O intenso e contínuo aumento do desmatamento na floresta amazônica têm comprometido funções cruciais realizadas pela floresta em benefício do clima, biodiversidade e bem-estar humano. A perda de floresta provoca mudanças como o aumento da temperatura, diminuição das chuvas e extinção de espécies, o que pode afetar a polinização de cultivos agrícolas, o controle de pragas e doenças por inimigos naturais, a oferta potencial de bioativos para a indústria e tornar os ecossistemas amazônicos e populações humanas mais vulneráveis aos efeitos das mudanças no clima. Além disso, as altas emissões provenientes do desmatamento na região têm representado um grande impacto no sistema climático global, comprometendo as metas do acordo de Paris de limitar o aumento médio global do planeta em 1,5°C, necessárias para diminuir as consequências já alarmantes das mudanças climáticas.
Desde 2018 as taxas anuais de desmatamento da Amazônia legal têm superado a marca de 1 milhão de hectares e registros de incêndios florestais tem atingido recordes (Inpe). Práticas recorrentes de desmatamento e fogo associadas às atividades ilegais de exploração de madeira também têm desencadeado a degradação das florestas remanescentes, influenciando seu funcionamento e permanência. Adicionalmente, tem havido uma grande expansão de garimpos ilegais em toda a região, levando não apenas à perda da floresta mas também à poluição do solo e das águas. Essa realidade e todo o risco que ela representa ao clima, à biodiversidade e ao bem-estar humano impõem um grande desafio complementar ao combate ao desmatamento: é preciso restaurar as áreas desflorestadas e as florestas degradadas na Amazônia.
Sete ações prioritárias e medidas de suporte à restauração florestal na Amazônia compõem o documento “Transformando a Amazônia através de Arcos da Restauração”, uma proposta desenvolvida por pesquisadores ligados ao Painel Científico para a Amazônia (PCA), lançada no pavilhão do Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal, na COP 27. O documento visa apontar caminhos para a transição de áreas de desmatamento histórico e recente na Amazônia para áreas alvo de ações de restauração florestal.
A primeira ação está relaciona à diminuição do desmatamento e o alcance do desmatamento zero em 2030. Parte-se do pressuposto que a restauração florestal deve ser vista como uma prática complementar à redução do desmatamento e não como a compensação por um processo contínuo de desmatamento. Considerando a média dos últimos cinco anos, o padrão atual de desmatamento na Amazônia brasileira levaria a uma perda adicional de 8 milhões de hectares de florestas até 2030. A redução de apenas 50% da área desmatada, por exemplo, salvaria 4 milhões de hectares de florestas conservadas.
A segunda ação está voltada para as florestas degradadas. Evitar a continuidade da degradação florestal poderia permitir que mais de 100 milhões de hectares de florestas recuperassem seus estoques de carbono, biodiversidade e provisão de serviços ecossistêmicos.
A área passível de restauração estimada para a Amazônia pode contribuir com a maior parte dos 12 milhões de hectares estipulados como meta brasileira no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa
A terceira ação visa combater o aumento contínuo do desmatamento em Áreas Protegidas e Terras Indígenas. A soma das áreas desmatadas desde 2015 no interior desses territórios equivale a 0,8 milhões de hectares disponíveis para restauração. Devido às limitações e a baixa intensidade de uso de áreas desmatadas nesses territórios, a restauração poderia ser baseada na regeneração natural, de baixo custo e de menor intervenção humana, demandando apenas a proteção dessas áreas, o que já é legalmente garantido.
A quarta ação é um pouco mais complexa por envolver a questão fundiária. Mais de 2,8 milhões de hectares de florestas foram desmatados em terras públicas não destinadas na Amazônia brasileira. De acordo com estudo do IPAM, mais de 51% do desmatamento de 2019 a 2021 ocorreu em terras públicas sem destinação. Se considerarmos o desmatamento ocorrido a partir de 2015 em terras não destinadas, mais de 1,8 milhões de hectares estariam disponíveis para a restauração, o que evidência o papel estratégico dessas áreas.
A quinta e a sexta ações estão voltadas para as propriedades privadas na Amazônia. Uma ação tem como foco a recuperação de áreas que foram desmatadas para além do permitido na Lei de Proteção da Vegetação Nativa, também conhecida como Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651, e que precisam cumprir obrigatoriamente as etapas do processo de regularização ambiental. A sexta ação visa a extensão das ações de restauração para áreas de interesse ecológico, mas que não são legalmente protegidas. Isso envolve principalmente o aumento da largura das áreas de mata ciliares, comumente desflorestadas, mas cuja recuperação exigida por lei prevê o reflorestamento de faixas muito estreitas. Se considerarmos o estado do Pará como exemplo, as áreas de mata ciliares protegidas de forma insuficiente pela lei somam mais de 5 milhões de hectares em todo o estado.
A última ação prioritária tem como alvo as terras agrícolas degradadas. Estima-se que exista cerca de 24 milhões de hectares de pastos moderadamente ou severamente degradados na Amazônia brasileira. A restauração dessas áreas poderia não só representar um ganho ecológico, mas também proporcionar alternativas econômicas de menor impacto ambiental e maior retorno econômico quando comparado com áreas degradas e de baixo rendimento.
A área passível de restauração estimada para a Amazônia pode contribuir com a maior parte dos 12 milhões de hectares estipulados como meta brasileira no Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa). No entanto, para que estas ações se concretizem é necessário um forte planejamento estratégico que garanta boa governança, envolvimento de diferentes grupos, investimento de longo prazo e monitoramento.
Embora a legislação ambiental determine regras importantes de proteção e recuperação das florestas, ainda é necessário a criação e implementação de mecanismos complementares voltadas para realidades regionais e demandas específicas de diferentes atividades, tais como linhas de crédito, assistência técnica, redes de cooperação para a produção de sementes e mudas de espécies nativas. O cumprimento da legislação também deve ser fortalecido no respeito aos direitos fundiários das populações tradicionais e Áreas Protegidas. Nesse aspecto, a inserção das comunidades tradicionais em esferas de tomada de decisão e na coprodução de planos e estratégias locais de restauração é crucial para garantir que seus direitos e decisões sejam assegurados e que as iniciativas de restauração tenham sucesso.
Essas ações devem ser acompanhadas do fortalecimento dos sistemas de monitoramento, por exemplo, os projetos Prodes e o Deter, que podem melhorados, integrando diferentes tipos de dados, escalas de análise e inclusão do monitoramento de degradação florestal e iniciativas de restauração.
A restauração florestal demanda de todos nós, em especial dos governos, o esforço de acreditar e investir no futuro, pois a restauração de florestas demanda trabalho, técnica, tempo e custo, porém, seus benefícios a longo prazo são diversos, coletivos e capazes de promover na Amazônia uma nova dinâmica de transformação da paisagem, benéfica a todos. Portanto, é necessário começar imediatamente a planejar formas de garantir a proteção das florestas legalmente protegidas, incentivar a conservação de florestas passíveis de desmatamento, fornecer suporte à restauração florestal, desenhar estratégias de redução dos custos de implantação de iniciativas de restauração e disseminar os importantes e estratégicos benefícios da floresta preservada e regenerada à humanidade.