O primeiro anfíbio peçonhento da história foi descoberto por pesquisadores do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto Butantan, trata-se de uma Siphonops annulatus, animal do grupo das Caecilians (cobras-cegas).
De acordo com a descoberta, que contou com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), esse animal conhecido popularmente como cobra-cega (ou cecília), que vive no ambiente subterrâneo, possui glândulas na parte inferior dos dentes que têm a mesma origem das glândulas de veneno das cobras, algo nunca antes visto nessa classe animal.
A descoberta revoluciona a forma como a ciência lida com os anfíbios!
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Os anfíbios não possuem peçonha, apesar de serem venenosos. Diferente das serpentes, por exemplo, que injetam veneno durante a picada.
Eles liberam veneno quando se sentem ameaçados pelos predadores, um tipo de defesa passiva. Mas, ao contrário do que ocorre em sapos e muito semelhante ao modo como se comportam as cobras, o estudo brasileiro publicado na iScience mostra que as cecílias possuem glândulas na boca com canais que direcionam à base dos dentes.
Esta forma anatômica foi vista como incomum e observada por Pedro Luiz Mailho-Fontana, primeiro autor do estudo, enquanto realizava estágio de pós-doutorado no Instituto Butantan.
Ele explicou o achado:
“As cobras, por exemplo, têm glândulas que parecem bolsas, envolvidas por músculos. A secreção venenosa vai sendo produzida e depositada nesse local. Quando a cobra pica, ela comprime essa bolsa e a peçonha sai por pressão através do dente. Os sapos, por exemplo, possuem glândulas na pele do corpo e quem as aciona é o próprio predador.
A gente estava estudando a cabeça desse animal e notou glândulas totalmente diferentes e de tamanho muito maior. Fizemos cortes muito finos e seguidos uns dos outros. Reconstruí essa estrutura tridimensionalmente e vimos que saía um duto dessas glândulas, um canal terminando na ponta dos dentes. Aí sim foi uma coisa inesperada”.
As cobras-cegas possuem 214 espécies espalhadas pelo mundo. Cobra-cega é um nome popular usado para se referir aos anfíbios da ordem Gymnophiona.
Estes animais podem se alimentar de
larvas de insetos; minhocas; pequenas cobras; lagartos; filhotes de camundongos; ratos; ou marsupiais.
Por isso, elas possuem um conjunto de músculos na cabeça, duas fileiras de dentes superiores e a capacidade de morder e agarrar.
A descoberta das glândulas comprova que as substâncias da suposta peçonha têm ação paralisante, capaz de atordoar a presa ou matá-la. As glândulas jogam uma secreção na boca do animal e fazem com que ela fique “untada”, facilitando o trabalho das cecílias.
A pesquisa contou apenas com a análise bioquímica para dizer se as cobras-cegas são, de fato, peçonhentas e, consequentemente, os primeiros anfíbios a possuírem uma defesa ativa.
Estes anfíbios vivem de baixo da terra, não têm patas, são capazes de realizar reprodução interna, possuem os olhos bem reduzidos, só conseguem ver luz e são os únicos vertebrados com tentáculos.
Um animal quase inacessível e ainda pouco conhecido.
Enzimas semelhantes
Em relação à descoberta, uma análise da secreção expelida pelas cecílias indicou a presença de uma enzima comum na peçonha de serpentes.
A atividade dessa enzima mostrou-se superior do que a encontrada na cobra cascavel, de acordo com os resultados da análise.
Os mesmos pesquisadores também já demonstraram que as cecílias possuem glândulas de veneno na cauda, a parte do corpo que fica mais exposta quando o animal cava os túneis subterrâneos.
As evidências concluem que um dia esses animais possam ser declarados como peçonhentos.
Segundo Pedro, ainda não há como ter certeza absoluta:
“Ver a sombra de alguém indica que possivelmente tem alguém ali, mas não há como ter certeza absoluta. No nosso caso, a gente não analisou a molécula, mas analisou a atividade dela. Daqui para frente, os próximos passos são mostrar essas moléculas e compará-las com aquelas presentes nas toxinas das serpentes. Essa seria uma evidência definitiva”.
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