Aventais brancos, ambiente asseado, 25 rostos de cientistas invariavelmente jovens. No total, chegarão a 50. Laboratórios para todos os tipos de preparação e análises. Computadores capazes de processar quatro terabits de informação. É numa área de 2,3 mil metros quadrados que parte da ciência recente brasileira passará por um grande teste, transformar em tecnologia e novos produtos um grupo de informações gerados com dinheiro público.
O Alellyx, laboratório de genômica aplicada, tentará nos próximos anos transformar parte das informações dos genes seqüenciados de diversas pragas que assolam algumas culturas no Brasil em soluções para a agricultura brasileira. A novidade não pára por aí. O dinheiro para bancar todo o aparato tecnológico para dar conta desta missão e a contratação de cientistas, alguns repatriados, veio do Grupo Votorantim, especificamente do Votorantim Ventures Capital, o fundo criado pela corporação há dois anos e meio para apostar em inovação tecnológica.
Foram R$ 30 milhões que podem virar pó ou a semente de retornos espetaculares, tudo dependerá da capacidade dos cientistas em inventar soluções para o agribusiness brasileiro. A inauguração do prédio, construído e equipado em oito meses marca a nova etapa da genômica nacional. A unidade fica no Techno Park Campinas, um dos condomínios mais modernos em infra-estrutura no interior de São Paulo.
Números, apenas os de investimento. Nada mais. Pudera. Nenhum dos cinco cientistas que acabam de migrar de instituições como Unicamp, USP e Unesp sabem o que descobrirão. Trabalharão inicialmente em três importantes produtos da agroindústria nacional, eucalipto, cana-de-açúcar e laranja. Podem chegar na soja e na uva. Em cada uma, a meta é descobrir dentro dos milhões de genes seqüenciados onde está a chave para criar uma variedade resistente à praga. Além disso, o grupo também trabalhará no seqüenciamento de algumas partes ainda não feitas, o que deverá gerar os primeiros bancos de dados de genes com domínio estritamente privado. "Teremos uma série de hipóteses. Muitas provavelmente se mostraram inviáveis", diz Fernando Reinach, cientista e diretor executivo do Votorantim Ventures.
CONTRATOS FECHADOS
A empresa já tem fechado alguns contratos com agroindústrias dos setores de papel e celulose, de cana de açúcar e laranja. Não foram citados nomes, apenas problemas, como as doenças do cancro cítrico (provocada pela Xanthomonas citri) ou amarelinho (provocada pela Xylella fastidiosa), esta responsável por prejuízos de US$ 100 milhões para a citricultura paulista. Os acordos de desenvolvimento de pesquisa e tecnologia são sigilosos e 'complexos', classifica Reinach. As razões são óbvias. São milhões de dólares envolvidos e cálculos complexos para a distribuição dos dividendos das descobertas. Os cientistas terão uma parte dos resultados econômicos obtidos a partir do desenvolvimento de produtos. Buscarão registros de patentes também, o que pode transformar a Alellyx em competidora internacional.
Para a Votorantim, a meta é iniciar algum retorno do investimento ao fundo de risco em sete anos, talvez em seis. Este retorno poderá vir da participação de dividendos gerados pelas descobertas ou a partir de uniões com outras empresas. A busca é de rentabilidade, mas a diferença do fundo de risco do grupo Votorantim é que neste o controlador é a própria corporação, bem diferente de um fundo que gerencia recursos de terceiros e que define prazos finais de retorno ou não do investimento. O grupo disponibilizará US$ 300 milhões em recursos para projetos de risco, como o da Alellyx. Apenas 20% deste volume chegaram a ser aplicados. "Apenas 1% dos projetos que recebemos foi contemplado com recursos do fundo", diz Artur Ribeiro Neto, diretor executivo do Votorantim Ventures. Até agora, oito projetos (incluído Alellyx) receberam aporte do fundo. Não são apenas os modernos equipamentos e a tarefa de fazer genômica aplicada no Brasil que pode ser classificada como inovação. O sistema todo é novo, uma grande aposta no desenvolvimento científico nacional. Uma novidade que toma o Alellyx um bom experimento tanto para quem está envolvido quanto para quem está de fora. "Precisamos de casos de sucesso para termos outras parcerias entre empresas privadas e a universidade", avalia Ribeiro Neto. Oportunidades não faltam, mas falta a capacidade de aproximação da academia com as empresas. Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Unicamp, disse recentemente que é fundamental a criação de inovação tecnológica no ambiente empresarial.
MODELO PRIVADO
Esta não deve ser uma tarefa da universidade. "Desta esperemos uma boa formação", tem ressaltado. O caso da Alellyx será acompanhado de perto exatamente por ser formado sobre o modelo apregoado pela maioria dos especialistas em desenvolvimento tecnológico no Brasil. O sucesso será um grande alento ao modelo de incentivo da inovação em ambiente privado e significará também uma mudança da relação universidade-empresa. Pode aumentar o número de cientistas nas empresas, hoje muito reduzido.
Alguns números demonstram a distância entre o setor privado e a academia no Brasil. Enquanto, o número de cientistas empregados no setor privado no Brasil chega a 8 mil, nos Estados Unidos esse número é de 800 mil. Na Coréia do Sul, esse número vai a 75 mil. Talvez esta é a razão pela qual a Coréia do Sul obtenha 3,5 mil patentes nos Estados Unidos por ano enquanto o Brasil apenas 100.
MINISTRO DEFENDE OS TRANSGÊNICOS
O ministro da Agricultura Pratini de Moraes disse ontem que o Brasil terá que quintuplicar os investimentos em biotecnologia nos próximos três anos se quiser ter alguma chance na competição internacional. Ao mesmo tempo, defendeu a adoção dos produtos transgênicos como forma de competir no mercado externo. O ministro participou da inauguração da empresa de genômica aplicada Alellyx, em Campinas. Atualmente, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) aplica cerca de US$ 60 milhões.
Segundo ele, é fundamental um esforço público e privado para elevar esse volume de investimento para US$ 300 milhões por ano. Dinheiro que poderá melhorar a resistência de culturas como o cacau, a laranja e a uva, garantir o desenvolvimento do genoma do café e da cana, evitar doenças como a morte do citros, criar variedades de milho mais adequadas para a ração animal, de trigo com mais quantidade de amido ou arroz com mais proteína.
Para isso, segundo ele, o Brasil precisa tomar uma decisão definitiva quanto aos destinos da pesquisa em transgênicos. Pratini de Moraes afirma que a Embrapa já vislumbra o esgotamento dos métodos tradicionais para ganhos de produtividade. "Os técnicos da Embrapa já dizem que estamos chegando ao limite possível em genética praticada nos termos tradicionais. São prazos de 14 e 15 anos para resultados marginais. A customização da agricultura é uma tarefa da biotecnologia."
O ministro aproveitou a inauguração da empresa de biotecnologia para fazer uma forte defesa dos transgênicos e ressaltar a importância desta tecnologia para elevar a produção de alimentos Ação que já é empreendida por fortes concorrentes mundiais do Brasil como Estados Unidos e China. "Na divulgação dos trabalhos, peço aos cientistas que falem sobre as vantagens dos transgênicos para a opinião pública, dos benefícios que os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) podem trazer", afirmou. Segundo ele, há no Brasil grupos internacionais interessados em criar dificuldades internas para o avanço dos transgênicos na agricultura brasileira.
Sem os Organismos Geneticamente Modificados, o Brasil poderá perder posições no comércio internacional de alimentos, um setor que responde hoje por 45% das exportações brasileiras.
A própria Alallyx utilizará as técnicas para construção de transgênicos para obtenção plantas geneticamente modificadas. O método pode auxiliar a solução de graves problemas econômicos da agricultura. (A.B.)
Notícia
Gazeta Mercantil