A violência nas escolas tem tomado proporções preocupantes nos últimos anos no país. Um estudo divulgado pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), mostra que os índices mais que triplicaram nos últimos 10 anos, com auge registrado em 2023, quando 13,1 mil pacientes foram atendidos em serviços públicos e privados de saúde após se automutilarem, tentarem suicídio ou sofrerem ataques psicológicos e físicos no contexto educacional. Em 2013, foram registrados 3,7 mil casos, um aumento de 254,05%.
Em Campinas, a frequência dos episódios segue a tendência nacional, com um aumento de 15,3% em um ano – entre 2022 e 2023, quando foram cerca de 5 mil ocorrências -, e preocupa especialistas e pais, que tentam de alguma forma garantir a segurança de crianças e jovens. Na cidade, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) tem aberto, desde 2018, um procedimento administrativo para fiscalizar o cumprimento das políticas de combate ao bullying nas escolas públicas e particulares. A análise envolve pontos como a capacitação de professores, apoio a vítimas e agressores, e orientação às famílias, e abrange escolas de ensino infantil, fundamental e médio. As redes municipal e estadual de ensino afirmaram que mantêm programas de prevenção ao bullying nas unidades.
De acordo com os dados do Ministério, em 2023, 50% dos casos notificados foram de agressão física. Violência psicológica/moral somam 23,8%, e sexual, 23,1%. Em 35,9% dos episódios, o agressor era um amigo ou conhecido da vítima. Na região de Campinas, segundo dados divulgados no ano passado pela EPTV, via Lei de Acesso à Informação (LAI), as diretorias de ensino de Campinas (Leste e Oeste), Americana, Mogi Mirim e Sumaré somaram 5.141 ocorrências em 2023, contra 4.467 em 2022. Em Campinas, a maior variação percentual foi registrada na Diretoria Leste, que teve um aumento de 39,7% nas ocorrências nas unidades de ensino. Foram 714 casos em 2023. Em números absolutos, a Diretoria Campinas Oeste liderou, somando 2.326 casos. Questionado pelo Diário sobre dados deste ano, o governo do Estado não divulgou novos números.
Racismo
Com apenas 10 anos, um estudante da Escola Municipal de Ensino Fundamental Júlio de Mesquita, em Campinas, é parte desta estatística. Seu pai, J.G., alega que o filho foi vítima de racismo e até ameaça de morte por colegas da escola. “Chamaram meu filho de macaco. Outro dia, uma aluna maior que ele o ameaçou de morte. Já cortaram a mochila do meu filho. Eu acho que a escola está perdendo o controle sobre essas questões. Nós sabemos que esse tipo de violência vai gerar mais violência e pode acabar acontecendo uma tragédia como nós já temos visto em outras escolas em São Paulo por conta do bullying”, afirmou.
O pai afirma ainda não ter tido um retorno sobre as providências tomadas pela escola e se preocupa com a segurança do filho e dos demais estudantes. “A respeito se o aluno foi repreendido ou não, eu não tive resposta da escola. Nós, pais, saímos para trabalhar e entregamos nossos filhos pra escola, e ao chegar em casa o filho já fala o que aconteceu. É um pouco revoltante esse cenário de educação que estamos vivenciando nas escolas municipais.”
Em nota, a EMEF Júlio de Mesquita negou que houve racismo e declarou que a família foi acolhida pela escola no último dia 10 de abril e que deu encaminhamento à situação. “Na ocasião, ela foi recebida pela direção e professores onde várias questões foram relatadas, entre elas, o comportamento do aluno, que diante dos pais e professores comprometeu-se a melhorar. Em relação à ameaça, a escola registrou um boletim de ocorrência. Todos os profissionais da escola estão atentos para prevenir que a integridade física e psicológica dos alunos sejam afetadas”.
Análise
O promotor de Justiça Rodrigo Augusto de Oliveira, responsável pelo procedimento do MP-SP que acompanha ações contra o bullying em Campinas, atribui a escalada da violência à divulgação de casos no exterior e à internet. “Não tinha esse tipo de problema há alguns anos atrás. Me refiro a ameaças de atentados, esse tipo de coisa. O país passou a, entre aspas, importar esse tipo de problema, que era muito comum nos Estados Unidos, e passou a conviver com isso. Acho que muito em razão também do fenômeno da internet, deep web, esse tipo de coisa.”
Mário Marcelo Nicomedes Ramos, coordenador de prevenção e combate ao bullying na escola, pela Secretaria de Educação de Campinas, acredita que o comportamento violento de parte dos jovens é sintoma de uma sociedade estruturalmente violenta. “As crianças acabam reproduzindo, não só nos espaços da escola, mas em outros, aquilo que a sociedade produz como uma sociedade violenta, como adultos violentos. E aí tem diversos fatores, a carência, o entendimento dessa juventude, esse processo de buscar construir a sua identidade, de tentar se reconhecer, pertencer a alguma coisa ou a algum grupo, e a necessidade de afeto”, afirmou.
Em resposta a essa situação, a Prefeitura de Campinas lançou o Projeto Égide, uma estratégia integrada que visa promover a segurança e a cultura de paz nas escolas municipais, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O projeto inclui a instalação de câmeras de segurança, capacitação da comunidade escolar e a criação de salas seguras de monitoramento.
Denúncias e reação
O Ministério Público, com o Poder Judiciário, com a polícia civil, através da própria Delegacia da Infância e da Juventude, as diretorias de ensino e a Secretaria Municipal de Educação se articulam para uma pronta intervenção quando há denúncia de violência no ambiente escolar. Segundo Rodrigo Augusto de Oliveira, para casos corriqueiros, como o bullying, foram criadas práticas restaurativas, além das medidas administrativas e, em casos mais graves, registro de boletim de ocorrência.
“As práticas restaurativas, elas dizem respeito a você criar um ambiente na escola de escuta, de identificação de eventuais problemas envolvendo bullying, agressões. Então, por exemplo, quando a gente fala de práticas restaurativas, a gente está falando de círculo de fortalecimento de vínculos”, explica.
De acordo com o coordenador Mário Marcelo Nicomedes Ramos, em 2024, a Secretaria Municipal de Educação, formou, entre educadores, facilitadores de justiça reparativa, cultura de paz e comunicação não violenta na escola, cerca de 120 facilitadores, em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas. “Uma das frentes é trabalhar na linha da prevenção, com os ciclos que nós chamamos de ciclos de construção de paz, ciclos de construção de diálogos. E a partir daí, a gente tem oferecido essa formação de facilitadores, que são pessoas, que são diretores e professores e que têm a oportunidade de multiplicar essa metodologia nas escolas”, explicou.
“O principal objetivo é criar espaços de diálogo, de escuta, de celebração, de cuidado, de apoiamento, não só com as crianças, mas também com os professores. E que isso possa ser reproduzido pelos pais, para que eles, de fato, construam conexão com os seus filhos, que criem espaços seguros dentro da sua casa. A gente tem visto muitas crianças e adolescentes dizer que têm uma certa dificuldade de dialogar com os seus pais”, orientou, Mario.
A Secretaria Estadual de Educação informou, através de nota, que “acompanha diariamente a rotina das escolas estaduais por meio do Programa para Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva-SP), criado em 2019 e que estabelece estratégias de apoio e acompanhamento às equipes docentes e dirigentes no processo ensino-aprendizagem.
Segundo a pasta, na rede estadual, são mais de 660 profissionais que integram o Psicólogos nas Escolas; há ainda 696 Professores Orientadores de Convivência (POC); cerca de 1.000 vigilantes, desarmados, para atuar nas unidades escolares em todo o Estado, além da criação do Protocolo Conviva 179, um documento com o propósito de “fornecer orientações abrangentes à gestão escolar sobre segurança primária, delineando estratégias eficazes para lidar com situações de vulnerabilidade ou quebra da ordem, como roubo, racismo, bullying, crime contra a unidade escolar, agressão, entre outros”.
Uso consciente do celular Especialistas acreditam que a proibição do uso de celulares nas escolas – Lei Estadual nº 18.058/2024 e da Lei Federal nº 15.100/2025 -, contribuiu com o fortalecimento das relações pessoais entre alunos, o que acaba impactando em uma futura redução nos índices de violência nas escolas. “As notícias que a gente tem recebido já são positivas, no sentido de que os estudantes têm passado a conversar mais, a interagir mais”, comemorou o promotor de justiça.
Já Mário Marcelo ressaltou a importância de se refletir sobre o uso exagerado dos celulares, não só dentro das escolas, mas também em casa. “É preciso entender e pensar por que esses jovens estão tanto usando o celular, por que eles estão tanto dentro do quarto. A gente, sem perceber, tem trocado afeto por estar no seu celular. Ao mesmo tempo que a tecnologia nos aproxima de pessoas que estão distantes, ela também nos distancia de pessoas que estão perto da gente”, opinou.
“Tem adolescentes, crianças, voltando a fazer brincadeiras que antes não faziam. Brincar de taco, pega-pega, brincadeiras normais, legais, que nos levam a conexão, jogar um dominó, brincar de amarelinha, pular corda, coisas que nos unem, que nos conectam com o ser humano. Então, nesse sentido, eu acho que é positivo a gente pensar a maneira correta de usar essa tecnologia”, concluiu.