Agência FAPESP
Um dossiê sobre a crise financeira internacional é o destaque da 65ª edição da revista Estudos Avançados, lançada na última semana.
A publicação, que reúne análises de economistas, sociólogos, peritos em América Latina e especialistas em relações internacionais, busca a convergência de diferentes tendências de análise a fim de analisar as múltiplas dimensões da questão.
Além do dossiê sobre a crise mundial, a edição traz também artigos dedicados a temas indígenas, Joaquim Nabuco (1849-1910), o padre Antônio Vieira (1608-1697), Machado de Assis (1839-1908) e Guimarães Rosa (1908-1967).
A nova edição foi lançada no dia 6 de maio, na Universidade de São Paulo (USP), com um debate sobre a crise mundial, contando com a presença de José Carlos Braga, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Geraldo Forbes, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Luiz Carlos Bresser Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), e Marcelo Tsuji, da ARC Controle de Investimentos, entre outros economistas.
De acordo com Marco Antonio Coelho, editor executivo da publicação do IEA, a tarefa de reunir especialistas que fizessem uma análise da crise financeira não foi trivial, já que ela ainda está em plena expansão em escala mundial. Segundo ele, o tema é considerado tão importante que merecerá um segundo dossiê no próximo número da revista - dessa vez priorizando a conjuntura nacional da crise.
“Optamos por buscar especialistas que pudessem dar uma visão internacional e crítica sobre a crise e seus impactos. Partimos da ideia de que se trata de um evento de grande profundidade, com repercussões sociais e políticas muito complexas e gerais. Por isso era necessário partir de uma visão global”, disse Coelho à Agência FAPESP.
Segundo ele, a edição teve a preocupação de buscar perspectivas inéditas sobre a conjuntura internacional. “Fugindo do que é comum nas revistas brasileiras de economia - que fazem avaliações boas, mas bastante técnicas - procuramos trazer contribuições não apenas de outros países, mas de diferentes pontos de vista científicos. Neste momento a crise é tão grave que merece ser vista sob vários ângulos”, disse.
Uma das contribuições internacionais originais foi dada pelo sociólogo Philippe Zarifian, professor da Universidade de Marne-la-Vallée, da França, que apresenta uma visão bastante diversa das apresentadas pela maior parte dos economistas.
“Ele não se limita a analisar a crise, mas procura formular alternativas. Mas ele não se prende a fórmulas que busquem ajustes no sistema capitalista - ao contrário, propõe mudanças estruturais. Na contramão do liberalismo, Zarifian aponta como caminhos, por exemplo, a defesa do nível de salários, o fortalecimento do sistema de proteção social, a luta contra o desemprego e a plena utilização de empresas públicas”, disse Coelho.
Revisão técnica
Outro autor francês, Pierre Salama, professor de economia internacional na Universidade de Paris e autor, entre outros livros, de O tamanho da pobreza: economia política da distribuição de renda, contribuiu com o artigo Argentina, Brasil e México diante da crise internacional.
“A crise financeira não deveria chegar à América Latina, segundo a maioria dos economistas e governantes: o conjunto de indicadores de vulnerabilidade melhorou na maior parte dessas economias. No entanto, ela chegou e, à medida que os dias passam, anuncia-se cada vez mais severa. Os indicadores de vulnerabilidade, portanto, não são suficientes para estabelecer prognósticos confiáveis”, escreveu Salama.
“Como a crise nos países desenvolvidos adquiriu um caráter sistêmico e os indicadores de fragilidade não são muito bons, suas repercussões serão consideráveis nessas economias emergentes, apesar de indicadores de vulnerabilidade terem apresentado melhoras”, afirmou.
“Tanto o texto publicado de Salama como o de Zarifian correspondem não apenas a uma tradução, mas a uma versão submetida a uma revisão técnica por pesquisadores brasileiros - respectivamente Lenina Pomeranz e Leda Paulan, ambas professoras da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP”, disse Coelho.
A outra contribuição internacional foi apresentada por Peter Gowan, professor de Relações Internacionais da Universidade Metropolitana de Londres. “Esse texto, originalmente publicado na revista britânica New Left Review, nos foi sugerido pelo embaixador Rubens Ricupero. No próximo número, as colaborações internacionais virão de outros países, como a Itália”, contou.
Sem blindagem
O artigo “Em plena crise: uma tentativa de recomposição analítica”, de André Lara Resende, sócio da Lanx Capital e ex-diretor do Banco Central, é outro destaque da edição. “Essa crise foi subestimada. Hoje, já há consciência da sua gravidade. Está evidente que essa é a crise mais séria desde a grande depressão dos anos 1930″, aponta.
“A paralisação do mercado de crédito, em setembro de 2007, não foi um acidente reversível como se imaginou. A queda das bolsas não foi provocada por uma reação irracional que abriu uma oportunidade de compra. As economias emergentes não se descolaram da recessão nos países centrais e assumiram o papel de novas locomotivas da economia mundial. O Brasil não está ‘blindado’ - essa palavra horrível -, mas já foi afetado”, destaca.
“Crise sistêmica da financeirização e a incerteza das mudanças”, de José Carlos Braga (Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas), “Oportunidades, a despeito da crise global”, de Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, “Crise financeira, energia e sustentabilidade no Brasil”, de Oswaldo Lucon (Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo) e José Goldemberg (Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP), e “Economia e política na crise global”, de Otavio Soares Dulci (PUC-Minas), são os outros artigos do dossiê.
A revista apresenta ainda outro dossiê, “Temas Indígenas”, partindo de um olhar voltado para situações típicas de um país no qual a modernização penetrou de modo abrupto em comunidades pré-capitalistas constituídas por grupos indígenas.
O conjunto de textos é composto por análises de antropólogos e depoimentos de vítimas do processo colonizador, incluindo ainda uma homenagem a Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958).
A edição traz ainda dois artigos sobre o pensamento e a ação política de Joaquim Nabuco, cuja correspondência inglesa acaba de ser publicada. Além disso, publicamos a sequência do dossiê sobre a obra literária de Antônio Vieira, Machado de Assis e Guimarães Rosa. “Por fim, apresentamos também seis textos de resenhas críticas de livros que consideramos relevantes, lançados recentemente no mercado editorial brasileiro”, disse Coelho.
Estudos Avançados pode ser lida na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), em www.scielo.br. Mais informações: www.iea.usp.br/iea/revista
(Agência FAPESP)