Agência Fapesp
O sociólogo Gláucio Soares, do Iuperj, destaca que a escalada da violência poderia diminuir com mais trabalhos científicos na área
A cada ano, cerca de 130 mil pessoas perdem a vida no Brasil por causa dos mais diversos tipos de violência. Foi com esse dado que o sociólogo Gláucio Soares abriu sua palestra no 6º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, nesta quarta-feira (30/7), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O pesquisador, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), atribuiu as responsabilidades pelo problema não somente ao poder público, mas também ao cidadão e até à comunidade acadêmica. Segundo ele, o conhecimento científico tem um impacto importante na redução dos índices de violência.
Soares criticou a falta de estudos ligados ao tema e relacionados ao Brasil ou à América do Sul. “Se fizermos um levantamento nos trabalhos de mestrado e doutorado em ciências políticas em todo o país, teremos a impressão de que alguns países não existem”, disse o pesquisador. Paraguai, Peru, países da América Central, nações africanas –, com exceção da África do Sul –, e regiões do próprio Brasil são algumas das omissões que destacou na produção acadêmica nacional.
“Alagoas, por exemplo, é um dos estados mais violentos e simplesmente não sabemos o que está acontecendo lá”, disse. O preço dessa omissão, segundo ele, é maior do que as vidas tiradas anualmente, pois ainda é preciso considerar os feridos e as demais seqüelas deixadas pela violência.
No entanto, para Soares, não adianta ter dados se não houver ações de governo. Para ele, as políticas públicas são “fios invisíveis”, uma vez que sua percepção por parte da sociedade é sutil, embora façam muita diferença.
Segundo o sociólogo, essas políticas envelhecem e precisam ser renovadas. Como exemplo do processo de obsolescência mencionou o código de trânsito brasileiro de 1961, que reduziu constantemente os acidentes fatais até o fim da década de 1970, quando o número de ocorrências se estabilizou.
“Quando um novo código de trânsito foi adotado, em 1997, o número de mortes caiu dramaticamente, mais uma vez. Foram mais de 4 mil vidas salvas somente no primeiro ano de implantação”, afirmou.
Ação acadêmica
Como exemplo de colaboração acadêmica e cidadã contra a violência, Soares citou um trabalho que coordenou na Universidade de Brasília (UnB) na década de 1990, quando seis alunos se voluntariaram para levantar dados a respeito das mortes no transporte público na capital federal. Ao sair em campo, os estudantes constataram que a maioria dos acidentes se dava nos ônibus no momento em que o passageiro desembarcava do veículo.
A solução proposta foi a adoção de um equipamento mecânico que impedia que o motorista movimentasse o veículo com a porta aberta. Entretanto, somente as empresas públicas de transporte adotaram a tecnologia, fazendo o número de fatalidades entre eles cair a zero. Nas companhias privadas, as mortes continuaram.
“Essas empresas, que são licenciadas pelo poder público, não se moveram pelo interesse da sociedade”, apontou Soares, colocando a responsabilidade pela violência também sobre a iniciativa privada.
A recém-criada “lei seca” nacional, que pune os motoristas flagrados embriagados, também foi mencionada como exemplo de medida respaldada em fatos científicos.
“O álcool está diretamente associado à questão da violência doméstica, do trânsito e aos homicídios”, afirmou o pesquisador citando exemplos das cidades de Bogotá, na Colômbia, e Diadema, na Grande São Paulo. Ambas tinham índices de violência alarmantes e adotaram medidas de restrição ao álcool, como a lei apelidada de “fecha-bar” na cidade paulista.
Adotada em 2001, a lei que proíbe o funcionamento de bares após as 23 horas ajudou a tirar Diadema dos primeiros lugares no ranking das cidades mais violentas do Brasil, resultando em uma redução de 68% da taxa de homicídios no município.
Bogotá, por sua vez, foi governada por rivais políticos que se revezaram no poder, mas que mantiveram as políticas de sucesso dos antecessores. “Foram políticas de Estado e não de governo, por isso deram certo”, disse o pesquisador.