Pouco mais de seis meses desde o registro do primeiro caso da Covid-19, causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), em Wuhan na China, cientistas estudam mais de 140 vacinas contra o vírus. Atualmente, 13 vacinas estão em fase de testes em humanos, segundo o Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). A notícia é otimista, porém ainda há um longo caminho a percorrer.
Para que as vacinas possam ser comercializadas e distribuídas para imunização da população, elas precisam passar por três fases de testes:
Fase 1: avaliação preliminar com poucos voluntários adultos monitorados de perto;
Fase 2: testes em centenas de participantes que indicam informações sobre doses e horários que serão usados na fase 3. Pacientes são escolhidos de forma randomizada (aleatória) e são bem controlados;
Fase 3: ensaio em larga escala (com milhares de indivíduos) que precisa fornecer uma avaliação definitiva da eficácia/segurança e prever eventos adversos; só então há um registro sanitário.
Apenas duas vacinas estão mais avançadas nas fases de testes. A Sinvac, uma farmacêutica chinesa, iniciou os testes da fase 2. A notícia foi divulgada pelo Instituto de Biologia Médica da Academia Chinesa de Ciências Médicas. Já a vacina estudada pela Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, iniciou no início do mês os testes da terceira fase.
O vírus registrado primeiramente na China se espalhou rapidamente por todos os continentes, devastando a população mundialmente, são mais de 9 milhões de infectados e 472.216 mortes (até a manhã de terça-feira (23)). Os Estados Unidos passaram de 120 mil mortes e se tornou o país com mais infectados e mortos.
No Brasil os números assustam, são 1.106.470 pessoas que contraíram a doença e 51.271 mortes registradas até segunda-feira (22), foram 21.432 novos casos registrado nas últimas 24 horas.
A alta taxa de contágio colocou o Brasil na mira da indústria farmacêutica para a realização dos testes de vacinas. Em entrevista para a revista Veja, o presidente da AstraZeneca, Fraser Hall explicou que o avanço da pandemia no Brasil é um dos motivos de realizar os testes aqui. “Com uma vacina, você quer que o efeito apareça o mais rápido possível e é mais provável que aconteça em um país no qual ainda há uma alta taxa de contágio”, disse Hall.
As doses de vacinas serão distribuídas para pessoas saudáveis que estão na linha de frente no combate no Reino Unido, Estados Unidos e Brasil, outros países da África podem ser incluídos. Segundo o presidente da farmacêutica, os primeiros resultados devem aparecer entre agosto e setembro.
A vacina da chinesa Sinovac também deve ser testada no Brasil. A farmacêutica enviará 9 mil doses aos brasileiros de uma vacina feita com o vírus inativado. Trata-se de uma tecnologia semelhante à utilizada nas doses anuais contra a gripe. O Instituto Butantan, em São Paulo, participa dessa fase do projeto — o anúncio foi feito pelo governo paulista.
O CAMINHO DAS VACINAS
A possibilidade de se encontrar uma vacina contra a Covid-19 ainda em 2020 é grande, porém, os estudos requerem cautela. De acordo com cientistas, muitas vacinas falham na fase 3. Até agora, a vacina que foi criada mais rápido foi a da caxumba e demorou quatro anos.
Embora os estudos avancem em todo o planeta, muitos especialistas acreditam que a vacina não estará disponível em 2020. A estimativa mais otimista é de 12 a 18 meses para se ter uma vacina confiável, o que para a classe científica, seria um recorde.
Especialistas afirmam que a maioria dos estudos sobre vacinas param na fase 3, que são os testes em humanos em larga escala. Eles temem que uma vacina efetiva e segura nunca seja encontrada. O vírus do HIV é conhecido há cerca de 30 anos e até o momento nenhuma vacina foi encontrada devido as constantes mutações do vírus.
“Está todo mundo muito otimista, mas estudo de vacina é algo muito complicado. A maioria deles para na fase 3, de testes clínicos, pelos problemas que aparecem. É importante discutir essa possibilidade (de não se ter uma vacina)”, admite Álvaro Furtado Costa, médico infectologista do HC-FMUSP.
AS VACINAS QUE LIDERAM A CORRIDA
Uma vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, é a que está em estágio mais avançado. Ela é produzida a partir de um vírus (ChAdOx1), que é uma versão enfraquecida de um adenovírus que causa resfriado em chimpanzés. A esse imunizante foi adicionado material genético usado para produzir a proteína spike do SARS-Cov-2 (que ele usa para invadir as células), induzindo a criação de anticorpos.
Outra vacina que se mostra bem avançada é produzida com o novo coronavírus em si, mas inativado. Produzida pela Sinovac, essa versão criada do agente infeccioso não consegue se replicar, porém instiga o sistema imunológico. Produzida pela Sinovac, ela também mostrou ser eficiente nos testes com animais, que ocorrem antes dos experimentos em seres humanos. Em comunicado à imprensa no site Clinical Trials Arena, a companhia divulgou resultados preliminares de seu estudo de fase 2, uma etapa que testa a segurança e a dose ideal do composto em um número considerável de pessoas — mas menor do que na fase 3.
VACINAS BRASILEIRAS
Duas pesquisas feitas no Brasil aparecem na fase pré-clínica no relatório da OMS.
Um dos projetos é liderado por cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e pelo Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor). A pesquisa é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Pesquisador responsável pelo estudo, Gustavo Cabral é imunologista pela USP e pós-doutor pela Universidade Oxford e na Universidade de Berna, na Suíça. Seu grupo trabalha com plataforma de vacina baseada em partículas semelhantes ao vírus (VLP, em inglês). Já há testes com animais.
“Quando um vírus entra nosso corpo, o sistema imunológico ataca. Não queremos utilizar o vírus, queremos usar partículas semelhantes ao vírus. Fizemos com chikungunya, Streptococcus e agora Covid-19. Essas partículas são apenas uma base que estimula o sistema imunológico. Nele, a gente coloca alguns pedaços do coronavírus, fragmentos proteicos ou proteína inteira, dando estímulo ao sistema imunológico para produzir anticorpo.”
Também em fase pré-clínica está uma vacina pesquisada pelo INCTV (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas), que tem base técnica elaborada pelo Grupo de Imunologia de Doenças Virais da Fundação Oswaldo Cruz-MG.
“Nossa técnica consiste em usar o vírus da influenza como vetor vacinal. Como se trata de um vírus defectivo para a multiplicação, ele não causa a doença, mas gera produção de anticorpos. Com esse processo, uma das possibilidades é desenvolver uma vacina bivalente, que possa ser usada contra influenza e contra o coronavírus”, explica o pesquisador Ricardo Gazzinelli, líder do Grupo de Imunopatologia da Fiocruz Minas e coordenador do INCTV.