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A Granja

No centro da polêmica (1 notícias)

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Por Denise Saueressig

Dono de um currículo respeitado no meio científico, o médico Walter Colli recebeu, no ano passado, a missão de presidir a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Aos 67 anos, o doutor em Bioquímica e professor da Universidade de São Paulo (USP) está no comando do órgão que analisa e delibera sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs). Colli também é presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e coordenador adjunto da Diretoria Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp). Já foi diretor do Instituto Butantan e publicou mais de 100 trabalhos na literatura especializada. No centro dos processos polêmicos que envolvem a liberação dos transgênicos, o especialista afirma que a propaganda contra os OGMs no Brasil apelou para a emoção. "A percepção pública mudará com o tempo, dependendo das decisões políticas que serão tomadas no futuro", avalia.

A Granja — Dentro do funcionamento prático da CTNBio, quais são os trâmites para um produto geneticamente modificado ter o seu uso aprovado? Quais são os passos do processo e que avaliações são necessárias?
Walter Colli — Todos que querem desenvolver ou comercializar organismos geneticamente modificados devem remeter à CTNBio o projeto e demais informações que possibilitem uma análise por parte dos membros desse colegiado. O processo entra pela Secretaria e os conselheiros designam um de seus pares para ler e redigir um parecer verificando se o proponente é competente, tem condições laboratoriais de manipulação e licença para desenvolver essas atividades, tudo em conformidade com a Lei de Biossegurança e normas infra-legais. No caso das liberações comerciais investiga-se a segurança alimentar e a inocuidade para o meio ambiente. Nesse último caso, recorre-se a consultores de fora da CTNBio, especialistas no assunto. Todos os pleitos são aprovados por maioria absoluta (14 votos), exceto as liberações comerciais que exigem maioria qualificada de 2/3 dos membros (18 votos). A Câmara dos Deputados baixou esse quorum para 14 votos, mas a matéria está parada no Senado.

A Granja — Atualmente, quantos processos aguardam por definições da CTNBio? Qual ou quais são os processos mais adiantados?
Colli — Quando iniciamos em março de 2006 havia aproximadamente 600 processos. Todos já foram analisados. Mas outros vão entrando e provêm de diferentes universidades, institutos de pesquisa, empresas públicas e privadas. São muitos e diversificados. A maioria dos pedidos é para pesquisa básica, uma menor parte é para pesquisa de interação com o meio ambiente em contenção e uma parte bem menor é pedido de liberação comercial. Os processos são analisados pela ordem de entrada.

A Granja — Quais são as suas expectativas para os próximos meses em relação à liberação de produtos agrícolas geneticamente modificados? O que está previsto na agenda da CTNBio para os próximos meses?
Colli — Dos processos mais antigos, os de liberação comercial não puderam ser aprovados. Há um processo de liberação comercial, ainda em discussão, que entrou em 1998 e não conseguiu ser aprovado até a antiga CTNBio ser extinta. Ele continua a ser discutido, mas não foi possível colocá-lo em votação. A agenda é simples: continuar a discutir e colocar em votação os processos submetidos à CTNBio.

A Granja — A CTNBio planeja mudanças na sua forma de trabalhar em 2007? Serão realizadas audiências públicas?
Colli — No fim do ano, por proposta do presidente da CTNBio, a Comissão aprovou a realização de audiências públicas para as liberações comerciais. A única exceção foi o pedido de 1998 porque ele já tinha 17 pareceres favoráveis, contando cinco que já haviam sido emitidos antes de 24/03/2005, quando a antiga CTNBio foi extinta. No entanto, quando a Comissão estava pronta para votar esse processo, um juiz federal do Paraná concedeu liminar proibindo a discussão e a deliberação, exigindo a necessidade de audiência pública. Como isso já estava planejado, iremos para a audiência, já marcada para 20 de março em auditório do Congresso Nacional, quando discutiremos, um a um, embora sejam todos iguais, os milhos tolerantes a herbicida e os resistentes a insetos da ordem Lepidóptera.

A Granja — A partir de agora, qual a sua estimativa para o plantio legal de milho geneticamente modificado no Brasil? Os produtores podem esperar o início desse cultivo para as próximas safras?
Colli — A CTNBio foi constituída em decorrência da aprovação da Lei de Biossegurança. Dela participam cientistas de todo o País escolhidos, em virtude de seu currículo, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Quando se sentir pronta para votar, ela votará, se deixarem. Por isso, é impossível prever quando os pedidos serão aprovados, já que a dinâmica da CTNBio não depende somente dela.

A Granja — Da mesma forma, o que os produtores brasileiros podem esperar em relação ao algodão e à cana-de-açúcar? Muitos temem que possa acontecer com o algodão o mesmo que houve há alguns anos com a soja transgênica plantada ilegalmente.
Colli — A CTNBio anterior aprovou, em 22 de março de 2004, a liberação do algodão Bollgard. Por outro lado, desconheço a existência de plantações ilegais.

A Granja — A formação e o trabalho da CTNBio já receberam muitas críticas de alguns setores do agronegócio nacional. Representantes dos produtores chegam a dizer que o funcionamento da Comissão "emperra" o processo de desenvolvimento dos OGMs no Brasil. Qual é a sua avaliação sobre esses argumentos?
Colli — Se existem produtores decepcionados com a CTNBio eles devem pressionar seus representantes no Congresso para extingui-la. No entanto, o Brasil assinou a Convenção da Biodiversidade e o Protocolo de Cartagena. Isso quer dizer que o País deve assegurar-se da inocuidade das novas tecnologias, o que pressupõe a existência de alguma instância que analise os pedidos de plantação e comercialização de vegetais geneticamente modificados. Sem a CTNBio, possivelmente os pedidos seriam analisados pelo Ibama no Ministério do Meio Ambiente. Esses produtores podem escolher qual o órgão que preferem.

A Granja — Por outro lado, a sua indicação como presidente da CTNBio foi criticada por organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas. Porque o senhor acha que houve essa resistência?
Colli — A Comissão tem 27 membros. Desses, qualquer um de 20 que fosse o escolhido sofreria a mesma crítica. As críticas são produto de uma distorção, preponderante na cultura de certos setores, que opta pelo vilipêndio às pessoas em vez de discutir as idéias e as evidências. Portanto, não foi nada pessoal.

A Granja — Na sua opinião, até que ponto organizações ambientalistas interferem na não-liberação de produtos transgênicos no Brasil? Os cientistas já se sentem, de certa forma, "reféns" dessas organizações?
Colli — A disjuntiva que coloca cientistas frente a ambientalistas é equivocada. Os cientistas que se dedicam ao ambiente, aos ecossistemas, aos nichos, aos ecótopos são muito respeitados e ouvidos. Os demais cientistas, cidadãos, também são contra as queimadas, a poluição atmosférica com gases do efeito estufa e a poluição dos cursos d'água, dentre outros. No entanto, avalio que o aparecimento de organizações do terceiro setor levou as preocupações com o meio ambiente para o exagero, num movimento pendular típico dos processos reativos. Eu não acho que as sementes transgênicas, pelo menos as que estamos analisando caso a caso, são deletérias à saúde humana e animal ou ao meio ambiente e a prova disso são as observações científicas bem feitas que não encontram evidências que fundamentem o hipotético malefício que elas possam trazer. Os cientistas não têm interesse direto na liberação comercial de sementes transgênicas porque isso já não lhes diz respeito. Se é que há reféns dos ambientalistas, estes são os produtores, os fazendeiros e as empresas da área, aliás, para minha surpresa, muito quietos.

A Granja — O que é possível fazer para corrigir a percepção pública sobre os transgênicos no Brasil? O senhor acredita que ainda falta um esclarecimento técnico sobre o assunto?
Colli — Não tenho ilusões. Por razões desconhecidas houve, no Brasil, uma barragem de propaganda contra os transgênicos que apelou para a emoção, uma vez que se espalhou irresponsavelmente que esses organismos geram monstrinhos, envenenam as pessoas e causam alergia. O argumento racional de que essas coisas não estão acontecendo nos Estados Unidos, Argentina, Canadá, China e Índia, que produzem cereais ou algodão transgênicos e estão a morrer de rir de nós, não convence ninguém. Portanto, seria inútil qualquer esclarecimento técnico, uma vez que a deseducação não permitiria total compreensão do problema. A percepção pública mudará com o tempo, a depender das decisões políticas a serem tomadas no futuro próximo. O discurso dos cientistas é muito racional para desmistificar as mentiras que foram instiladas através da emoção. A minha sugestão é que o presidente de alguma das empresas interessadas coma, na frente das câmaras de TV na Praça dos Três Poderes, uma torta inteira de milho transgênico e torça para não ficar esverdeado ou com orelhas muito compridas.

A Granja — Segundo relatório do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (Isaaa), o plantio de transgênicos cresceu 22% no Brasil em 2006. Na sua opinião, qual é o potencial do País para os próximos anos em relação ao cultivo dessas variedades?
Colli — O Brasil, dos grandes produtores de grãos, foi o único que assinou o Protocolo de Cartagena e está sujeito à aplicação do confuso Princípio da Precaução. Se lhe fosse permitido plantar organismos geneticamente modificados, devidamente certificados e aprovados pela CTNBio, com monitoramento contínuo dos órgãos de fiscalização, este País dominaria o comércio mundial de grãos. Isso sem falar do algodão e da cana-de-açúcar, esta última fundamental em termos energéticos. Já temos, em fase experimental, liberados em contenção, clones de cana-de-açúcar que dão quase o dobro do álcool gerado por uma planta normal. Seríamos o maior fornecedor de energia mais limpa para o mundo, além das conseqüências estratégicas, pois desbancaríamos os combustíveis fósseis. O potencial do País nessa área é incomensurável considerando que os atuais transgênicos já exigem menos energia para sua produção, são vantajosos economicamente e diminuíram drasticamente a necessidade do uso de herbicidas e pesticidas, em favor da saúde do trabalhador. Esse potencial, no entanto, somente se atualizará se o País resolver a atual esquizofrenia a que está submetido na área dos vegetais transgênicos.