O Brasil já acumula um histórico invejável na pesquisa genética. O primeiro grande salto, que colocou o País ao lado das maiores ciências mundiais, é um feito até hoje sem precedentes.
É do Brasil o primeiro seqüenciamento genético de uma bactéria, a Xyllela fastidiosa, que ataca os laranjais paulistas e as videiras, principalmente na Califórnia (EUA).
Lá, o anúncio do feito brasileiro foi assim relatado durante uma reunião entre representantes do Departamento de Agricultura e vinicultores: "Temos uma boa e uma má noticia. A boa é que acaba de ser decifrado o código genético da Xyllela. A má é que não fomos nos que fizemos isso".
NOVO PROBLEMA
E é graças a essa primazia que o País está apto a enfrentar um problema recém comprovado nos cafezais. É que segundo o fitopalogista Osvaldo Paradela Filho, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Xylella também infecta a cultura do café de todo o Brasil.
Mas, a boa notícia é que o recém concluído genoma da Xylella que ataca a laranja deve servir também para a que infesta o café, pois acredita-se que elas tenham 85% de semelhança no material genético.
Tudo isso só está sendo possível porque o País tem hoje um verdadeiro batalhão de cientistas atuando diretamente com pesquisa genética - são mais de 250 pesquisadores ligados a cerca de 50 instituições.
São estudos que envolvem, por exemplo, o eucalipto, pois o Brasil tem a maior área com esse plantio no mundo, e o cacau, cuja praga chamada 'vassoura-de-bruxa' dizima as plantações.
POBRES
Em outra linha estão pesquisas sobre doenças de populações pobres, como o mal de Chagas, micose, esquistossomose e leishmaniose.
Em dezembro de 2001, pela primeira vez na história, se decifrou o DNA de um organismo inteiro de uma região tropical: a bactéria Chromobacterium violaceum.
Ela é encontrada no Rio Negro (Amazônia) e já era conhecida no combate às doenças de Chagas e leishmaniose e também na proteção de plásticos biodegradáveis, controle de pragas agrícolas e na redução de impactos da poluição em áreas de garimpo.
Outro trabalho está voltado para o Paracoccidioides brasiliensis, um fungo responsável pela doença chamada PB Micose, comum na América Latina, de maior incidência na área rural e que provoca complicações pulmonares.
Um outro grupo busca decifrar o código genérico de bactérias fixadoras de nitrogênio, de extrema importância para a agricultura, pois podem reduzir sensivelmente os custos com fertilizantes.
CÂNCER
Por sua vez, dez laboratórios brasileiros estão fazendo o seqüenciamento do genoma da bactéria Mycoplasma hyopneumoniae, causadora da pneumonia de suínos.
Tudo isso sem falar do Genoma Cana, projeto iniciado em 1999 e do genoma Câncer.
A importância do primeiro se revela nos números. A cana de açúcar tem especial significado econômico para o Brasil, que lidera a lista dos 80 países produtores, garantindo 25% da produção mundial.
No País são cultivados aproximadamente 5 milhões de hectares, que produzem mais de 300 milhões de toneladas de cana, utilizadas como matéria-prima na produção de 14,5 milhões de toneladas de açúcar e 15,3 bilhões de litros de álcool.
O setor é responsável por cerca de 1 milhão de empregos diretos na área rural, e outros 300 mil diretos e indiretos na área industrial.
Há 350 unidades industriais, todas privadas e cerca de 50 mil produtores independentes de cana-de-açúcar.
Já o Genoma Câncer proporcionou ao Brasil o segundo lugar no ranking dos países que mais descreveram seqüências genéticas expressas em cânceres, ficando atrás somente do National Câncer Institute (NCI) - que sozinho tem mais verba do que toda pesquisa genética desenvolvida no Brasil.
INÍCIO
Todo esse esforço teve início em outubro de 1997, quando a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), comunicou o início de um projeto ambicioso, que colocaria o Brasil no mais seleto grupo da Ciência mundial.
Com um investimento equivalente a US$ 13 milhões, teve início a aventura para decifrar o código genético da Xyllela fastidiosa.
Para isso, a Fapesp convocou laboratórios e pesquisadores. Esperava-se, na melhor das hipóteses, que o convite atraísse cerca de 20 grupos de pesquisadores. No final, 34 laboratórios foram selecionados, com quase 200 cientistas.
Cada núcleo de pesquisa foi ligado a uma rede, denominada de Onsa (que em inglês são as iniciais de Organização para seqüenciamento e Análise de Nudeolídeo).
O trabalho, o primeiro seqüenciamento genômico de um ser vivo que ataca plantações, foi publicado em 2000 e foi matéria de capa de uma das mais prestigiadas revistas científicas, a 'Nature'.
E é a Fapesp, em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), que financia o projeto Genoma Café, que é coordenado por um engenheiro agrônomo santista (veja matéria na página 3).
O GARANTA HUMANO
O genoma humano é o conjunto de todo nosso material genético presente em nossas células.
A sigla DNA vem de Ácido Desoxirribonucléico - é a molécula da vida. É no DNA que toda a informação genética de um organismo é armazenada e transmitida para seus descendentes.
Em todos os seres vivos, o DNA é formado por uma fita dupla composta por 4 letras - A, T, C e G. Essas letras representam compostos orgânicos: o A é a adenina, o T é a timina, o C é a citosina e o G é a guanina. Se fosse possível esticar esta fita, teríamos 2 metros de DNA. As diferentes combinações destas letras - que chegam a mais de 3 bilhões em cada célula - fazem a variabilidade dos seres vivos.
Seqüências de DNA formam os cromossomos. Cada organismo tem um número diferente de cromossomos. O ser humano, por exemplo, tem 46 (recebemos 23 da mãe e outros 23 do pai).
Já o gene é a parte funcional do DNA. São seqüências especiais de centenas ou até milhares de pares (do tipo A-T ou CG) que oferecem as informações básicas para a produção de todas as proteínas que o corpo precisa produzir.
O QUE O FUTURO DA PESQUISA DO GENOMA HUMANO NOS RESERVA:
- Em 5 anos - Estima-se que o genoma esteja realmente pronto, com a identificação de 100% dos genes.
- Em 10 anos - Testes genéticos estarão disponíveis para o diagnóstico de mais de 25 doenças. A terapia genética começará a ter seus primeiros sucessos.
- Em 20 anos - Já estarão disponíveis os diagnósticos e os tratamentos genéticos, para as doenças mentais. Os geneticistas estarão realizando terapia genética intra-uterina de embriões, sem afetar o restante do DNA do futuro bebe.
- Em 30 anos - Os cientistas conhecerão os mecanismos genéticos envolvidos no processo de envelhecimento. A análise completa do genoma de uma pessoa será um exame comum.
- Em 50 anos - A terapia genética estará disponível para a maioria das doenças. Com os avanços da genética, a expectativa média de vida do homem chegará aos 90 anos.
Notícia
A Tribuna (Santos, SP)