Animais milenares, predadores do topo da cadeia alimentar, de importância fundamental para o equilíbrio do ecossistema marinho, baleias e golfinhos são alvo de estudos do Laboratório de Biologia da Conservação de Mamíferos Aquáticos (LABCMA) do Departamento de Oceanografia Biológica do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, sob coordenação do professor Marcos César de Oliveira Santos.
Com projeto financiado pela Fapesp, os pesquisadores do LABCMA lançaram uma campanha de preservação da baleia-franca, que hoje sofre ameaça não mais pela caça, e sim pela forma como se usa a costa litorânea. Santos ressalta que estudos contínuos são necessários para o monitoramento dessas populações, como forma de garantir sua efetiva recuperação e conhecer o real status de cada estoque de animais.
Está sendo realizado um estudo detalhado para saber o que anda acontecendo com essa espécie de baleia. Segundo o professor, para monitorar as baleias, o IO contará com embarcações particulares, para multiplicar o número de observadores, e futuramente fará a detecção acústica, através de hidrofones (microfones adaptados à água), em alguns lugares estratégicos, como Alcatraz e Canal de São Sebastião. “Nossa campanha é divulgar ao máximo possível a importância da baleia-franca e multiplicar o número de observadores na costa do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro, para que estes possam enviar suas fotos e vídeos, mantendo-nos informados sobre o posicionamento desses animais. Afinal, uma população que não conhece o que tem não coopera com a preservação.”
Além da distribuição de cartazes por todo o litoral, a equipe participa de reuniões da Apa Marinha – Área de Proteção Ambiental e mapeou 12 marinas na costa do litoral do Estado. Santos acredita que, quanto mais se expandir a informação, maior será o retorno de dados sobre a ocorrência desses animais. “Também vamos organizar os pesquisadores de todo o Estado, gestores ambientais, quem trabalha no turismo náutico, no transporte comercial náutico, para estabelecer rotas de entrada e saída de navios e com isso respeitar a presença das baleias.”
Ações humanas – Um dos estudos que vêm contribuindo com essa divulgação é o de Giovanna Figueiredo, pesquisadora de iniciação científica do IO, intitulado “A baleia-franca-austral, Eubalaena australis, no litoral paulista: estamos perdendo um ilustre visitante?”, sob orientação do professor Santos. A partir de um levantamento bibliográfico, visitas a museus, aquários e acervos jornalísticos, como o da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, A Tribuna, de Santos, e O Globo, do Rio de Janeiro, Giovanna identificou data, local de ocorrência e a espécie de animal observada entre 1981 e 2000. Também foram levadas em consideração fotos e filmagens encontradas na mídia eletrônica. A pesquisadora aproveitou dados apresentados pelos relatórios anuais fornecidos pelas companhias Docas de Santos e Docas do Rio de Janeiro, que representam os principais portos.
Giovanna concluiu que os registros de ocorrência da baleia-franca, comparando as notificações de sua presença no litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro, diminuíram nos últimos 12 anos, no Estado de São Paulo de 0,79 para 0,58 observação por ano, e de 2,63 para 1,67 observações por ano no Estado do Rio de Janeiro. A pesquisadora relaciona o fato com o aumento populacional humano e consequente diminuição do hábitat utilizado pelas baleias, principalmente devido ao tráfego de embarcações gerado pela necessidade do crescimento econômico do País.
Era esperado um aumento dos registros em decorrência de uma suposta recuperação do estoque populacional do Atlântico sudoeste, porém não foi o ocorrido. “Aonde foram as baleias-francas? Estariam evitando a costa brasileira, rumando para águas mais afastadas?”, questiona Giovanna.
A pesquisadora mostra a importância de uma avaliação da dimensão dos impactos das ações humanas na população das baleias e golfinhos – considerados “sentinelas” da qualidade dos ecossistemas marinhos – na atual fase de expansão da exploração da zona costeira sudeste do Brasil. “É preciso conhecer quais os gatilhos que as fazem se movimentar pela costa, quais os parâmetros e fenômenos oceanográficos que interferem no seu dia a dia em áreas de reprodução e cria”, afirma Giovanna. “Estamos vivendo um momento apropriado para investir em esforços de pesquisa de conservação das baleias-francas, antes de reduzirmos drasticamente os estoques desse cetáceo.”
A longeva baleia-franca
A baleia-franca-austral difere das outras espécies de baleia pela presença de calosidade na cabeça, ausência de nadadeira dorsal, nadadeira peitoral em forma de trapézio e nadadeira com cerca de 3 metros de comprimento. Sua longevidade é alta: vive de 70 a 80 anos.
Ela frequenta as praias do Sul e Sudeste do Brasil durante os períodos de inverno e primavera, para se reproduzir em águas quentes. O litoral brasileiro é utilizado como área de nascimento e cria de filhotes. Essa espécie pode atingir até 16 metros de comprimento quando adulta e, no passado nem tão distante, foi largamente caçada, quase entrando em extinção.
Hoje a população de baleia-franca encontra-se em cerca de 7.500 indivíduos, tendo sido reduzida a 10% da população, e sua recuperação é lenta. É encontrada geralmente em grupos de um a seis indivíduos, com pares de fêmeas e filhotes. Essa baleia é classificada como “ameaçada de extinção” na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas do Brasil.