A gestora ambiental Luiza Fernandes Tamas recomenda cinco leituras que ajudam a explicar os processos de renovação e melhoramento verde em áreas urbanas e suas possíveis implicações para a justiça ambiental e climática e, para as desigualdades nas cidades
Em um artigo de 2008 1, William Budd et al, usam o termo “gentrificação verde” talvez pela primeira vez. No entanto, é mesmo a partir de 2009, que os estudos sobre gentrificação verde 2 ganharam espaço com o trabalho dos sociólogos ambientais Kenneth A. Gould e Tammy L. Lewis, do Brooklyn College-Cuny, nos Estados Unidos. A partir de 2013, com os estudos de Isabelle Anguelovski, Coordenadora do Barcelona Lab for Urban Environmental Justice and Sustainability, no ICTA da UAB (Universidad Autonoma de Barcelona) o tema se solidificou na Europa e em outros países.
O ano de 2016 foi importante devido à publicação de “Green Gentrification: Urban Sustainability and the Fight for Environment Justice” de Gould e Lewis (Routledge, 2016), que rapidamente se tornou o trabalho mais citado sobre gentrificação verde no mundo (atualmente tem mais de 540 menções). Gould e Lewis (2016) apresentaram três questões centrais em seus estudos que estão relacionadas à raça, classe e moradia, estruturantes de sua abordagem dos processos de gentrificação verde: (1) a sustentabilidade embranquece uma área? (2) o esverdeamento enriquece uma área? (3) o esverdeamento aumenta os preços dos aluguéis e das moradias? Estes estudos abriram caminhos para muitos outros pesquisadores testarem os limites, a aplicabilidade e os desafios do uso da noção de gentrificação verde em diferentes realidades, como, por exemplo, no Sul Global.
A gentrificação, como um processo de mudança socioespacial, em que o perfil socioeconômico dos residentes do lugar, bem como as formas de uso e os tipos de estabelecimentos predominantes são alterados e substituídos por outros, mais elitizados, pode ser desencadeada por uma série de fatores, como projetos de revitalização, implantação de estações de transporte público, intensificação do turismo, entre outros. O adjetivo “verde” vem, então, para indicar mais uma possível causa desse fenômeno: a melhoria da qualidade ambiental em uma área, que aumenta sua atratividade para classes mais abastadas e a torna alvo de especulação imobiliária, encarecendo o custo de vida na região e levando à expulsão de antigos moradores e comerciantes – fazendo com que apenas parte dos citadinos possam, de fato, usufruir da melhora na qualidade ambiental.
A gentrificação verde pode ser definida como um processo desencadeado pela criação de uma amenidade verde ou renovação verde de uma área urbana, que resulta em mudanças no padrão de moradores e branqueamento do território devido a remoções e aumento dos preços da terra. Se o processo de gentrificação é comumente definido como um processo de deslocamento forçado de bairro por meio do qual as características demográficas, imobiliárias e comerciais de um lugar revelam uma transição para uma população mais rica e mais branca, capaz de pagar por propriedades mais caras, novas ou reformadas, ao mesmo tempo em que fomentam novas práticas culturais e de consumo. A gentrificação verde, por sua vez, é definida como um processo que é facilitado em grande parte pela criação ou restauração de uma amenidade ambiental – ou a concentração de privilégios ambientais.
A agenda de pesquisa sobre o tema tem ganhado força, presente, inclusive, no último relatório do IPCC, AR6, em seu WGII, no capítulo 6 “Cities, Settlements and Key Infrastructure” que expõe o tema da gentrificação verde, alertando para riscos de projetos de adaptação – ou de má adaptação, reforçarem privilégios e desigualdades ambientais. As leituras a seguir recomendadas trazem importantes contribuições para a evolução do campo de estudo sobre a gentrificação verde, ainda pouco explorado no contexto brasileiro, mas que vem crescendo nos últimos anos e deve receber cada vez mais atenção com o avanço das discussões sobre justiça ambiental e climática – bem como na perpetuação das desigualdades nas cidades.
Green Gentrification: Urban Sustainability and the Struggle for Environmental Justice
Kenneth Alan Gould e Tammy L. Lewis (Routledge, 2016)
Neste livro, importante marco para o estudo da gentrificação verde, os autores, também através de casos exemplares do Brooklyn, Nova York, tratam da dimensão social do esverdeamento das cidades, indicando que este gera o “embranquecimento” e enriquecimento, atraindo populações brancas e abastadas enquanto afasta a classe trabalhadora. Um dos exemplos é o High Line Park, um parque construído sobre uma antiga linha de trem e que trouxe consigo diversas transformações socioespaciais. Outra questão abordada é a de que tais efeitos perversos decorrentes de melhorias ambientais não são inevitáveis e podem ser, sim, evitados por políticas públicas que objetivem o alcance de uma “sustentabilidade justa”.
From Toxic Sites to Parks as (Green) LULUs? New Challenges of Inequity, Privilege, Gentrification, and Exclusion for Urban Environmental Justice
Isabelle Anguelovski (Journal of Planning Literature, 2015)
Neste artigo, a autora traz uma abordagem questionadora sobre planos municipais de sustentabilidade em bairros marginalizados, colocados em prática por meio de projetos de limpeza e criação de amenidades (como parques), apontando para os efeitos negativos e injustos que esse tipo de política pode ter, gerando valorização da área e gentrificação, em uma lógica paradoxal na qual as populações socialmente excluídas permanecem sem acesso a benefícios ambientais, por não conseguirem permanecer em seus bairros após as melhorias, que se tornam localmente indesejadas (locally unwanted land uses, ou LULUs). Anguelovski ainda se volta para a evolução da agenda do movimento urbano por justiça ambiental e para a forma como pesquisadores da área têm tratado esse assunto.
Assessing Green Gentrification in Historically Disenfranchised Neighborhoods: a Longitudinal and Spatial Analysis of Barcelona Anguelovski (Índice de Gentrificação)
Isabelle Anguelovski, James John Timothy Connolly, Laia Masip e Hamil Pearsall (Urban Geography, 2018)
Os autores, neste trabalho, tratando a gentrificação verde na cidade de Barcelona, analisaram 18 parques e seu entorno a fim de identificar a ocorrência e intensidade desse fenômeno em cada caso. O artigo oferece um importante aporte metodológico ao campo de estudo sobre a gentrificação verde, ao criar um índice de gentrificação, capaz de indicar o nível de transformação socioespacial ocorrida após criação das amenidades verdes estudadas, selecionando indicadores objetivos e fundamentados e testando sua relação com a proximidade em relação ao parque, bem como entendendo quais áreas foram mais e menos afetadas pelo fenômeno.
Hidden Drivers of Social Injustice: Uncovering Unequal Cultural Ecosystem Services Behind Green Gentrification
Ana Terra Amorim Maia, Fulvia Calcagni, James John Timothy Connolly, Isabelle Anguelovski e Johannes Langemeyer (Environmental Science and Policy, 2020)
Assumindo uma relação direta com o artigo anterior, aqui a autora investiga os mesmos 18 parques na cidade de Barcelona, mas desta vez sob o viés dos serviços ecossistêmicos culturais, buscando identificar o que as pessoas valorizam nos parques, tanto os associados à gentrificação quando aqueles não associados, através de análise e tratamentos estatísticos de 703 fotos publicadas em uma rede social. A partir daí, Maia aponta atividades predominantemente ligadas a cada tipo de parque, trazendo outros fatores, socioculturais, que podem estar relacionados à gentrificação verde.
Green Gentrification and contemporary capitalist production of space: notes from Brazil
Pedro Henrique Campello Torres, Daniele Tubino Pante Souza, Vanessa Lucena Empinotti e Pedro Roberto Jacobi (Cahiers Amériques Latines, 2021)
Este artigo, diferentemente dos anteriores, debruça-se sobre o cenário nacional, explorando a relação entre a produção do espaço e natureza. Os autores, através de uma abordagem crítica do campo da Ecologia Política e da Justiça Ambiental, analisam como a noção de gentrificação verde, cunhada e desenvolvida em contextos do Norte Global, se concretiza, toma forma e ganha especificidades no Sul Global, apresentando possibilidades e limitações para esse novo recorte. São apresentados ainda, como maneira de exemplificar e fundamentar os argumentos, demonstrando novas nuances que o conceito pode adquirir, três casos brasileiros investigados: o Parque Madureira (Rio de Janeiro), o Parque Germania (Porto Alegre) e o Condomínio Laranjeiras (Paraty).
Luiza Fernandes Tamas é gestora ambiental pela Each-USP. Mestranda em ciência ambiental pelo Procam (Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental), da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisadora no MacroAmb Fapesp, onde fez iniciação científica (IC/Fapesp) sobre gentrificação verde, bolsa 2021/02561-6 e iniciação científica no exterior Bolsa Bepe/Fapesp 2021/11490-5, na UAB (Universidad Autonoma de Barcelona). Colaborou com essa seleção Pedro Henrique Campello Torres, cientista social e planejador urbano. Pesquisador pós-Doutorando do ProETUSP, IEA (Instituto de Estudos Avançados) - Universidade de São Paulo e professor colaborador no Procam (Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais) na mesma universidade. Pesquisador associado no MacroAmb Fapesp (2015/03804-9 e 2018/06685-9).