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Workshop reúne pesquisadores para diagnosticar problemas de bioenergia (1 notícias)

Publicado em 15 de agosto de 2009

Para pesquisadores, é preciso criar índices globais de tecnologia de biocombustíveis. Impactos da cultura de cana-de-açúcar devem ser avaliados, constatou especialista

O próximo passo em direção à produção sustentável de energias alternativas deverá ser a criação de índices globais que possibilitem a comparação das tecnologias de produção de bioenergia atualmente disponíveis ou em desenvolvimento em diferentes países.

Essa foi uma das conclusões do workshop Tecnologias em Biocombustíveis e suas Implicações no Uso da Água e da Terra, encerrado nesta quinta-feira (13/08) na sede da Fapesp, em São Paulo. Entre os dias 10 e 12 de agosto, o evento ocorreu em Atibaia (SP).

Promovido pelo Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Biotecnologia para o Bioetanol, o workshop reuniu cientistas do Brasil, Estados Unidos e Argentina com o objetivo de diagnosticar problemas na produção de bioenergia e orientar investimentos de agências de fomento à ciência e tecnologia na busca de soluções em áreas-chave.

De acordo com o coordenador do comitê brasileiro no workshop, Marcos Buckeridge, professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), um dos principais consensos entre os pesquisadores dos três países foi a necessidade de criar um sistema integrado de avaliação dos impactos dos biocombustíveis.

"O debate foi intenso e muito produtivo. Um dos pontos mais importantes foi a sugestão de equalizar os índices disponíveis em cada um dos países, possibilitando a avaliação e a comparação dos impactos das tecnologias em desenvolvimento sobre o ciclo da água e sobre o uso da terra", disse.

Segundo Buckeridge, os participantes concluíram que os índices globais devem incluir dados sobre balanço energético, escassez e uso da água, fatores econômicos, saúde do solo, questões sociais e impactos na biodiversidade.

"Essas informações globais serão importantes para que os países possam negociar acordos sobre o clima e tratados comerciais. De outro lado, também foram identificadas muitas questões locais que serão relevantes para direcionar políticas públicas. Por exemplo, a disponibilidade de terra, que é muito maior no Brasil, mas se torna um problema sério para a expansão da bioenergia na Argentina e nos Estados Unidos", destacou.

A interação entre os pesquisadores dos três países, segundo Buckeridge, atingiu um nível sem precedentes durante o workshop. "São os três países com mais interesse em biocombustíveis nas Américas. A vantagem dessa interação é a possibilidade de alinhar as pesquisas no momento em que vamos partir para a segunda geração do etanol", disse o pesquisador, que é um dos responsáveis pela seção de Biomassa do BIOEN e um dos integrantes da coordenação da área de biologia da Fapesp.

O desenvolvimento da tecnologia de etanol de segunda geração, produzido a partir da celulose presente nos resíduos da cana-de-açúcar, deverá ter grande impacto sobre o uso da água e da terra. "Com uma tecnologia de alta eficiência à disposição, poderemos utilizar muito menos água e terra", afirmou.

Agências financiadoras

O evento também gerou uma interação que transcende a esfera estritamente científica. "O encontro possibilitou um grande avanço do lado político, pois tivemos a presença de representantes das principais agências de fomento a pesquisa nos três países, que detalharam profundamente as linhas de financiamento disponíveis e discutiram possibilidades de integração de programas e iniciativas. Isso poderá nortear o futuro da cooperação internacional nessa área", disse Buckeridge.

Participaram do workshop representantes da Fapesp, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, e do Ministério da Ciência e Tecnologia da Argentina.

Outra conclusão das discussões realizadas em Atibaia foi a necessidade de integrar aos estudos mais pesquisadores das áreas de ciências sociais. "A questão dos biocombustíveis é transdisciplinar por definição. Ela se caracteriza por uma demanda da sociedade e precisa dar respostas que considerem todos os aspectos. É preciso que os cientistas sociais sejam incluídos nesse processo desde o início. Só assim o conhecimento deles poderá contribuir para nortear as estratégias de cooperação", apontou Buckeridge. Integração rápida

Segundo o coordenador do comitê norte-americano do workshop, Robert Anex, da Universidade Estadual de Iowa, o evento já começou a render frutos: parte dos pesquisadores envolvidos apresentou possibilidades de trabalhos conjuntos a serem conduzidos a partir da próxima semana.

"Muitos dos participantes começaram a trocar dados e modelos sobre impactos ambientais da agricultura ligada aos biocombustíveis. A interdisciplinaridade, que é uma das nossas maiores preocupações, fez parte do evento, que teve participação de pessoas de diversas áreas - de especialistas em tecnologias de produção e de conversão, de sociólogos, economistas e biólogos, por exemplo", disse.

Para Anex, os avanços na área de bioenergia são inviáveis sem cooperação internacional. "Os problemas que tratamos no workshop são extremamente internacionais e, em especial, pan-americanos. A exportação mundial de soja - que é uma matriz para biodiesel - é completamente dominada por esses três países, enquanto a produção de etanol está praticamente toda no Brasil e nos Estados Unidos".

"Embora um país produza o etanol a partir da cana-de-açúcar e o outro a partir do milho, as tecnologias básicas envolvidas são as mesmas. As questões relacionadas às tecnologias de segunda e terceira geração são ainda mais universais. Por isso temos muito conhecimento a ser compartilhado", disse.

Equação ambiental

Diminuir as emissões dos gases de efeito estufa (GEE) que causam o aquecimento global é uma das principais razões para o atual esforço internacional que visa à substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia limpa, como o etanol da cana-de-açúcar. Mas os fertilizantes necessários para a produção do biocombustível podem ter um papel na própria emissão de GEE.

Esse papel do uso de fertilizantes nas emissões precisará ser cuidadosamente estudado para que seja possível compreender o balanço ambiental da cultura canavieira, de acordo com Heitor Cantarella, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), em Campinas (SP), e especialista em fertilidade do solo e adubação.

Cantarella participou, nesta terça-feira (11/08), do workshop Tecnologias em Biocombustíveis e suas Implicações no Uso da Água e da Terra. Segundo Cantarella, que é um dos coordenadores do BIOEN, o nitrogênio contido nos fertilizantes utilizados na lavoura de cana-de-açúcar tem papel significativo em relação aos GEE.

"Quando usamos a cana-de-açúcar para produzir biocombustível temos que avaliar o impacto dessa cultura no balanço de GEE. O nitrogênio entra nessa equação porque ao penetrar no solo, por meio de reações microbiológicas, ele provoca a liberação de pequenas quantidades de óxido nitroso, um importante GEE", disse Cantarella.

A intensidade do efeito estufa provocado por cada molécula de óxido nitroso é quase 300 vezes maior do que aquele causado por uma molécula de dióxido de carbono, segundo Cantarella. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que cerca de 1% do fertilizante nitrogenado utilizado em plantações acaba sendo enviado à atmosfera na forma de óxido nitroso.

"Mas é importante observar que os números do IPCC são gerais. Existem poucas avaliações sobre a produção do óxido nitroso aplicado à cultura de cana-de-açúcar. É preciso medir, nas condições de produção da cana, qual é a real contribuição da adubação nitrogenada", disse.

De acordo com ele, no caso da cana-de-açúcar, o fato de a adubação nitrogenada ser feita em época relativamente seca cria condições teoricamente pouco favoráveis para a produção de óxido nitroso no solo. Mas a falta de estudos impede uma avaliação precisa. "Esse número precisa ser avaliado na prática", afirmou.

A cultura canavieira continua se expandindo em São Paulo e essa tendência deverá prosseguir. "Apesar da expansão, do ponto de vista ambiental o problema da emissão de óxido nitroso não é tão grande. Por outro lado, ele adquire uma importância crucial quando fazemos um balanço ambiental de uma cultura que tem a mitigação das emissões de GEE entre seus objetivos", disse.

O uso de fertilizantes na cultura de cana-de-açúcar, de acordo com o também presidente do Conselho Curador da Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola, é, em geral, bastante eficiente. Com a mesma quantidade de adubo utilizada em outras culturas, a cana tem uma produção muito maior de biomassa.

"Ainda assim, a cultura de cana-de-açúcar, por sua extensão, responde por uma parcela de 13% a 17% de todo o fertilizante utilizado na agricultura brasileira", afirmou.

Novos desafios

O principal obstáculo à eficiência das práticas de adubação na cultura canavieira no estado diz respeito a mudanças tecnológicas recentes. "Com o aumento das áreas com colheita mecanizada, temos uma grande quantidade de palha na superfície do solo. Isso dificulta a incorporação de fertilizantes, que muitas vezes são deixados expostos. E um dos principais fertilizantes nitrogenados usados nessa cultura, a ureia, está sujeito a grandes perdas por volatilização", explicou Cantarella.

Uma das soluções possíveis para o problema, segundo ele, seria o uso de outra fonte diferente da ureia. "Mas esse tipo de alternativa é mais cara e menos abundante", disse.

Outras soluções viáveis seriam a incorporação mecânica, ou uso de aditivos que reduzissem perdas. "Não temos ainda uma solução prática e econômica bem estabelecida. É um desafio que temos que resolver", afirmou.

Outro tema que necessita mais estudos, aponta, é o papel de determinadas bactérias associadas à cultura da cana na fixação de nitrogênio da atmosfera. Essa alternativa de fixação biológica do nitrogênio poderia reduzir a necessidade de fertilizantes - o que teria grandes impactos ambientais e econômicos.

"Mas a magnitude dessa fixação ainda não está bem estabelecida. Os números da literatura são bastante variáveis. Nosso desafio é estabelecer essa contribuição e descobrir se podemos melhorá-la - seja com a inoculação de microrganismos mais eficientes ou pela seleção de variedades de cana-de-açúcar que respondam melhor ao processo", disse.