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Veneno da cascavel pode ser usado para combater câncer (1 notícias)

Publicado em 23 de setembro de 2013

Por Liana John

Pisar em terreno pedregoso sem prestar atenção ao soar dos guizos é arriscar um encontro fatal com a famosa cascavel (Crotalus durissus). Se pegar de jeito, o bote da dita cuja começa por causar sensação de formigamento e dificuldade em manter os olhos abertos. Depois o quadro evolui para visão turva ou dupla, dores musculares generalizadas e escurecimento da urina, podendo chegar à morte por insuficiência respiratória, devido à paralisação dos músculos do tórax, e/ou insuficiência renal aguda. Assim nos informa o Hospital Vital Brazil, de São Paulo, referência no atendimento a acidentes com animais peçonhentos.

Mas bem ali vizinho ao hospital, o veneno da cascavel é considerado um potencial aliado na luta contra a progressão de tumores cancerígenos e contra inflamações agudas e crônicas. Quer dizer, o veneno todo não, mas uma substância equivalente a 60% do total, que é responsável por sua ação neurotóxica. O nome da substância é crotoxina, ou CTX para os íntimos, como os pesquisadores do Laboratório de Fisiopatologia do Instituto Butantan.

Em linhas gerais, a crotoxina age direto sobre o câncer e ainda estimula algumas células de defesa do organismo (macrófagos) a produzir uma quantidade maior de substâncias importantes no controle do crescimento de tumores (peróxido de hidrogênio e óxido nítrico). Ou, nas palavras da doutora em Farmacologia, Sandra Coccuzzo Sampaio Vessoni: “temos uma toxina com um potencial antitumoral, não apenas por agir diretamente sobre as células tumorais, mas também por induzir a resposta do sistema imune”.

Sandra coordena a pesquisa com o veneno da cascavel contra o câncer no Laboratório de Fisiopatologia. Outra pesquisa investiga a atividade da mesma crotoxina contra inflamações agudas, sob a batuta da pesquisadora especialistas em Hematologia, Coagulação e Inflamação, Maria Cristina Cirillo. E uma terceira pesquisa, sob responsabilidade do especialista em Toxinologia e Biologia Estrutural e Funcional, Luís Roberto de Camargo Gonçalves, avalia a ação inibitória da CTX em casos de inflamações crônicas, como as relacionadas a doenças igualmente crônicas (caso da tuberculose).

Os resultados ainda são preliminares. Ainda faltam diversos testes e várias etapas até chegar aos medicamentos de verdade. Porém, a boa promessa dos experimentos realizados com células (in vitro) já se repetiu nos primeiros estudos com ratos (in vivo). O que é um bom sinal, motivo para comemorações. “A CTX também é um modelo, uma ferramenta científica importante para entender como podemos interferir com processos fisiopatológicos e de que maneira modulá-los”, continua Sandra, ressalvando que a crotoxina é utilizada em concentrações extremamente baixas.

De acordo com a pesquisadora, “a CTX é uma molécula grande, portanto não é uma estrutura viável para síntese. Estamos verificando se existem partes menores nesta molécula que seriam responsáveis pelas ações caracterizadas”. Ou, em outras palavras, paralelamente aos estudos com as células e os modelos animais, avalia-se a possibilidade de quebrar a molécula e ainda assim obter a mesma ação. Isso poderia reduzir eventuais efeitos colaterais ou tóxicos (por ora não testados) e também viabilizar a fabricação da substância ativa em laboratório, sem depender da “ordenha” (digamos assim) de cascaveis vivas.

Essa equipe de referência do Butantan ainda inclui as pesquisadoras Yara Cury e Patricia Brigatte e envolve 5 alunos, além de colaboradores valiosos de outras instituições, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Os recursos são da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), relacionados ao programa Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxinologia (INCTTOX).

A união de tão bons esforços em torno dessa tal crotoxina pode demonstrar mais uma utilidade para o veneno das cascaveis, a par de seu efeito analgésico (Veja o post Cascavel na veia ou em cápsulas?). Não seria motivo, evidentemente, para os frequentadores dos caminhos das pedras deixarem de prestar atenção ao soar dos guizos. Mas talvez ajude a garantir um lugarzinho ao sol também para as mal-amadas serpentes peçonhentas. E sem pauladas na cabeça!

Fonte: Planeta Sustentável