Duas histórias de novos empresários de sucesso rápido são exemplos de como se processa e se movimenta o principal negócio do Vale do Silício: a abertura de empresas, como mostra o terceiro artigo, de uma série de seis, do relatório da The Economist, que estamos publicando
À primeira vista, Kim Polese e Michael Skok têm pouco em comum. Polese é uma californiana esguia de Berkeley, que gosta de dançar jazz. Skok é um inglês atarracado que, de terno, poderia ser tomado por dono de um banco de investimentos. Os dois, porém, estão na faixa dos 30 anos de idade e dirigem, no Vale do Silício, empresas recém-criadas de serviços ligados à Internet. As histórias de Polese e Skok ilustram como se movimenta o núcleo dos negócios do vale, ou seja, a abertura de empresas, e como isso está mudando.
Skok é daqueles espécimes raros, um europeu que não pode parar de abrir empresas novas. Ele fundou a sua primeira quando ainda era estudante na Nottingham Business School. Mais recentemente, porém, ele fundou a European Software Publishing (ESP), empresa que divulga, na Europa, produtos de software (principalmente americanos), sob licença. Em 1993, ele instituiu um grupo de pesquisa dentro da ESP para ir em busca de seu pressentimento: o de que os clientes queriam ser capazes de montar suas próprias soluções de software, com blocos que se juntassem, como os de um brinquedo da Lego.
Em 1995, Skok liquidou a ESP, recebendo a pesquisa do "Lego" como pagamento parcial. Então, com US$ 6 milhões de capital de investimento, ele fundou a AlphaBlox, uma nova empresa de kits de ferramentas de software.
A sede da antiga empresa de Skok era no Vale do Tâmisa, um dos centros tecnológicos da Europa, sem efeitos danosos visíveis. Mas Skok estava preocupado com o efeito do cartão de visita sobre seu novo empreendimento: "Se um cliente se encontrar com dois empresários, cada um deles com tecnologia igualmente boa, ele ainda levará a criada nos EUA mais à sério do que a européia". O empresário inglês estava a ponto de assinar uma locação de um site em Boston, quando um dos seus patrocinadores o convenceu a dar uma olhada no Vale do Silício. Nos três dias seguintes, em Palo Alto, Skok continuou a se encontrar com clientes e empregados potenciais. Para ele, a opção era simples: "Você ou é uma das pessoas que fazem a roda girar, ou uma das que estão do lado de fora, sendo girados por ela".
Parcerias
Em seguida, Skok descobriu que fundar um negócio podia ser fácil. Abrir uma conta no Silicon Valley Bank levava alguns dias, e em uma semana era possível obter crédito para a compra de equipamentos. Contadores, advogados e "head-hunters" especializados ofereceram taxas reduzidas; corretores imobiliários disseram que aceitariam ações da empresa de Skok, em vez de comissões. No espaço de um mês, um antigo armazém se transformou em um escritório adequado ao estilo "siliciano", dividido em cubículos amarelos e cor-de-rosa - e tudo por um aluguel de um ano, renovável. Se estivesse no Vale do Tâmisa, Skok teria de assinar um contrato de locação por 25 anos. Skok também percebeu que até mesmo alguns dos seus clientes estavam interessados em participar do empreendimento. "A maioria deles também era de empresários principiantes, e sabia como ajudar". Gigantes californianos como a Hewlett-Packard têm sempre encarado as novas empresas como um investimento potencial, em vez de uma potencial dívida em liquidação. Quando vazaram as notícias de que um dos clientes de Skok, a Netscape, obtivera uma pequena participação na AlphaBlox, Skok viu-se submerso em propostas de trabalho e convites para tomar café da manhã. Polese fora responsável pela comercialização do projeto do software Java, da Sun Microsystems. Dois anos atrás deixou a Sun, com alguns colegas, para fundar a sua própria empresa relacionada ao Java, a Marimba (que recebeu o nome do instrumento musical).
O principal programa da Marimba, o Castnet, é um produto chamado "push". A tecnologia "push" permite que as pessoas recebam programas, páginas na Web, updates e assim por diante, em vez de ter de "puxar" o material para os seus computadores. Por exemplo, em vez de ter de sair e "comprar" o seu The Wall Street Journal eletrônico todos os dias, os usuários podem tê-lo diretamente no seu computador. O mercado potencial para a Marimba é enorme, e a tecnologia da empresa é considerada tão boa quanto a de qualquer outra. Mas há outra razão pela qual Polese tem uma boa probabilidade de sucesso: uma série de investidores em empresas de primeira linha, assessores e parceiros empresariais que ela reuniu atrás de si. O principal financiador da Marimba é um fundo especial do Java de US$ 100 milhões, formado pela Kleiner Perkins Caulfield & Byers. Os parceiros empresariais do fundo incluem a IBM, a Netscape e a Oracle. Polese tem a bênção pessoal de John Doerr, o dono da Kleiner Perkins, que é visto como alguém que pode construir e destruir carreiras.
Isso pode soar como uma descrição exagerada do poder de Doerr. Muitos afirmariam que os grandes escritórios de advocacia do Vale do Silício - como Brobeck Phleger, Gunderson Dettmer, The Venture Law Group e, especialmente, Wilson Sansini Goodrich - são pelo menos tão poderosos quanto os seus investidores de risco. Afinal de contas, empresários como Polese chamariam primeiro o seu advogado, que escolheria o investidor de risco, mais adequado.
Entretanto, há vantagens consideráveis em se associar a um investidor de risco de primeiro escalão ou a um parceiro empresarial. Em primeiro lugar, isso os impede de apoiar uma empresa rival. E, mais importante, esses parceiros podem ajudar os novos empresários a encontrar funcionários e clientes, tome-se, por exemplo, a agenda de Jim Breyer, da Accel, outra proeminente empresa de capital de risco (que dava respaldo à AlphaBox): um dia normal inclui não apenas uma reunião do conselho de administração e algumas demonstrações de vendas por prováveis clientes, mas também um café da manhã com um engenheiro a quem Breyer espera atrair para uma das "suas" empresas, e um almoço para apresentar uma delas a um grande cliente em potencial.
Em outras palavras, além de todo o "tecnofalatório", o Vale do Silício é um "empreendimento de pessoas", em que os bons clientes e investidores trazem os seus fichários e seus talões de cheques, e nos quais o almoço é importante. Chuck Robel, um dos principais contadores do Vale do Silício, tem cinco números de telefones para contato e um endereço de e-mail no seu cartão de visita, para garantir que os seus clientes o encontrem. Tanto Skok como Polese são parte de amplas redes, que se tornaram mais importantes agora, quando a "saída estratégica" das novas empresas bem-sucedidas (o que os proprietários farão em seguida) parece estar mudando.
Antigamente, as pessoas que abriam uma empresa sonhavam em se tornar um Bill Gates, agora, elas sonham cada vez mais em vender a ele. No ano passado, a Microsoft gastou US$ 750 milhões comprando ou obtendo uma participação em pequenas empresas que operam com a Internet. A Intel, que tem uma nova unidade especial de criação, e especialmente a Cisco Systems, a companhia em franca expansão que tem 80% do mercado de roteadores para redes, estão também comprando participações e empresas. A Cisco, que comprou ou investiu em 25 empresas nos três últimos anos, deverá fazer uma outra dúzia de negócios neste ano. A 3Com e a Bay Networks, principais concorrentes da Cisco, também vêm comprando empresas à esquerda, no centro e à direita. Dan Case, principal executivo da Hambrecht & Quist, diz que, no ano passado, o seu banco de investimento operou mais de 50 "takeovers"; neste ano, ele espera que esse número aumente em 40%. Por que essa corrida? Os "outsiders" dizem que os compradores têm muitíssimo dinheiro e os vendedores são movidos pela ganância. Mas Case argumenta que as aquisições são normalmente do interesse estratégico de ambas as partes.
A tecnologia esta agora avançando numa ampla frente que até mesmo uma empresa muito grande não pode manter-se em todos os setores. As aquisições evitam que as grandes companhias sejam superadas. Por exemplo, quando a IBM, no ano passado, comprou a Tivoli, a empresa mais promissora da área de software de Austin, Estado do Texas, o preço de compra de US$ 743 milhões refletia tanto o dinheiro quanto o tempo que a IBM teria tido de gastar para fazer a sua própria pesquisa e desenvolvimento que a Tivoli fez.
Do ponto de vista da empresa de pequeno porte, liquidar o negócio soluciona o problema de distribuição. Isto porque o mercado de tecnologia está avançando tão rapidamente que uma empresa emergente com freqüência tem somente uma curta liderança sobre as suas concorrentes - seis meses se ela tiver sorte. Os produtos agora são lançados num mercado mundial muito mais simultaneamente, e os clientes esperam pela prestação de serviços posteriormente às vendas. A empresas de grande porte, com redes de distribuição firmadas, linhas telefônicas de atendimento, podem muitas vezes extrair mais dinheiro do mercado do que a própria companhia emergente poderia fazê-lo. Por exemplo, as vendas da Combinmet, empresa da área de acesso remoto, triplicou sob o controle da Cisco.
HOLLYWOOD
Muitas vezes o medo de uma grande empresa forasteira atira uma pequena empresa nos braços de uma de porte médio. A perspectiva de a Microsoft e a IBM atacarem seu mercado foi um dos motivos pelos quais a Collabra, uma especialista em "groupware" ("softwares" de rede criados para grupos), pulou nos braços da Netscape. Desde que passou a ser negociada em bolsa, a Netscape também comprou três outras empresas emergentes — a Netcode, a InSoft e a Paper Software. A Cisco pode ter empurrado a Alantec para os braços de ainda outra companhia de rede de crescimento acelerado, a Fore Systems — embora a própria Fore esteja sendo ventilada atualmente como sendo uma candidata a "take over".
Continua sendo possível saltar rapidamente para a primeira divisão: a Cisco, e talvez a Netscape, deram esse salto. No entanto, o padrão emergente é um tanto parecido com o sistema de estúdios de Hollywood, com as grandes companhias ainda responsáveis por parte de sua própria produção criativa, mas atuando principalmente como distribuidoras junto aos banqueiros das idéias das companhias menores. As produtoras independentes menores são afrontosamente bem-remuneradas em vista do que trabalham. O Vale do Silício não dá importância a comparações com a vulgar Hollywood, e é verdade que a tecnologia é um produto que muda muito mais rapidamente do que o entretenimento. Mas a diferença não é tão grande quanto o Vale do Silício gosta de imaginar. Os estúdios de Hollywood trabalham com o princípio de que "ninguém sabe nada" (o que quer dizer que não existe qualquer fórmula segura para se fazer um filme de sucesso estrondoso). A atual estrutura dos estúdios é concebida para reduzir o risco pela disseminação das apostas — muito semelhante à maneira pela qual se fazem negócios no vale.
Para Skok e Polese, sua estratégia de sucesso não é um assunto por enquanto. Em vez disso, eles falam abertamente sobre montarem suas companhias, e sobre os problemas de se administrar o crescimento num lugar em que cada idéia, engenharia ou construção nova parece desencadear uma batalha de propostas. Polese brinca que seu maior erro até agora foi não comprar o escritório ao lado. Mas ambos os empresários mostram-se inflexíveis quanto a um ponto: eles nem sonhariam em começar uma companhia em qualquer outro lugar.
Notícia
Gazeta Mercantil