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Jornal Correio do Povo de Alagoas

Virologista da USP choca colegas com tese bolsonarista (13 notícias)

Publicado em 13 de junho de 2021

Em 12 de março de 2020, quando a Covid-19 ainda era vista por muitos como menos do que uma gripezinha, o virologista Paolo Zanotto publicou um artigo na Folha defendendo que autoridades decretassem com urgência medidas duras de distanciamento social e alertando para o caráter devastador da doença.

Menos de seis meses depois, em 8 de setembro daquele ano, ele estava no Palácio do Planalto junto do presidente Jair Bolsonaro, sem máscara ou distanciamento, defendendo o chamado “tratamento precoce” e sugerindo a criação de um “gabinete das sombras” para tratar de vacinas contra a Covid-19.

A conversão de Zanotto às teses preferidas do bolsonarismo com relação à Covid-19 surpreendeu mesmo colegas acostumados ao estilo imprevisível do biólogo, descrito como brilhante e ególatra.

Professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, Zanotto, 65, é uma referência no estudo da evolução dos vírus, com 8.500 citações na plataforma Google Acadêmico.

Em sua carreira, estudou os patógenos responsáveis por algumas das principais doenças das últimas décadas, como Aids, Sars, dengue e gripe suína. Em 2016, foi um dos coordenadores de pesquisas sobre o vírus da zika, que causava microcefalia em bebês.

Também liderou uma rede financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para mapear a diversidade genética dos vírus no país.

Roqueiro e amante do surfe, com cabelos até o ombro, passou a chamar a atenção nos últimos anos não apenas pelo visual pouco convencional.

“Ele é um dos mais competentes virologistas do país, trabalhou com as maiores autoridades do mundo em áreas como a bioinformática [processo que usa a tecnologia como ferramenta da biologia]. Porém, de uns dois ou três anos para cá, tomou decisões políticas radicais, e não sei como isso comprometeu suas ideias”, diz Mauricio Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

Ambos atuaram durante 15 anos em diversas pesquisas, até romperem em abril do ano passado, quando Zanotto criticou uma pesquisa sobre os efeitos da hidroxicloroquina feita em Manaus por um grupo que incluía Nogueira. O estudo concluiu que a droga, além de não fazer efeito contra a Covid-19, provocava alterações cardíacas perigosas.

Zanotto acusou a equipe de ter administrado doses altas em pacientes graves propositalmente para desacreditar o remédio. Em redes sociais, chamou os pesquisadores de menguelianos, referência ao médico nazista Josef Mengele.

Àquela altura, ele já havia chocado grande parte do meio científico ao se tornar defensor do tratamento precoce — apesar de sua área de especialidade tratar do comportamento evolutivo do patógeno, sem relação direta com o combate a doenças.

Os defensores do tratamento precoce apoiam o uso nos pacientes de medicamentos como cloroquina, ivermectina e vitamina D, já descartados pela comunidade científica por não demonstrarem capacidade de barrar a Covid, prevenir a doença ou tratá-la.

Embora rejeite o rótulo de bolsonarista, Zanotto passou a ligar sua imagem à do entorno do presidente. Fez uma live sobre cloroquina com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a se alinhou a apoiadores do presidente em redes sociais, com críticas à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à China.

A aproximação com Bolsonaro culminou na célebre reunião de setembro, cujas imagens foram divulgadas pelo site Metrópoles. Zanotto foi saudado pelo presidente com um gesto de continência e chamado a sentar-se à mesa pelo deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), apontado como chefe do “gabinete paralelo”.

“Presidente, o sr. tem uma tropa aqui de leões. Os leões precisam ser guiados por um leão também”, pediu o virologista no evento, organizado pelo Médicos Pela Vida, grupo que diz ter 14 mil membrose do qual Zanotto é uma espécie de consultor informal.

Em entrevista à Folha, Zanotto diz que segue defendendo o distanciamento social, mas que sua posição “amadureceu”.

“Quando você vai vendo uma realidade, você tem que readequar. Você tem que ressignificar as coisas”, afirma.

“Eu era e sou a favor das medidas de intervenção não farmacológica. Mas se você não fizer isso de uma maneira muito inteligente, pode prejudicar pesadamente a economia e maximizar mortes. O equilíbrio entre as duas coisas é fundamental.”

Ele afirma que um dos fatores que o levaram a defender o tratamento precoce é sua colaboração com médicos do Senegal, na África, região onde a hidroxicloroquina é usada para combater a malária.

“Os senegaleses implementaram protocolo [contra a Covid] e, como usavam muito hidroxicloroquina por causa da malária, estavam tendo sucesso”, diz.

Também chamaram sua atenção estudos feitos pela Prevent Senior com pacientes em estágio inicial de Covid submetidos a esse tratamento, além de trabalhos do médico francês Didier Raoult.

Estudo da operadora de saúde divulgado no ano passado defendeu o uso combinado de hidroxicloroquina e azitromicina, mas o próprio autor disse à Folha que a forma como a pesquisa foi feita impedia que fossem tiradas conclusões sobre o uso das drogas contra o coronavírus.

Acusado de promoção indevida de remédios em seu país, Raoult é considerado por Zanotto “um grande cientista que tem sido atacado pelo lixo que infesta a academia, instituições governamentais e os meios de comunicação”.

Mais importante, afirma o virologista, é que cientistas e médicos tenham liberdade para defender tratamentos que considerem adequados.

“Agoraét odo mundo progressista zinho, operando num amaneira monocromática, com uma ideia só, que é uma batida de tambor. Isso é pavoroso para a humanidade.”

Essa posição acabou aproximando-o do grupo Docentes Pela Liberdade, criado em julho de 2019, que reúne professores universitários de direita.

“O professor Zanotto é um grande pesquisador, que sofre um caso clássico de perseguição. O Brasil tem um grande problema de não reconhecer as pessoas com notório saber como ele. É uma coisa cultural nossa, talvez por isso não tenhamos um Prêmio Nobel”, diz o presidente da entidade, Ebenezer Maurilio Nogueira da Silva, professor de música da Universidade de Brasília.

Zanotto nunca foi formalmente ligado ao grupo e diz ter críticas a ele. Mas segue militando contra o suposto pensamento único de esquerda no ambiente universitário.

“Há uma guerra cultural”, diz ele, que afirma estar na trincheira do Iluminismo anglosaxão, influência burilada durante seu período de doutorado na Universidade de Oxford.

Do Reino Unido veio a inspiração para o “shadow cabinet”, o gabinete alternativo formado pela oposição para fiscalizar o primeiro-ministro. “Não tem nada de ministério paralelo, isso é uma criação desses senadores [da CPI].”

A defesa do tratamento precoce e de cautela com as vacinas recém-criadas contra a Covid foi custosa do ponto de vista pessoal, diz Zanotto.

“Recebo e-mails de pessoas que dizem: ‘você vai se ferrar’. Coisas bem horríveis. Inclusive colegas meus, pessoas com quem eu trabalhei, fazendo declarações bem pesadas.”

Profissionalmente, também já houve consequências. Zanotto foi excluído da Plataforma Científica Pasteur USP, uma rede de pesquisadores ligadaà universidade eà Fio cruz.

“Ele tem o direito de defender o que quiser em caráter individual, masa associação coma plataforma começou a nos causar desconforto. Não podemos ter alguém aqui que tome atitudes anticientíficas, se esta é uma plataforma científica”, diz Paola Minoprio, coordenadora do grupo.

O ICB se distanciou de posições de Zanotto, embora o virologista continue dando aulas ali. Na última quarta (9), Zanotto foi autorizado pela direção doICBa se ausentar por dois anos para ser professor visitante no British Columbia Institute of Technology, no Canadá, em uma pesquisa sobre purificação de água.

O instituto canadense afirmou que a solicitação do virologista ainda está pendente e que ele não atuaria como professor, apenas pesquisador.

Dizendo-se perseguido, ele não esconde a mágoa com os colegas. “Os malucos aqui na USP falam que eu quero matar 500 mil pessoas. Mas eu não concordo com essa visão de que as pessoas precisam virar dois grupos e se matarem.”

"Quando você vai vendo uma realidade, você tem que readequar. Você tem que ressignificar as coisas. Eu era e sou a favor das medidas de intervenção não farmacológica. Mas se você não fizer isso de uma maneira muito inteligente, pode prejudicar pesadamente a economia e maximizar mortes. O equilíbrio entre as duas coisas é fundamental”

Paulo Zanotto virologista

"Ele é um dos mais competentes virologistas do país, trabalhou com as maiores autoridades do mundo em áreas como a bioinformática. Porém, de uns dois ou três anos para cá, tomou decisões políticas radicais, e não sei como isso comprometeu suas ideias”

Mauricio Lacerda Nogueira ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia

Autor: Fábio Zanini

Fonte: pressreader.com/Folha de S.Paulo