O Brasil tem conseguido controlar há mais de uma década a raiva urbana, que é transmitida principalmente pelo contato com cães. Mas, apesar de controlada, variantes do vírus continuam circulando por meio de animais silvestres, particularmente aquela transmitida por morcegos hematófagos.
Pesquisadores brasileiros deram um passo importante no estudo do problema ao concluir o sequenciamento completo do genoma dessa variante mantida pela espécie Desmodus rotundus.
De acordo com Silvana Regina Favoretto, pesquisadora científica do Instituto Pasteur e Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Raiva do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), que orientou o estudo, o sequenciamento abre caminho para novos trabalhos científicos.
"O sequenciamento possibilitará identificar uma série de informações novas em estudos evolutivos e marcadores geográficos e moleculares. Também poderá ajudar a compreender por que outros hospedeiros - como seres humanos, animais silvestres e até morcegos com hábitos diferentes dos hematófagos - são tão vulneráveis a essa variante", disse à Agência FAPESP.
Silvana desenvolveu a pesquisa intitulada "Estudo genético do vírus da raiva mantida por populações de morcegos hematófagos Desmodus rotundus por meio do sequenciamento completo do genoma virai", apoiada pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa-Regular.
A pesquisa compreende também a tese homônima de Angélica Cristine de Almeida Campos, cujo trabalho, sob orientação de Silvana, é realizado no ICB-USP e vinculado ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia, que reúne alunos da USP, do Instituto Butantan e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Segundo Silvana, que também é professora credenciada do programa, das quase 1.200 espécies de morcegos, somente três - Desmodus rotundus, Diphylla eucaudata e Diaemus yungii - são hematófagas.
"Os morcegos Desmodus rotundus são os mais bem adaptados à invasão do homem ao seu habitat. A variante do vírus da raiva mantida por esse morcego é a mais importante do ponto de vista econômico e de saúde pública, ao atingir animais de criação (rebanhos) e também seres humanos", explicou.
Essa variante pertence ao gênero Lyssavirus e é encontrada em uma região que compreende do meio-norte do México e o norte da Argentina -com exceção da Cordilheira dos Andes.
Os estudos genéticos são uma excelente alternativa para compreender por que outros hospedeiros são tão vulneráveis a essa variante genética distinta do vírus e por que, até hoje, não foi observada uma variante diferente em Desmodus rotundus.
"Há pouco mais de quinze anos só conseguíamos saber se alguém tinha raiva ou não. Todas as variantes do vírus já circulavam entre nós, mas, como não sabíamos o tipo, nós o atribuíamos normalmente à variante mantida por populações de cães", disse Silvana.
O sequenciamento poderá ajudar a identificar de que modo o vírus evolui e se mantém circulante com tanto sucesso. "Outras regiões genéticas são observadas, podem-se encontradar mutações e, talvez se possa explicar o que essa variante virai tem de diferente quando comparada a outras como as mantidas por canídeos, por primatas não humanos - como sagüis -, ou ainda por outros morcegos não hematófagos", disse ela.
A sequência completa da variante do vírus da raiva será depositada em breve no banco do National Center for Biotechnology Information (NCBI).