Notícia

A Granja

SOBRAS na produção do álcool

Publicado em 01 dezembro 2003

Uma nova tecnologia, que utiliza o bagaço e a palha da cana-de-açúcar, é capaz de dobrar a produção de álcool no Brasil. O processo, denominado Dedini Hidrólise Rápida (DHR), foi desenvolvido pela Dedini S/A Indústrias de Base, com sede em Piracicaba, interior paulista, e exigiu dez anos de pesquisas e investimentos superiores a R$ 15 milhões. O sistema, que deve revolucionar o setor sucroalcooleiro, pode proporcionar um aumento médio de 87% no rendimento industrial da produção de álcool. A novidade é a utilização das sobras como matéria-prima, pois em vez de produzir álcool a partir do caldo pelo sistema tradicional, a unidade processa a palha e o bagaço. A tecnologia possui patente mundial. Pelo processo tradicional, o álcool é obtido por meio da fermentação e destilação dos açúcares contidos no caldo da cana. Já o sistema DHR é um processo químico, chamado hidrólise ácida, que transforma o material celulósico do bagaço em açúcares. Estes são fermentados e destilados, transformando-se em álcool. O DHR também possibilita o uso da palha como matéria-prima para a produção de álcool, o que contribui para a eliminação das queimadas de cana antes da colheita. "Pelo impacto na produção e produtividade, entendemos que o DHR será um divisor de águas no agro-negócio", afirma José Luiz Olivério, vice-presidente de Operações da Dedini. "Ao atingir o seu pleno potencial e o uso da palha como matéria-prima, o processo permitirá quase duplicar a produção de álcool na mesma área da lavoura", garante. Segundo ele, atualmente pode-se produzir no País 6,4 mil litros de álcool por hectare de cana. A nova tecnologia eleva a produção para 12 mil litros, com os outros 5.600 litros do bagaço. O cálculo leva em conta que toda a cana está sendo voltada à produção de álcool. ETAPAS A produção pelo sistema Dedini Hidrólise Rápida é realizada em três etapas: hidrólise, fermentação e destilação. O primeiro procedimento, a hidrólise, consiste no processamento do bagaço, transformando a celulose em açúcar em um tempo máximo de 15 minutos. Em outros sistemas, o ciclo de conversão é extremamente lento, de 4 a 8 horas. Para esse novo sistema, houve a necessidade de encontrar uma maneira de quebrar a lignina (substância que se deposita nas paredes das células vegetais, lhe conferindo notável rigidez). Com o uso de um forte solvente obtido da própria lignina e o emprego de altas temperaturas, foi possível rápido acesso à celulose e à hemicelulose, processando-se então a hidrólise e a formação rápida de açúcares. Após esse estágio, parte-se para a fermentação (por meio da qual o uso de leveduras transforma os açúcares em álcool) e a subseqüente destilação (processo que separa o álcool dos demais componentes do vinho, principalmente da água). O DHR foi desenvolvido a partir da década de 80. Foi aprovado e financiado por agências governamentais brasileiras, com recursos provenientes do Banco Mundial. Nesse período, a empresa desenvolveu, instalou e fez operar uma planta-piloto completa e contínua para 100 litros de álcool por dia, comprovando que o processo era viável nesse nível. Em 1997, foi assinado um acordo de cooperação tecnológica entre a Dedini e a Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), para completar o desenvolvimento do sistema. Em fevereiro de 2002, foi aprovado um projeto conjunto entre a Dedini e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para instalar uma unidade semi-industrial de 5 mil litros de álcool por dia. Essa planta foi instalada na Usina São Luiz, em Pirassununga/SP, em novembro de 2002, utilizando as etapas de fermentação e destilação existentes na própria unidade industrial. Neste ano, em maio, entrou em operação, permitindo ao grupo a obtenção de parâmetros de engenharia para o dimensionamento de uma planta em escala industrial. No estágio atual, segundo José Luiz Olivério, a produtividade é de 109 litros de álcool hidratado por tonelada de bagaço in natura, com potencial para atingir 180 litros por tonelada. EXPORTAR TECNOLOGIA De acordo com o vice-presidente de Operações da Dedini, dados preliminares indicam que o custo do álcool DHR é hoje equivalente ao da produção do álcool pelo método convencional. "Mas quando o sistema estiver funcionando com toda a capacidade, o álcool do bagaço terá um custo 40% menor", comenta. Conforme Olivério, a expectativa é comercializar plantas completas no mercado interno, que é potencial fornecedor de álcool para todos os países que já anunciaram a adoção da mistura de etanol na gasolina, para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e melhorar a qualidade de vida nos grandes centros urbanos. A empresa também está de olho no mercado externo. A planta semi-industrial tem recebido diversas visitas de grupos internacionais que manifestaram interesse em conhecer e adquirir instalações com base na nova tecnologia. "O DHR terá impacto de grande dimensão para o setor, possibilitando duplicar a atual produção de álcool por hectare de cana colhida e trazendo competitividade internacional do álcool com a gasolina, a preços de petróleo inferiores a US$ 20/barril", conclui Olivério. SAFRA SUPERIOR Em sua mais recente estimativa de safra, a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única) prevê que a produção brasileira de cana-de-açúcar no período 2003/2004, com base em dados levantados até outubro, totalize 343,7 milhões de toneladas, volume 6,9% superior aos 321,6 milhões de toneladas verificados no período anterior. Serão produzidos 13,9 bilhões de litros de álcool - 9,6% a mais que os 12,6 bilhões da última safra. A produção de açúcar deverá registrar crescimento de 9%, passando de 22,5 milhões de toneladas para 23,9 milhões de toneladas. Além da área plantada maior, segundo dados da Única, contribuiu para o crescimento da produção o aumento de 7,6% do ATR - Açúcar Total Recuperado, para 49,8 milhões de toneladas, em comparação com 46,3 milhões de toneladas da safra anterior. O aumento da concentração de açúcar, segundo a entidade, foi acentuado na Região Centro-Sul pelo volume inferior de chuvas a partir de, Eduardo Pereira de Carvalho, o ano de 2003 foi emblemático, porque marcou a bem-sucedida autogestão no setor sucroalcooleiro nacional. Segundo ele, a movimentação para garantir o abastecimento do mercado interno, com a adoção de medidas como a antecipação da safra em um mês e o compromisso de dar prioridade à produção de álcool combustível, foi extrema, mas necessária para demonstrar a responsabilidade e o compromisso do setor com o consumidor e o governo. Também merece destaque, segundo Carvalho, a liberação dos recursos para financiar a "warrantagem" (estocagem) de álcool combustível para o período de entressafra, que pode assegurar um maior equilíbrio no mercado interno, coisa que não foi possível na safra passada, pois só chegaram quando não havia mais o que produzir. "Mais recentemente, vale ressaltar a aprovação, por parte da Assembléia Legislativa de São Paulo, da redução da alíquota do ICMS do álcool hidratado de 25% para 12%, uma antiga reivindicação que se faz fundamental para disciplinar o mercado de álcool no País." Houve também entraves. Eduardo de Carvalho cita como exemplo a manutenção da sobretaxa argentina ao açúcar brasileiro dentro do Mercosul, uma medida que prejudica em muito as negociações para a abertura de mercados no âmbito da Alça e da União Européia. '"O açúcar não pode servir como moeda de troca nas negociações exteriores", afirma. "Somos atualmente os maiores produtores mundiais, e só não aumentamos a nossa participação no mercado internacional por conta das barreiras comerciais." Outra peculiaridade de 2003 foi que depois de três safras consecutivas altamente remuneradoras para o açúcar, o álcool voltou a ficar mais atraente para os empresários do setor, por estar pagando mais. Segundo o presidente da Única, isso era esperado, pois o mercado de açúcar é altamente cerceado por barreiras tarifárias e não-tarifárias. Além disso, os maiores produtores, como índia e Tailândia, possuem grandes estoques, contribuindo para pressionar o preço internacional da commodity. "Em contrapartida, o álcool tem apresentado boas perspectivas, tanto no mercado interno como no externo", comenta. No mercado interno, as vendas de veículos a álcool têm apresentado uma crescente participação no mix total das vendas de veículos leves nos últimos três anos. Mais recentemente, conforme Carvalho, o lançamento dos veículos flex-fuel (que pode ser abastecido com álcool hidratado, gasolina ou gasolina com álcool) obteve grande aceitação dos consumidores, já respondendo por quase 50% das vendas de veículos movidos a álcool em 2003. "Outro aspecto que vale destacar é o acordo Brasil-Alemanha para a compra de créditos de carbono provenientes das vendas de 100 mil veículos a álcool no País, que se encontra em estágio avançado de negociação." Já no âmbito externo, por causa do Protocolo de Kyoto, há varias possibilidades de exportação, na medida em que o álcool combustível se torne uma commodity. EXPANSÃO DESCONTROLADA Os fornecedores de cana-de-açúcar, que vendem matéria-prima às usinas e destiladas, fazem um balanço um tanto diferente do setor em 2003. Segundo Antônio Celso Cavalcanti de Andrade, presidente da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), a entidade tem reivindicado insistentemente junto ao governo federal que seja implementada uma política agrícola para a cana, o açúcar e o álcool. "O que vemos hoje é uma expansão descontrolada da lavoura em todos os Estados produtores de cana do País, sem perspectivas garantidas de comercialização, com a conseqüente queda de preço no mercado interno, abaixo até do custo de produção", afirma. "A mesma coisa vem acontecendo no mercado externo, mesmo porque todo mundo sabe que a lei da oferta e da procura nunca foi e nem será anulada." Conforme Andrade, a tão propalada exportação de álcool por enquanto é não mais que uma perspectiva, uma manifestação de interesse. "Não existe nada confirmado ainda, a não ser a intenção de o Japão importar álcool, com previsão disso vir a ocorrer nos próximos quatro ou cinco anos", declara. "É tudo muito bom e muito promissor, mas que não resolve uma crise que já está instalada hoje, agora." O presidente da Feplana diz que já anteviu para este ano e para o próximo um ciclo preocupante de preços baixos, trazendo dificuldade de sobrevivência aos plantadores de cana, que se submetem a um regime de imposição de preços estabelecidos unilateralmente pelas usinas. Para Renato Augusto Pontes Cunha, presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar), se de fato hoje os preços da matéria-prima não remuneram adequadamente quem as fornece, isto ocorre em conseqüência dos níveis de preços dos produtos obtidos pelos industriais, que se encontram em patamares preocupantes. "E não devido a algo relevante na metodologia que possa trazer prejuízo a uma das partes." A participação da cana-de-açúcar no valor da produção agrícola de São Paulo em 2003 representou 26,4% do total movimentado no Estado, de R$ 24,5 bilhões. Levantamento do Instituto de Economia Agrícola (IEA) mostra que a cana se mantém como principal produto agrícola do Estado. Manoel Carlos de Azevedo Ortolan, presidente da Organização dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Orplana), diz que a redução da alíquota do ICMS de 25% para 12% para o álcool hidratado vinha sendo reivindicada pelo setor há muito tempo, tendo em vista as distorções e dificuldades que acabava gerando. Segundo ele, o mesmo produto tinha alíquota diferenciada entre Estados, variando entre 12%, 7% e 25% em São Paulo. "Havia um convite explicito à sonegação. O Estado de São Paulo e os municípios perdiam muito com isso." PROTOTOLO DE KYOTO E EXPORTAÇÕES SUBSIDIADAS ESTÃO NA MIRA DO SETOR Há vários cenários possíveis para o setor sucroalcooleiro em 2004. Segundo o presidente da Única, Eduardo Pereira de Carvalho, as perspectivas podem variar muito de acordo com algumas questões que podem afetar diretamente os mercados de açúcar e álcool no Brasil e no mundo. "Podemos vislumbrar a possibilidade de a Rússia ratificar o Protocolo de Kyoto, o que criaria uma enorme demanda por biocombustíveis, entre eles o álcool." Outro aspecto interessante, conforme Carvalho, poderia ser uma decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC), condenando as exportações subsidiadas de açúcar na União Européia, o que abriria ótimas oportunidades de negócios para o Brasil. "Esses são dois exemplos palpáveis que influenciariam as perspectivas do setor." Para Carlos Eduardo Zamataro (foto), gerente de Projetos de Marketing da Milenia Agro Ciências, com sede em Londrina/PR, o setor canavieiro vive hoje um momento muito especial. "Alguns acordos internacionais e a decisão de o governo japonês em adicionar álcool em até 3% na gasolina são prova disso", diz. Para ele, há novas fronteiras sendo abertas, o que mostra que a cultura canavieira deve estar num ritmo crescente nos próximos quatro anos. "No oeste de São Paulo, temos indícios de que devem ser abertas mais de dez usinas, na região de Araçatuba; isso mostra que a cultura vem se expandindo rapidamente." "A safra de 2004 será, sem dúvida nenhuma, uma safra maior que a atual", comenta Manoel Ortolan, da Orplana. Segundo ele, a expansão dos canaviais, fruto das novas unidades produtoras, deverá acrescer no mínimo 20 milhões de toneladas de cana à safra 2003. No momento, não há mercado para absorver essa produção. "Governo e iniciativa privada estão trabalhando com afinco na busca de novos mercados para o açúcar e principalmente para o álcool carburante", comenta. "Para a safra 2004, teremos a oferta e não teremos a demanda necessária, o que sinaliza preços mais baixos que os atuais", prossegue. Para Ortolan, é importante que o setor se una na busca de soluções para atravessar a safra vindoura de maneira mais confortável. "Cuidar bem da lavoura e rever os custos de produção são medidas aconselháveis."