados Unidos estimaram existir entre 15 trilhões e 51 trilhões de partículas de microplástico flutuando na superfície dos mares de todo o mundo. Outra fonte dessas partículas e fibras são os pneus (que têm polímeros) em atrito com o asfalto nas cidades e estradas, e as fibras sintéticas usadas nas roupas. Isso significa que as pessoas podem inalar quantidades significativas de microplásticos cotidianamente. Segundo um estudo publicado em março deste ano na revista Environmental Science & Technology pela equipe do cientista ambiental holandês Albert Koelmans, da Universidade de Wageningen, nos Países Baixos, as pessoas podem ingerir por ano uma quantidade de plástico equivalente à de um cartão de crédito.

Além de causar danos físicos, a ingestão de microplásticos parece reduzir ou tornar mais lenta a capacidade reprodutiva de algumas espécies marinhas, que são alvo da maior parte dos estudos feitos sobre os impactos ambientais dos resquícios de polímeros. Os efeitos dos microplásticos na saúde humana ainda são pouco conhecidos. O grupo de São Paulo pretende determinar as características físico-químicas de microplásticos em amostras de ar de ambientes fechados e abertos da capital paulista e conduzir estudos toxicológicos em cultura celular de animais.

O objetivo é compreender melhor a grande complexidade que envolve o tema quanto à toxicidade dos diferentes tipos de polímeros. “No meio ambiente, os microplásticos podem funcionar como vetores e se ligar a outros poluentes, como metais pesados ou compostos orgânicos, ou mesmo a microrganismos como vírus ou bactérias”, comenta Amato-Lourenço. “Podem ser um tipo de ‘coquetel químico e biológico’ e ter efeitos múltiplos na saúde.” A patologista Mauad destaca que sua equipe já realiza um estudo sobre a possibilidade de os microplásticos transportarem o coronavírus em ambientes urbanos abertos.