Nos próximos anos, a solução de grandes desafios da humanidade, como doenças ainda sem tratamento e a escassez de energia, deverá passar pelas mãos de químicos. O pontapé para alguns desses avanços pode ter começado na Escola São Paulo de Ciência Avançada em Produtos Naturais, Química Medicinal e Síntese Orgânica, evento realizado ao longo de quatro dias em Campinas (SP) em agosto passado. Na ocasião, mais de 200 estudantes de graduação e pós-graduação de 20 diferentes países puderam aprender um pouco com 20 pesquisadores de renome, entre eles quatro ganhadores do prêmio Nobel. "Um dos eventos mais significativos do - Ano Internacional da Química", definiu Fernando Ferreira Costa, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sede do encontro.
A importância da química na área de saúde esteve em pauta na maior parte das discussões. Palestrantes como o britânico Tom Blundel, da Universidade de Aberdeen, e a brasileira Célia Regina da Silva Garcia, da Universidade de São Paulo (USP), mostraram como o estudo da estrutura biológica de células humanas e de micro-organismos pode levar ao desenvolvimento de medicamentos ou de novas formas de tratamento para doenças como a malária. O também britânico Simon Campbell, da Royai Society of Chemistry, contou como a criação do Viagra, um dos medicamentos contra impotência sexual mais usados em todo o mundo, ocorreu por acaso. Campbell era o líder do grupo § que, 13 anos atrás, iniciou as pesquisas que levaram à descoberta do medicamento. "Tentávamos desenvolver uma droga que dilatasse as artérias * do coração", explicou.A israelense Ada Yonath, que ganhou o Nobel de Química em 2009 por desvendar a estrutura do ribossomo (ver "Inspiração nos ursos", em Cif 281), mostrou como essa organela é capaz de sintetizar proteínas de forma rápida e ordenada. Suas pesquisas foram fundamentais para o entendimento, por exemplo, da ação de antibióticos em bactérias. Yonath, que já esteve no Brasil outras duas vezes, deu uma dica para os estudantes sobre como ganhar um Nobel: "E melhor não pensar nisso, apenas aproveite a ciência. Essa é a verdadeira diversão na vida." Ela costuma dizer que se orgulha mais do título de melhor avó do mundo, concedido por sua neta, do que do Nobel.
Ajudando a quebrar um pouco o clima formal das apresentações, o suíço Kurt Würrich, laureado com o Nobel de Química em 2002, mostrou como a carreira de um cientista pode se assemelhar à de um esportista. "E preciso buscar sempre se superar", disse, ao exibir uma foto em que aparece sobre um sarrafo em uma prova de salto em altura. O químico, que se formou inicialmente em educação física, foi premiado por desenvolver um método de determinar a estrutura de proteínas utilizando ressonância nuclear magnética.
MINI-LINDAU Conversas informais com os pesquisadores eram incentivadas pelos organizadores do encontro. Segundo a coordenadora geral da escola, Vanderlan Bolzani, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o formato do evento foi inspirado nos encontros de prêmios Nobel realizados anualmente na cidade de Lindau, na Alemanha, que, na última edição, realizada em junho, reuniu 23 laureados e quase 600 jovens pesquisadores (ver "No ringue com Muhammad Ali", nesta edição). "O tamanho é menor, mas o clima em Campinas é o mesmo: fazer com que os alunos não se inibam e entrem em contato com cientistas que se envolveram com descobertas importantes", disse Bolzani. "Química não é apenas descoberta, mas tem a ver também com criatividade", observou César Zucco, presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).
Na área de síntese orgânica, o público, bastante especializado, acompanhou a explicação sobre algumas das descobertas de processos químicos mais recentes. O norte-americano Richard Schröck, ganhador do Nobel em 2005, apresentou reações de metátese de um tipo de composto conhecido como olefina-metátese é o rearranjo de ligações entre átomos de carbono que permite a criação de outras moléculas. "E um dos processos mais promissores de toda a química orgânica; não existe nada parecido com isso", afirmou. O pesquisador, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, foi laureado justamente pelo desenvolvimento da metátese na síntese orgânica, que levou à produção de novos medicamentos e materiais em escala industrial de forma sustentável.
O japonês Ei-ichi Negishi, prêmio Nobel de Química de 2010, abordou a chamada química organozircônica, que trata de reações catalisadas pelo elemento zircônio. Especialista em reações que utilizam metais para a síntese de compostos orgânicos - ele foi laureado por descobrir a ação do paládio no acoplamento de átomos de carbonos -, Negishi pediu aos químicos da nova geração que invistam mais atenção a moléculas mais simples, como a da água. "Uma das substâncias mais importantes da química orgânica é o C02, mas ninguém sabe qual o melhor uso a se fazer dela", disse.
COOPERAÇÃO A Escola São Paulo de Ciência Avançada em Química foi organizada pela Unicamp, Unesp, USP e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com apoio da SBQ e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Paralelamente às palestras, realizadas no Centro de Convenções da Unicamp, uma sessão de 125 pôsteres exibia resultados de trabalhos dos alunos de graduação e pós-graduação. Além de auxiliar na formação dos estudantes participantes, o encontro
serviu para estimular a cooperação entre diferentes instituições em pesquisas da área. "Busquem seus contatos fora, voltem para o Brasil e ajudem--nos a fazer deste um mundo melhor para a ciência", pediu Glaucius Oliva, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), aos acadêmicos.
CÉLIO YANO