Neste mês, tivemos o desafio editorial de sintetizar as recentes pesquisas e notícias que informam um mundo em crise climática, sem piorar a angústia geral em relação ao futuro do planeta. Esse sentimento já foi classificado como ansiedade climática pela Associação Americana de Psicologia (APA).
Até escolher o título desta edição da Veredas foi especialmente difícil: entre ciclones subtropicais no Brasil, o janeiro mais quente do mundo, a previsão de colapso na Amazônia e o descaso ambiental em Minas, o que enfatizar?
Começamos com uma entrevista que fizemos com a coautora do estudo publicado há alguns dias na revista britânica Nature. Os cientistas alertam que quase metade da Amazônia pode atingir o ponto de não retorno até 2050. Mas, afinal, que ponto é esse?
Antes de seguir, precisamos lembrar que Veredas também significa caminhos, atalhos. Com isso em mente, sempre teremos aqui as ideias e iniciativas em andamento, que apontam para as soluções embasadas pela ciência.
Boa leitura,
Juliana Perdigão e Odilon Amaral
Por que não podemos desconsiderar o alerta sobre a Amazônia publicado na revista Nature
O ponto de não retorno, que é o momento em que a floresta perde a capacidade de se autorregenerar, já foi mencionado em outros estudos internacionais. Então por qual motivo a notícia rodou o mundo na última semana, depois que o artigo escrito pelos cientistas brasileiros foi publicado na revista britânica Nature?
A diferença preocupante é que, desta vez, os pesquisadores cruzaram dados de três fatores que ainda não haviam sido associados: o desmatamento contínuo, a falta de chuva e a mudança de clima. A partir disso, descobriram pontos de não retorno que podem chegar a 47% da floresta.
Conversamos com uma das autoras do estudo, a pesquisadora Marina Hirota, que é graduada em Matemática Aplicada e Computacional pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Engenharia Elétrica pela mesma universidade, doutora em Meteorologia pelo CPTEC-INPE, com pós-doutorado na Universidade de Wageningen, Holanda.
O mundo teve o janeiro mais quente da história
Janeiro de 2024 foi oficialmente o mais quente já registrado, marcando o oitavo mês consecutivo de temperaturas recordes para esta época do ano, segundo a ONU.
Os dados internacionais mais recentes, utilizados pela Organização Meteorológica Mundial, OMM, ainda revelam que as temperaturas da superfície do mar têm batido recordes por dez meses seguidos. O motivo não é apenas o El niño, mas a combinação dele com a mudança climática “induzida pelo homem", diz a OMM.
Você já sabe como a mudança climática global nos afeta. Sentimos na pele as ondas de calor no ano passado e, em muitos lugares, a crise hídrica já é uma realidade.
O caminho para a solução também é conhecida.
Qual seria esse caminho?
Proteger o que ainda não foi destruído não é mais suficiente para evitar a tripla crise planetária: as mudanças climáticas, a crise da biodiversidade e a crise dos resíduos. Não por acaso, a ONU definiu esta como a “Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas”.
A saída para evitar essa crise é restaurar o que foi degradado. Só no Brasil, estamos falando da meta de recuperar 12 milhões de hectares de florestas até 2030.
A Década da Restauração de Ecossistemas foi criada para prevenir, interromper e reverter a degradação dos ecossistemas em todos os continentes e oceanos. O Brasil é um dos mais de 70 países que aderiram à proposta de ação.
Evidentemente trata-se de uma ação que precisa ser coordenada entre a gestão pública, as empresas e as organizações mundiais. Localmente, empresas e gestores públicos também precisam se responsabilizar. Por isso, fizemos essa pergunta:
O que as cidades precisam fazer para amenizar os efeitos climáticos mundiais?
Essa questão norteou nossa entrevista com Carla Wstane, doutora em Geografia: espaço, cultura e linguagens. Ela trabalha com participação social em torno da gestão das águas e, atualmente, é diretora técnica do Instituto Guaicuy.
Alias a mobilização em torno da restauração ambiental fez surgir coletivos de plantio em diversos centros urbanos. Mostramos um dos mais recentes, criado em Belo Horizonte. Os voluntários estão replantando espécies nativas em dez parques da cidade e fazendo as devidas manutenções. A cada encontro, mais pessoas surgem para ajudar. É bonito de ver.
Enquanto isso, em Minas Gerais:
Uma área de manancial na estação ecológica Fechos, em Nova Lima, na região metropolitana, está na mira da Vale: na edição passada, mostramos que a ampliação da estação foi vetada pelo governador Romeu Zema (Novo). Ele explicitou no Diário Oficial o motivo do veto: “a área tem potencial de lavra de minério de ferro”. Agora, depende da Assembléia Legislativa de MG a aprovação ou derrubada desse veto.
Atualmente, os 15 mananciais da área protegida fornecem água, classificada como Classe Especial, para cerca de 280 mil pessoas da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A proposta de expansão adicionaria proteção a mais quatro nascentes e a estação passaria a fornecer água para mais 78 mil pessoas.
Para ficar de olho: Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas
Será na próxima semana, em São Paulo, o primeiro fórum que vai reunir representantes nacionais e internacionais de governos, setor privado, sociedade civil e organismos multilaterais para discutir os investimentos para uma transição ecológica verde e justa.
A agenda também prevê sessões de trabalho, painéis e debates sobre soluções financeiras baseadas na natureza e incentivos à bioeconomia, por exemplo.
O Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas foi anunciado na COP 28, em Dubai, e vai se realizar na véspera da reunião de ministros das Finanças do G20, que é a cúpula que reúne as 19 maiores economias do mundo, mais União Africana e União Europeia. Lembrando que, este ano, o Brasil preside o G20 e vai pautar temas sociais e ambientais.