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Você nem imagina, mas tem um tipo de gordura que combate danos no cérebro

Publicado em 24 maio 2018

Por Paola Machado

Como os carboidratos, que tem os complexos (bons para consumo) e os simples (não tão indicados), as gorduras têm as saturadas, que são consideradas “ruins”, e as insaturadas, que são consideradas “boas”, como já esclarecido no texto anterior.

Antes de começar esse texto, acredito ser de devida importância a interpretação do mesmo. Quando cito que um nutriente é bom, é necessário avaliar com um profissional a quantidade recomendada de acordo com suas necessidades nutricionais.

Nosso corpo não funciona como uma receita de bolo. É claro que coloco sempre aqui as recomendações de ingestão de acordo com estudos e o guia alimentar, porém isso não anula a necessidade de um profissional para avaliar suas necessidades de acordo com sua rotina e hábitos.

Agora vou te dizer uma coisa que pode parecer incoerente: você sabia que a gordura combate à obesidade?

Não podemos bater o martelo que a obesidade é causada por um só fator, pois já é bem esclarecido que é uma patologia crônica e multifatorial. Um dos fatores é a alimentação indevida, com o balanço calórico descompensado e a ingestão excessiva de alguns alimentos considerados não saudáveis, como as gorduras saturadas e trans.

As gorduras saturadas em excesso e as trans, podem causar diversos malefícios ao nosso organismo, como depósito de gorduras, hipertensão, aumento de riscos cardiovasculares, excesso de peso (consequentemente levando à patologias como a síndrome metabólica).

Pesquisas mostram que hábitos não saudáveis, como a ingestão excessiva dessas “gorduras ruins”, combinado a um estilo de vida sedentário, aumenta o estado inflamatório hipotalâmico, levando à morte de neurônios (tipo POMc) responsáveis pelo controle de fome e saciedade e gasto energético.

O acúmulo de gorduras saturadas no cérebro é deletério nessa sinalização e no comportamento alimentar, fazendo com que o indivíduo crie um ciclo de fome constante e, consequentemente, aumentando o peso.

A regulação via hormônios leptina e grelina também são muito discutidas, porém não foi o foco desse artigo e, como o tema obesidade rende alguns livros, não vou colocar em questão nesse texto a questão da regulação hormonal. Deixarei para um próximo texto, ok?

O mais interessante é que, uma pesquisa publicada na Revista FAPESP [Pesquisa FAPESP], em 2016, e na Revista norte-americana Diabetes, em 2015, realizada na Unicamp, mostrou que os ácidos graxos insaturados — como o ômega 3 — são capazes de promover o nascimento de neurônios e, até, reverter danos no cérebro de pessoas obesas, causados pelas dietas ricas em gorduras saturadas.

A gordura insaturada é capaz de combater os danos da gordura saturada no cérebro!

Os pesquisadores utilizaram um marcador de proliferação celular, chamado BrdU. O que aconteceu foi que o consumo de gorduras insaturadas fazia com que ocorresse a neurogênese, por meio da expressão do marcador pela cor verde fluorescente. Esse processo de neurogênese, formação de novos neurônios, estimulada por ômega-3 ocorre, predominantemente, no hipotálamo.

No cérebro temos um sistema de proteção que evita a entrada de substâncias perigosas presentes no sangue chamada barreira hematoencefálica. Essa barreira é como uma peneira. Por ser semipermeável, algumas substâncias passam e outras não. Os estudiosos sempre acharam que as gorduras não conseguiam passar por ela, porém, em 2005, descobriram que a gordura poderia sim atravessar a barreira de proteção, podendo causar efeitos positivos ou negativos diretamente nessas regiões.

O impacto de uma alimentação rica em gorduras saturadas (ruins) ocorre em regiões bem delimitadas do cérebro, sendo que ocorre o rompimento da barreira, inflamação hipotalâmica crônica e morte dos neurônios tipo Pomc. Esse é o primeiro lugar que acontece a desorganização da barreira hematoencefálica.

Acredita-se que na barreira existe um “modulador”, que “decide” quem passará ou não, chamado tanicitos, que quando ocorre uma dieta rica em gordura saturada ocorre a perda de coesão e controle, levando a efeitos deletérios.

Alguns dos estudos foram realizados em camundongos e esse é um fator limitante, já que o estudo tenta reproduzir em humanos o que acontece nos animais e esses modelos aceleram os processos, principalmente metabólicos, por conseguirem administrar quantidades calóricas “desumanas”. Por esse motivo, há o emprego de técnicas não invasivas, como a ressonância magnética, que permite observar as ativações cerebrais em tempo real.

Um outro estudo realizado pela revista Diabetes, compara o hipotálamo de obesos mórbidos, ex-obesos (que foram submetidos a cirurgia bariátrica) e pessoas magras. As pessoas mais magras sentiam-se saciadas mais rapidamente quando comparadas às obesas, após a ingestão de glicose. Já os ex-obesos ficavam no nível intermediário de saciedade.

Porém, esse feito não ocorre em todos obesos, não é porque a pessoa está acima do peso que têm, necessariamente, uma inflamação hipotalâmica. Como disse no começo do texto, a obesidade é multifatorial, e nunca está sozinha no desenvolvimento. Ela pode estar associada à diversos fatores, e até mesmo, por exemplo, ação da dopamina e pelo fato da pessoa ser “viciada” em comer, um comportamento compulsivo.

A obesidade infantil pode estar vinculada a genética em até 10%, que também ocorre essa ativação da região hipotalâmica.

O importante é detectarmos a multifatoridade da obesidade e controlar e prevenir sabendo a causa da patologia.

REFERÊNCIAS: – Revista FAPESP. Fevereiro de 2016.

– Nascimento, L.F.R; et al. Omega-3 fato acids induce neurogenesis of predominantly Pomc- expressiva cells in the hypothalamus. Diabetes. 2015.

– Van de Sande-Ele, S.; et al. Partial reversibility of hypothalamic dysfunction and changes in brain activity after body mass reduction in obesa subjects. Diabetes. v.60, n.6, p.1699-704. 2011.

– De sousa, C.T.; et al. Consumption of a fat-rich diet activates a proinflammatory response and induzes insulina resistance in the hypothalamus. Endocrinology. v.146. n.10, p. 4192-9. 2005.

 

 

 

 

 

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