Segundo Patricia Ellen da Silva, secretária de Estado de Desenvolvimento Econômico, a RMVale é de fato uma potência em relação a pesquisa e desenvolvimento no Estado de São Paulo. Ela afirma que a cidade ficou em quarto lugar no estado no ranking do Pipe (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) – programa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que apoia a execução de pesquisa científica e/ou tecnológica em pequenas empresas. “Sem dúvida é uma região com muito potencial, tem um papel estratégico para o Estado e para o Brasil. […] Não existe grande salto em desenvolvimento econômico sem compromisso com o investimento em ciência e tecnologia. É uma via de duas mãos”, afirma a secretária.
“Não existe grande salto em desenvolvimento econômico sem compromisso com o investimento em ciência e tecnologia. É uma via de duas mãos”
Patricia Ellen da Silva,
secretária de estado de Desenvolvimento Econômico
Desde o nascimento do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) em 1950, a RMVale desenvolveu uma forte cultura de pesquisa em ciência e tecnologia, dado às diversas instituições que buscam constantemente a produção de conhecimento. Com um orçamento anual em pesquisas de cerca de milhões de reais, o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) é uma grande referência no país quando o assunto é engenharia, especialmente a aeroespacial.
Anderson Ribeiro Correia, reitor do Instituto, acredita que devido às condições restritivas do orçamento federal, os investimentos na região têm recebido prioridade do governo e as pesquisas têm avançado com bastante seriedade. “Citamos os desenvolvimentos de satélites no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e no ITA, lançador de satélites, pesquisa em hipersônica no IEAV (Institutos de Estudos Avançados) e a prestação de serviços tecnológicos no IFI (Instituição Fiscal Independente)”, afirma.
“Trabalhamos recentemente em um projeto de radar para aeronaves de caça e lançamos há um ano um pequeno satélite, desenvolvido por alunos e professores”
Anderson Ribeiro Correia,
reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica
Algumas empresas da região, como a Embraer, Avibras e outras sediadas no Parque Tecnológico também possuem projetos igualmente relevantes. As pesquisas são desenvolvidas com grande apoio dos alunos de graduação e pós-graduação do ITA, com a supervisão e gestão dos professores e pesquisadores. Anderson cita alguns exemplos de como os estudos fortalecem o desenvolvimento de conhecimento na região. As pesquisas em manufatura avançada apoiam a Embraer na produção de aeronaves de forma mais eficiente, reduzindo o tempo e o custo da produção. “Trabalhamos recentemente em um projeto de radar para aeronaves de caça e lançamos há um ano um pequeno satélite, desenvolvido por alunos e professores, que já está em órbita desde então, fornecendo dados relevantes para pesquisas ligadas ao clima espacial”, finaliza o reitor.
As universidades reforçam a vocação tecnológica da região. Algumas cidades são muito fortes em ciência e tecnologia e ajudam a formar profissionais altamente capacitados e inovadores.
Segundo o Professor Doutor em Matemática Aplicada Luiz Leduino de Salles, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo – em São José dos Campos), essa massa de jovens qualificados aumenta muito a competitividade das empresas da região e gera novos empreendimentos, num ciclo virtuoso de crescimento. “O principal vetor do desenvolvimento científico e tecnológico é a formação de novos cientistas, engenheiros, técnicos e tecnólogos. Com profissionais bem formados, um adequado ambiente de negócios, uma atuação conjunta do poder público, do setor empresarial e das instituições de ensino e pesquisa, o desenvolvimento e a inovação floresce”, afirma o professor.
Atualmente, são mais de 600 cientistas da Unifesp trabalhando nas áreas de tecnologia da informação, ciência de dados, engenharia de materiais, engenharia biomédica, biotecnologia, inteligência artificial e matemática. O acadêmico alerta, porém, que é preciso investimentos fortes em pesquisa, educação e tecnologia para o sistema continuar funcionando bem e gerando emprego. “É preciso financiamento público adequado, o que não tem ocorrido nos últimos anos”.
“O principal vetor do desenvolvimento científico e tecnológico é a formação de novos cientistas, engenheiros, técnicos e tecnólogos”
Luiz Leduino de Salles,
professor doutor em Matemática Aplicada da Unifesp
O principal resultado das pesquisas da Unifesp é a formação de jovens com conhecimento científico e tecnológico, capazes de resolverem problemas complexos de forma criativa e inovadora. Na análise do educador, há alguns estudos importantes da universidade em desenvolvimento; “Há projetos para cura de doenças e de novos materiais, para aumentar eficiência da indústria nacional”. Luiz de Salles ressalta ainda que as pesquisas se multiplicam através de novos cientistas. “Alguns estão criando novas empresas, que entregam soluções para a melhoria da vida da população e geram novos empregos”.
A Harpia Health Solutions, criada em 2019 por estudantes e ex-alunos da Unifesp, sediada no Parque Tecnológico, é uma empresa de desenvolvimento de plataformas online de sistemas de gestão e auxílio ao diagnóstico de exames de imagens médicas. “O trabalho desses jovens está ajudando na agilidade e confiabilidade do diagnóstico através de tecnologias de processamento de imagens e inteligência artificial”, esclarece o professor.
Como a Harpia, segundo o professor, existem várias outras empresas criadas por estudantes da Unifesp, ITA, Unesp, Fatec, com o mesmo objetivo. “Se o poder público oferecer um suporte minimamente adequado, o Vale da Tecnologia terá ainda mais impacto social e econômico na região e no Brasil”.
Pesquisa & Desenvolvimento na iniciativa privada
Com a presença de universidades e institutos de tecnologia, a cultura de pesquisa tem se fortalecido ano a ano e já teve muitos resultados positivos, não somente em instituições públicas, mas também nas privadas. Um exemplo de resultados é a Johnson & Johnson de São José dos Campos – onde está localizado um dos cinco centros globais de Pesquisa & Desenvolvimento (CPD) no mundo.
De acordo com Fabiana Gargaro, vice-presidente de Pesquisa & Desenvolvimento da Johnson & Johnson para a América Latina, um dos produtos mais conhecidos da J&J foi reformulado na unidade joseense, o famoso shampoo ‘Johnson’s Baby – chega de lágrimas’.
“A fórmula chega de lágrimas do icônico shampoo para bebês foi reformulada por uma equipe de cientistas de São José dos Campos. Eles conseguiram elevar ainda mais a barra da pureza e suavidade usando mais de 90% de ingredientes de origem natural entre outras mudanças. Essa nova fórmula é usada no mundo todo”, conta Fabiana.
Na Univap (Universidade do Vale do Paraíba) de São José dos Campos, por exemplo, são desenvolvidas pesquisas em diversas áreas do conhecimento. Uma pesquisa na área da saúde apresentou bons resultados recentemente. Segundo o Professor Doutor em Fisioterapia Alexandre Oliveira, há oito anos, um grupo de pesquisadores da Univap iniciou um estudo experimental sobre tratamento com laser e membrana amniótica em casos de lesão medular – que causam paraplegia e/ou tetraplegia. O método foi aplicado em ratos – o procedimento seguiu normas e teve a aprovação comitê de ética. “Os resultados foram publicados em 2014 e recentemente em revistas internacionais onde demostramos a efetividade tanto do laser como também a membrana amniótica na parte de melhora de locomoção nos animais experimentais. […] Nos resultados obtidos observamos melhoras da funcionalidade desses animais em grupos tratados”, disse o professor.
Alexandre destaca que não há grandes avanços ou tratamentos médicos revolucionários para casos de paraplegia e tetraplegia, e que qualquer nova solução que dê pelo menos um pouco mais de autonomia para as pessoas lesionadas pode melhorar bastante a parte motora e sensitiva desses pacientes e, consequentemente, a qualidade de vida deles. “Há uma incidência muito grande de uma doença que gera incapacidade funcional de pessoas, principalmente as tetraplégicas. O que move isso tudo é que a qualidade de vida dessas pessoas tende a melhorar bastante. Hoje não existe um tratamento revolucionário, ninguém viu o Christopher Reeves*, o Superman, andar, então o acesso de pessoas tanto de baixa quanto de alta renda é a mesma”, comenta.
Segundo o professor, a próxima etapa da pesquisa é montar um grupo de trabalho no Brasil, responder algumas questões que ficaram em aberto e posteriormente verificar a possibilidade de iniciar estudos pré-clínicos. Os pesquisadores da Univap já fizeram contato com alguns neurocirurgiões e também levaram os resultados da pesquisa a congressos de laser em Florença na Itália para serem discutidos internacionalmente.
Após um 2019 de contingenciamentos e problemas orçamentários, a pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico busca manter-se vivo em 2020. Há uma sinalização de que os investimentos serão pelo menos mantidos. A previsão inicial do orçamento do MCTIC para 2019 era de R$ 15,36 bilhões, porém, após diversos contingenciamentos, o ministério gastou R$ 9,34 bilhões – R$ 6,02 bilhões a menos. Com remanejamento de verbas, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) – órgão do Governo Federal que tem como principal atribuição fomentar a pesquisa científica e tecnológica – acabou sentindo menos esse impacto. Era previsto que o orçamento do conselho fosse de R$ 1,23 bilhão e o ano de 2019 terminou com R$ 1,39 bilhão de despesas executadas.
“Quando se fala que o governo tem que sair fora de tudo, e não tem que financiar nada, isso aí é deixar o caos tomar conta. É necessário o governo ter sua parcela, direta ou indireta, nas pesquisas”
Marco Antonio Raupp,
diretor geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos
O ano de 2020 começou com ar otimista em relação às previsões orçamentárias. O orçamento do MCTIC previsto para este ano é de R$ 16,8 bilhões – quase 80% a mais do que a verba empenhada na pasta no ano anterior. Os investimentos do CNPq também tiveram um aumento significativo com orçamento de R$ 2,42 bilhões para 2019 – cerca 74% acima do valor empenhado no conselho em 2018. Em 2019, o valor empenhado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em bolsas de estudo foi de aproximadamente R$ 3,4 bilhões. Para 2020, esse orçamento teve uma queda de aproximadamente 30%, com previsão de investimento de R$ 2,3 bilhões.
Apesar dos méritos da Ciência brasileira, o histórico do país em relação a investimentos está muito distante dos países desenvolvidos. Segundo um levantamento da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) publicado em 2019, governos de países da América Latina, incluindo o Brasil, investiram em média 3,5% de seu PIB (Produto Interno Bruto) em Pesquisa & Desenvolvimento entre 2010 e 2016, enquanto países da América do Norte e Europa investiram cerca de 48,6% – mais de 10 vezes. Segundo Marco Antonio Raupp, diretor geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (2012-2014), é essencial que o governo volte a investir mais em pesquisa, e que todo esse conhecimento seja revertido em um sistema produtivo. “Cerca de 95% das pesquisas no Brasil são financiadas pelas entidades públicas. As entidades privadas, raras exceções, fazem pesquisa”, afirma Raupp.
O diretor relata que o último investimento do governo federal no Parque foi feito em 2014, com uma verba total de R$ 16 milhões. Raupp enfatiza que atualmente a maior parte da verba do Parque vem de empresas privadas e da prefeitura. A Prefeitura responde por 40% dos custeios do Parque, e os outros 60% recebem contribuições de empresas. O ex-ministro acredita que a chave para o sucesso no âmbito cientifico e tecnológico é a parceria entre público e privado. Segundo ele, estimulando a relação entre pesquisas e academias com empresas, é possível transformar ciência e tecnologia em produtos e negócios. “Quando se fala que o governo tem que sair fora de tudo, e não tem que financiar nada, isso aí é deixar o caos tomar conta. É necessário o governo ter sua parcela, direta ou indireta, nas pesquisas”, diz.
Raupp afirma que é preciso investir em ciência básica e fundamental nas universidades e também em pesquisa direcionadas para empresas privadas e públicas. Mais que investimento em tecnologia, Raupp acredita num processo onde a educação vai ser o alicerce do crescimento do país. “Não é só em tecnologia, ciência e desenvolvimento, é se comprometer em investir em educação”, diz Raupp.