Notícia

Com Ciência

“Velho ranzinza”? Senso de humor reflete personalidade construída ao longo da vida (1 notícias)

Publicado em 15 de março de 2023

Estudos comprovam que, apesar de perdas fisiológicas ou cognitivas, idosos não perdem a capacidade de rir e se divertir

Maíra Torres

O senso de humor depende, diretamente, de fatores de abordagem que constroem essa característica humana e das experiências vividas. Conforme os anos passam as pessoas sofrem mudanças relativas ao existir, que influenciam no modo como enxergam o mundo, e consequentemente, riem, ou não, dele.

Somado às experiências e diretamente ligado ao envelhecimento, processos degenerativos naturais como esquecimento e demências, por exemplo, afetam cognitivamente a capacidade de o indivíduo produzir humor, reconhecer ironias e rir de piadas.

“Aspectos genéticos e do ambiente, na formação individual e na forma de nos apresentarmos ao outro e nos entendermos como indivíduos, consistem na formação da nossa personalidade, e existe uma visão de que o senso de humor, na velhice, reflete características que acompanharam a personalidade ao longo da vida”.

A fala é de Samila Sathler Tavares Toni, psicóloga e professora convidada de gerontologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Em entrevista à ComCiência ela falou sobre como o humor, relacionado à veia cômica, é construído e sofre alterações ao longo dos anos.

Um dos estereótipos que combate, por exemplo, é o do “velho ranzinza”. “Indivíduos considerados mais ranzinzas ou mais bem-humorados geralmente já têm essas características presentes ao longo da vida, e por questões associadas ao processo de envelhecimento, essas características podem se exacerbar ou reduzir”, explica.

Fisicamente, também há a dificuldade de as pessoas perceberem com clareza o bom humor nos idosos por meio de expressões faciais, já que eles perdem, biologicamente, o controle mais detalhado desses músculos.

“Idosos tendem a ter expressões emocionais mais moderadas. Expressões muito intensas, ou de emoções muito intensas, são altamente demandantes, elas gastam recursos cognitivos, físicos, biológicos de homeostase fisiológica, como de batimento cardíaco e pressão arterial, e, por isso, são menos frequentes”, justifica Samila.

Além das mudanças sofridas pelo indivíduo com o passar da idade, que ajuda a moldar a personalidade, experiências e relatos de conversa em rodas familiares também apontam, muitas vezes, uma discrepância entre o senso de humor de um jovem e um idoso, que, às vezes, tem dificuldade para acompanhar os memes e fenômenos cômicos mais recentes das redes sociais, por exemplo.

Olhar para essa questão envolve levar em consideração outra abordagem do senso de humor, que é o contexto no qual o indivíduo cresceu, e, portanto, criou sua comicidade. Dentro de outro contexto sociohistórico, com outras influências e repertórios, já foram criadas as associações cognitivas que resultam no riso.

Em contrapartida, existe ainda um fator genético, chamado de temperamento, e que está diretamente ligado à maneira com que se reage ao mundo externo.

“Os temperamentos são características biológicas, geralmente herdadas, que tem a ver com a nossa reatividade. Há indivíduos mais reativos ao mundo externo, sagazes, e que muitas vezes ficam abertos a novas experiências, e outros que não têm essa mesma característica”, explica Samila.

Além da genética, a convivência com o círculo familiar também orienta o objeto de riso. Há famílias que têm o hábito de rir dos problemas, por exemplo, e outras que não o fazem.

Apesar de todos esses fatores, a psicóloga afirma que alegar que a velhice é sinônimo de hostilidade, irritabilidade e falta de graça, cai por terra a cada dia, ao passo que estudos têm mostrado, cada vez mais, que o envelhecimento não leva a perdas na capacidade subjetiva de se divertir e aproveitar situações cômicas, de usufruir do humor.

A diferença é que eles deixam de usar o humor afiliativo, por exemplo, que é aquele em que pessoas mais jovens usam para se destacar em um grupo e amenizar o clima. Em relação às piadas, aquelas que têm final fechado e são de média complexidade, que geram ambivalência de sentido, também são as preferidas dos idosos, de acordo com Samila.

Uma pesquisadora que aponta frequentemente em seus artigos e estudos a questão do humor é Mirian Goldenberg, antropóloga, professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro e escritora. Acerca do tema, Corpo, envelhecimento e felicidade, título de uma das obras de Goldenberg, ela afirma que “ficar ranzinza”, e “perder a alegria” associaram-se ao lado negativo do envelhecimento. E, de maneira inversa, envelhecer bem estaria ligado à manutenção da alegria e do bom humor acima de tudo.

Mirian trabalha com estudos que revelam uma forte associação de que, tanto entre os mais jovens quanto os mais velhos, existe uma relação profunda entre a risada, a felicidade e o bem-estar, como destaca no artigo “O gênero da risada”. “A risada foi considerada um tipo de prevenção contra o envelhecimento físico e mental”, aponta.

Maíra Torres é jornalista e especialista em divulgação científica Labjor/Unicamp. Bolsista Fapesp Mídia Ciência.

 .