Centro de Porto Alegre vazio em 2020.
Quando eu era menor, o grande programa do final de semana com meus pais era caminhar pelo centro de Porto Alegre, almoçar em algum local diferente toda a vez que a gente ia era a grande “nóia” do meu pai. Percorrer milhares de lojinhas de artesanato era a da minha mãe. A minha era catar, de banca em banca, alguma revista com um jogo completo pra PC. Naquela época não existiam Steam e internet. Cartão de crédito era coisa de rico. E jogos em caixinhas, com manuais, eram coisas limitadas às datas festivas, tais como aniversários ou natais. Sobraram as bancas de revista onde os encartes traziam algum jogo antigo?—?o que era bom, afinal, iria rodar no meu computador?—?completo, ocupando um CD inteiro, e outro, de brinde, com diversos demos.
Assim, sem querer, eu acabei me tornando um rato de banca de revistas. Mesmo em Gravataí, quando eu estudei no centro da cidade, eu era assíduo na banca do Paulinho, perto da rodoviária. Sempre passava lá antes de pegar o ônibus de volta pra casa. Muitos recreios foram passados com fome para poder economizar o R$1 que eu levava pra comer. Duas semanas eram o suficiente pra comprar uma revista, dependendo até rolava algum gibi pra ler no ônibus voltando pra casa.
Perto de casa, na parada 63 (leia: meia-três; em Gravataí pouco se fala de bairros, você mora “na parada” e através disso que todo mundo sabe onde você mora e quão longe vocês estão), eu era amigo da dona da banca a ponto dela guardar os encartes de uma dessas coleções sem fim da Planeta D’Agostini. A minha foi de selos, o que é algo perfeitamente normal para um guri de 15 anos colecionar. Claro. Isso e o fetiche que eu sempre tive por jornais impressos e livros me levou, fatalmente, aos sebos (mas isso eu vou contar depois). Eu ia duas vezes por semana na banca da Ana ver o que tinha além do encarte de selos. Normalmente eu conseguir extrair algum livro usado da minha mãe, que eram vendidos por R$1 na época.
Mais tarde, quando eu já estava naquela fase da vida em que se estuda em dois turnos pra passar no vestibular, eu ia todos os dias pro Shopping do Vale, onde eu fazia pré-vestibular. Lá tinham duas bancas. Uma grande, enorme pros padrões da época mesmo. Tinha de tudo, revista importada (foi onde comprei uma revista em inglês pela primeira vez), revista velha, livros, bugigangas pra livros (marcadores, suportes, livros de mesa) e uma quantidade muito grande de gibis de super-heróis. O grande problema é que a dona era uma senhora muito mal humorada e muito babaca. O que contrastava com a irmã gêmea dela, uma senhora muito gente boa. Infelizmente essa super banca durou pouco tempo?—?acho que uns 3 anos?—?e logo ficou claro que o negócio não tinha futuro naquela cidade. Mesmo assim, por 3 anos eu tinha como programa de sábado frequentar o fliperama do shopping e depois gastar meu dinheiro suado na banca dessas senhoras. Chuleava, como se diz no sul, a semana toda alguma revista nova. Na época era editada por aqui a revista da web, uma tentativa brasileira de trazer o “whole earth catalog”, que trazia sites para se visitar na nossa incipiente web noventista (era 99 já, e junto com o Windows 2000 e o ME veio o bug do milênio, ou na gringa o famoso “Y2k”).
Anos mais tarde eu cheguei a trabalhar numa banca de revistas, comprada pelo meu pai. Trabalhei por lá por mais de um ano, até ser chamado na UFRGS, finalmente. Foram meses muito bons, de muito café, frio e Twix no meio de diversas revistas. Eu lia quase tudo, desde Pesquisa Fapesp até Bravo!. Lia os jornais todos os dias. Era um mundo que eu realmente me sentia à vontade. Pena que hoje em dia isso seja quase um negócio em extinção. As bancas que restaram viraram lojas de lembranças. Os sebos operam todos via internet, vendendo na Amazon.
Os passeios na Porto Alegre cinza dos anos 90, da amizade com a dona Ana da banca da meia-três, a super banca do Shopping e a minha própria banca em 2002 ficaram pra trás. Infelizmente.
Mas eu ainda sou o mesmo cara que andava no centro, lábio rachado pelo frio e escaneando as bancas de revista sem meu pai ver.
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