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A Tribuna Piracicabana

A que ponto chegamos! (8 notícias)

Publicado em 17 de fevereiro de 2022

Por José Renato Nalini

Por lecionar desde 1969, em inúmeras instituições de ensino, sempre soube que alguns alunos contratavam colegas mais estudiosos para a elaboração de seus trabalhos. Nunca apurei responsabilidades. Apenas elogiava em sala de aula o autor do trabalho. Além de aprimorar sua formação, ainda ganhava com isso.

Tinha consciência de que esse é um comércio próspero. A volúpia na exigência de TCC – Trabalho de Conclusão de Curso, a multiplicação dos cursos de pós-graduação em sentido lato e em sentido estrito criaram promissora bolha.

Bom saber que isso não ocorre só no Brasil. A reportagem “Boas Práticas” da revista Pesquisa-Fapesp de dezembro noticia que as “fábricas de ensaio” podem se tornar ilegais no Reino Unido. São sites da internet que, mediante paga, produzem trabalhos para estudantes incapazes ou negligentes. O subsecretário de Estado para Aprendizagem e Competências, órgão do Departamento de Educação do Reino Unido, Alex Burghart, considera antiéticas tais empresas. Elas depreciam o esforço realizado pela maioria dos alunos e ainda lucram com isso.

Não é fácil apurar a ocorrência. Com o desenvolvimento do mundo digital e das tecnologias da informação e comunicação, houve um apuro na organização dessas “usinas de produção universitária”. Elas garantem trabalhos bem escritos e imunes aos softwares antiplágio.

A Inglaterra tentou coibir esse expediente que prestigia a mentira. Atribuir a um aluno uma obra que ele apenas “comprou”. Realizou supervisão remota das provas online, contrataram sérvios de empresas especializadas em monitorar estudantes durante as provas, bloqueando seus navegadores da internet e vigiando-os pelas câmeras de seus notebooks.

Só que a ocasião gera oportunidades. O outro lado também se aparelhou. A Agência de Garantia de Qualidade para a Educação Superior – (parênteses: por que o Brasil não cria uma, já que os sistemas estatais falham, sofrem contingências, defecções e a política estatal para a formação universitária se move segundo um catavento?), órgão fiscalizador das Universidades do Reino Unido, contabilizou 932 fábricas de ensaio em operação neste ano, quando em 2018 eram 638.

A mídia espontânea também ajudou. O jornal Financial Times apurou que um trabalho de história de mil palavras, para a graduação, sai por cento e vinte e quatro libras, cerca de mil reais e fica pronto em uma semana. Já para uma dissertação de mestrado com quinze mil palavras, bem sintética diante da nossa praxe de exagerar no volume, cobra-se quatro mil libras, ou trinta mil reais. Só que a encomenda precisa ser feita com dois meses de antecedência.

Como o tiro pode também sair pela culatra, já houve casos de sites que chantagearam os alunos, ameaçando denunciá-los à Universidade e aos professores, em virtude de atraso de pagamento.

A fraude tem muito mais do que cinquenta tonalidades. Há serviços disponíveis que tangenciam a ética. Em que padrão se enquadram? Mentoria personalizada ou “cola” comprada? São os aplicativos que hoje proliferam, como os das empresas Chegg e Course Hero, da California. Elas vendem assinaturas mensais de dez a vinte dólares, que fornece aos estudantes acesso a soluções de milhões de questões de provas e de livros didáticos armazenados em seus bancos de dados, além de oferecer suportes para as tarefas solicitadas pelos professores, o antigo “dever de casa”. A vantagem é que o assinante pode pedir ajuda para resolver problemas a especialistas em todas as áreas do conhecimento.

A Chegg mobiliza uma rede de setenta mil profissionais freelancers sediados na Índia. Dividem-se em turnos, tornando o serviço online disponível ininterruptamente. Fornecem o resultado e a resolução de questões apresentadas pelos assinantes em menos de quinze minutos. Tempo mais do que suficiente para fraudar provas aplicadas remotamente.

Essa empresa conta com quase cinco milhões de assinantes e teve receitas de duzentos milhões de dólares no último trimestre. Para Karen Symms Gallagher, especialista em educação, “a trapaça agora é terceirizada internacionalmente, envolve empresas de bilhões de dólares e é impulsionada por capitalistas de risco e investidores de Wall Street.

Como tudo o que se faz no Primeiro Mundo, cedo ou tarde chega ao Brasil, aguardemos que essa expertise não nos surpreenda. Motivo para que o MEC reveja seus critérios de avaliação. Por que não focar mais a extensão, do que o exibicionismo de erudição, calcada em capacidade mnemônica, a forçar o menos dotado de memória a contratar quem faça para ele trabalhos que, em sua imensa maioria, de pouco servem para transformar a convivência em algo mais fecundo e fraterno?

Criatividade condiz muito mais com algo prático do que a elaboração de trabalhos doutrinários que costumam seguir a Lei de Lavoisier, adaptada ao Brasil: nada se cria, tudo se copia.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo