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Publicado em 01 julho 2011

Por Eduardo Nunomura

A zona norte do rio de janeiro é conhecida pela concentração de favelas e pelo noticiário policial. Recentemente, porém, investimentos estrangeiros de uma categoria sofisticada - os destinados a atividades de pesquisa e desenvolvimento - começaram a afluir à região. O foco de atração desse dinheiro é a Ilha do Fundão, criada artificialmente na década de 50 por meio da interligação de oito ilhas na baía de Guanabara e planejada para abrigar a sede da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nos anos 70, a Petrobrás instalou na ilha seu centro de pesquisas, o Cenpes, que, ampliado em 2010, se tornou um dos maiores pólos de pesquisa aplicada de petróleo do mundo, com laboratórios de estudo do pré-sal. Na cola da Petrobrás, há pouco mais de um ano, multinacionais passaram a disputar espaço na ilha para abrigar seus centros de P&D. A primeira ase instalar foi a francesa Schlumberger, prestadora de serviços de perfuração. Em seguida vieram as americanas FMC, Baker Hughes, Halliburton e GE e a argentina TenarisConfab, todas ávidas por participar da exploração do petróleo brasileiro. Juntas, essas empresas anunciaram investimentos de 760 milhões de reais. "A exigência de conteúdo nacional para participar das licitações do setor de petróleo e gás tem atraído as multinacionais", diz Renata Cavalcanti, subsecretária de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro. Além das estrangeiras, há cerca de 30 empresas brasileiras, entre pequenas e grandes, fazendo pesquisa na Ilha do Fundão - apelidada de "Vale do Silício do pré-sal", numa alusão à região na Califórnia que se tornou sinônimo de inovação na área de tecnologia.

Como a área da Ilha do Fundão é insuficiente para tanta demanda, o governo do Rio negocia com o Exército a compra de um terreno de 200 000 metros quadrados na vizinha Ilha do Bom Jesus. E para lá que deve ir um novo centro de P&D da L'Oréal, fabricante francesa de cosméticos que vem sendo cortejada há três anos pelo governo do Rio. Uma das últimas empresas que conseguiram um terreno no Fundão foi a GE. Em novembro de 2010, a empresa anunciou um investimento de 100 milhões de dólares para criar ali seu quinto centro mundial de P&D, onde vão trabalhar 200 pesquisadores. Será o segundo maior laboratório científico do grupo fora dos Estados Unidos — o maior fica na China. O novo centro da GE desenvolverá tecnologias para óleo e gás, energias renováveis, mineração, transporte ferroviário e aviação. "Investir em P&D é a mais consistente mensagem positiva que uma corporação pode passar a um país", diz João Geraldo Ferreira, presidente da GE no Brasil. "Isso mostra que estamos trabalhando voltados para o longo prazo."

Por muito tempo, abrigar centros dessa envergadura foi um privilégio de economias de elite, com mercados e infraestrutura suficientemente parrudos para suportá-los. Mas, como todos sabem, abalança do crescimento mundial vem pendendo para o lado dos emergentes - e o conhecimento produzido por algumas das maiores companhias do mundo passou a seguir esse movimento. Brasil, China, índia, Coreia do Sul e Rússia - os grandes nomes entre os emergentes - são os países que mais têm se beneficiado dessa nova fase da pesquisa e do desenvolvimento. Com o aumento da escala de suas economias, passou a valer a pena realizar pesquisas localmente e gerar produtos adaptados a esses mercados. Em 2010, os centros de pesquisa no Brasil receberam cerca de 14 bilhões de reais, incluindo capitais de empresas nacionais e estrangeiras. A previsão é que em 2011 o investimento alcance 17 bilhões de reais, um avanço de 21%. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade que reúne os países mais desenvolvidos, o Brasil aplicou em 2009 o equivalente a 1,2% do produto interno bruto em pesquisa. A taxa é inferior à da China (1,6% do PIB), mas superior à de Rússia (1,1%) e índia (0,9%). Por ser a maior economia da América Latina, o Brasil recebe mais atenção das multinacionais do que os países vizinhos. De cada 100 dólares investidos em P&D na região, 60 são destinados aos centros brasileiros.

O setor de energia é o que mais atrai as multinacionais - mas não é o único. Numa disputa entre vários países, o Brasil levou a melhor e recebeu o nono laboratório mundial da IBM Research, braço de pesquisa da empresa americana de produtos digitais. Em abril, foi inaugurado um centro da IBM no Rio de Janeiro - e deverá haver outro em São Paulo -, onde serão desenvolvidas tecnologias para exploração de recursos naturais, logística de grandes eventos, informática e microeletrônica. A IBM deve montar uma equipe com 100 pesquisadores de alto nível nos próximos cinco anos. Há 18 anos seguidos, é a empresa que mais registra patentes no mundo (foram 5 896 em 2010). Um quarto dessas patentes tem origem em laboratórios como o que será criado no Brasil. "Há um novo clima de incentivo para a realização de pesquisas no Brasil", diz Cláudio Pinhanez, gerente da área de pesquisas em sistemas e serviços da IBM Research Brasil. "O país é fundamental para a nossa estratégia."

A recessão mundial de 2008 e 2009 colaborou para melhorar a distribuição global dos investimentos em P&D. Até agora, a maioria das economias avançadas não voltou a investir em pesquisa nos níveis de antes da crise. A retomada está sendo feita em países como o Brasil. "Estamos numa posição privilegiada. Somos um parceiro menor em comparação com China e índia, mas com condições reais de atrair o investimento estrangeiro em P&D", diz o pesquisador Sergio Queiroz, coordenador adjunto de pesquisa para inovação da Fapesp, fundação do governo paulista para o incentivo à pesquisa.

As multinacionais ampliam e sofisticam as atividades nos países emergentes por enxergai- neles novas formas de reduzir custos, evitar a duplicação de esforços e aumentar a eficiência. No Brasil, o mercado de consumo é a primeira motivação para a instalação de vários laboratórios. Para contar com centros mundiais de P&D atraídos pela qualidade do ensino de tecnologia, e não só pelo tamanho do mercado, o Brasil precisaria fazer a lição de casa. A China fez e está colhendo os frutos. A imagem de país que só fabricava cópias de produtos de outros está ficando para trás. Os investimentos em P&D chineses avançam no mesmo ritmo do crescimento econômico, acima dos 10% anuais. Em duas décadas, a China deve alcançar os Estados Unidos nessa área. Os americanos ainda produzem seis vezes mais patentes do que os chineses, mas a diferença vem diminuindo - há oito anos, a proporção era de 28 para 1. Hoje, já há mais cientistas chineses do que americanos no planeta. Invertendo a rota do capitalismo, corporações chinesas estão internacionalizando os laboratórios de pesquisa. Na viagem da presidente Dilma Rousseff à China em abril de 2011, a Huawei, do setor de telecomunicações, anunciou que vai investir 300 milhões de dólares em um núcleo de P&D em Campinas, no interior de São Paulo.

Os investimentos nos centros de pesquisa brasileiros já produziram resultados que mudaram o mercado. A alemã Bosch destina anualmente 4% da receita a seus dois centros de P&D no Brasil. Foi no laboratório de Campinas (o outro fica em Curitiba) que a empresa desenvolveu o motor flex fuel, uma invenção que transformou a matriz energética brasileira. A tecnologia vinha sendo desenvolvida desde os anos 80, mas só chegou ao mercado em 2003. "Com a inovação, a Bosch se tornou um centro de competência mundial para a energia do etanol", diz Besaliel Botelho, vice-presidente executivo da Robert Bosch América Latina. "A inovação tecnológica está presente nas empresas e hoje competimos de igual para igual com os estrangeiros." A companhia, que lá fora registra 14 patentes por dia, desenvolve agora versões alternativas para os motores flex (diesel-etanol e diesel-gás), sistema de partida a frio e o engenhoso sistema start-stop, que desliga e religa o motor automaticamente durante os congestionamentos, reduzindo a emissão de dióxido de carbono. Todas as invenções virarão patentes verde-amarelas.

Trata-se de um feito - inovar custa caro e é um processo demorado. Na americana DuPont, de cada 1000 ideias que são desenvolvidas, 100 viram pré-projetos. Desses, dez tornam-se projetos e só um vinga como sucesso comercial. "Trabalhamos com a incerteza da tecnologia, mas com a certeza do mercado", diz John Jansen, vice-presidente de P&D da DuPont. A empresa destina para pesquisas 6% da receita no Brasil, de 2,2 bilhões de dólares em 2010. "Nos últimos dez anos, desde que começamos um esforço pela inovação, a taxa de crescimento da empresa é três vezes a do PIB do Brasil", afirma Jansen. A DuPont atua em quatro áreas: alimentação, energias renováveis, tecnologias para países emergentes e segurança. Um dos produtos gerados pela pesquisa no Brasil é a blindagem econômica de carros. Custa a partir de 19 000 reais - cerca de metade do preço de uma proteção convencional. Feita de kevlar (uma fibra sintética) e outros materiais combinados, a nova blindagem reduz o impacto ambiental e aumenta pouco o peso do veículo.

A Pfizer está iniciando a expansão das atividades de P&D no Brasil com o objetivo de produzir novos remédios que atendam o mercado local. Mundialmente, é uma das empresas que mais investem em inovação tecnológica, cerca de 8 bilhões de dólares do faturamento anual de 68 bilhões. Fora da Europa e dos Estados Unidos, só a China possuía projetos da multinacional nessa área. A meta é fazer aqui pesquisas de maior complexidade. Atualmente, há 43 moléculas sendo pesquisadas pela Pfizer no Brasil, além de 79 estudos com 369 instituições parceiras, envolvendo 8 000 pacientes. Alguns dos centros de pesquisa das multinacionais dedicam-se hoje a projetos de abrangência global. A americana 3M, que investe 40 milhões de dólares por ano em inovação no Brasil e tem meta de chegar a 90 milhões de dólares até 2015, inaugurou há três anos um centro de P&D de classe global em Sumaré, no interior paulista. O laboratório permite que a subsidiária se envolva em projetos voltados para toda a corporação. Um dos produtos criados recentemente no Brasil foi o ACCR, um condutor de alumínio reforçado que dobra a capacidade das linhas de transmissão de energia e diminui a necessidade de instalação de novas torres. O produto já está presente em linhas de transmissão na Marginal Pinheiros, em São Paulo, e até em Mumbai, na índia, para onde foi exportado. "A mesma estratégia agressiva de investimento que iniciamos na China há 16 anos está sendo adotada agora no Brasil", diz Chris Olson, diretor de P&D da 3M.

Se até recentemente a área de pesquisa no Brasil sofria com a falta de verbas, o problema agora é como gastar bem o dinheiro. A proporção de investimentos anuais para cada pesquisador brasileiro é de 173 000 dólares, valor próximo à média da Coreia do Sul e mais que o dobro do que dispõem chineses ou russos. Uma série de leis que reduzem impostos das empresas que investem em inovação tem gerado mais recursos para P&D no país. A renúncia fiscal deverá chegar, neste ano, a 6,5 bilhões de reais, 590% mais que em 2002. Duas leis se destacam: a da Informática, de 1991 e reeditada em 2001, e a chamada Lei do Bem, de 2005, que cortou tributos dos computadores. "Uma demonstração da eficácia das regras é que o preço do computador no Brasil caiu. A P&D se tornou obrigatória e funcionou muito bem", diz Eva Stal, professora da Uninove que estuda o assunto. "A China faz isso há anos e todo mundo quer ir para lá."

Mesmo com mais dinheiro disponível, permanece um dos maiores entraves para levar adiante a pesquisa no país: a escassez de profissionais. O número de doutores no Brasil não chega a um terço do total da Coreia do Sul. Nos últimos anos, além da carência de profissionais de alto nível, a questão cambial subiu na lista de queixas dos empresários. "Este é um momento crítico", diz Botelho, da Bosch. Ele luta para trazer 100 milhões de dólares para o Brasil neste ano, mas está sendo difícil convencer a matriz a manter o projeto - sai mais barato investir em outros países, como o México. Outro problema recorrente é a burocracia. Um executivo de uma empresa que pediu para não ser identificado relatou que, há pouco tempo, a matriz decidiu doar um laboratório inteiro à subsidiária brasileira, com equipamentos para pesquisa de ponta. Mas descobriu que isso não seria possível por se tratar de máquinas semi-novas. Resultado: o maquinário seguiu para a índia, que recebeu de braços abertos a doação. Um pouco de inovação na máquina governamental brasileira cairia muito bem.