O estudo clínico da vacinação em massa contra a Covid-19 em Serrana (SP), promovido pelo Instituto Butantan, apontou que os imunizados causam um efeito indireto de proteção mesmo a quem não recebeu nenhuma dose da vacina.
Essa é uma das conclusões preliminares da pesquisa apresentadas nesta segunda-feira (31) pelo centro de estudos durante coletiva de imprensa em São Paulo (SP). Os voluntários ainda serão monitorados ao longo de um ano.
“O fato de as pessoas da linha verde estarem vacinadas reduz também o número de casos entre aqueles que não foram vacinados. Essa é evidência dessa proteção indireta que tem sido chamada de imunidade de rebanho, mas eu prefiro utilizar o termo imunidade indireta. Quem recebe a vacina também está ajudando a proteger o outro. Essa é a importância de quem tem a oportunidade de se vacinar o faça. Não faça só por você, faça pelo outro", explicou o diretor Ricardo Palacius.
Segundo o pesquisador, o grupo azul – último a ser imunizado -- já apresentava benefícios mesmo antes de receber a primeira dose da CoronaVac, imunizante produzido pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
“Mesmo sem completar o esquema vacinal, já tinham um benefício, porque a proteção é dada pelos outros grupos vacinados. A diminuição da transmissibilidade do vírus está referenciada mesmo naqueles que não receberam a primeira dose. No grupo verde [primeiro], o efeito aparece como a gente espera, começa a antecipar no amarelo, se confirma no cinza de forma muito forte e no azul, já há esse efeito que coincide com a própria semana de vacinação.”
Crianças e adolescentes são beneficiados
Os 27.160 voluntários vacinados -- o equivalente a 95,7% dos que se inscreveram para participar -- foram divididos em quatro grupos. Desde março, cada um deles recebeu as doses com uma semana de diferença. O processo foi concluído em abril.
(CORREÇÃO: O G1 errou ao informar que o total de voluntários vacinados corresponde a 62% da população adulta apta. A porcentagem se refere ao total de adultos aptos para o estudo em relação à população geral. A informação foi corrigida às 18h41.)
Dentre a população adulta total do município, há adultos que estavam inaptos para receber o imunizante. Esse grupo inclui gestantes, puérperas, pessoas com doenças graves, pessoas que estavam com sintomas de Covid-19 e pessoas abaixo de 18 anos e acima de 60.
- População total de Serrana: 45.644 habitantes
- População adulta total: não informado pelo estudo
- População adulta apta: cerca de 30.000 (65,72% do total de habitantes)
- População adulta voluntária: 28.380 (62,17% do total de habitantes)
- População adulta voluntária com 2 doses: 27.160 (59,50% do total de habitantes)
- População imunizada necessária para proteção de todos os habitantes: cerca de 20.300 (75% dos adultos voluntários no estudo)
Os resultados da pesquisa mostram, ainda, que o número de casos sintomáticos da doença teve uma redução de 80%. Para os cientistas, o controle da pandemia se deu depois que 75% do grupo de voluntários, o que corresponde a cerca de 20,3 mil pessoas, recebeu a segunda dose.
De acordo com Palacius, o efeito indireto inclui proteção a crianças e a adolescentes, que ainda não podem receber o imunizante porque estudos sobre os impactos das vacinas na população dessas faixas etárias estão em andamento no mundo todo. Mas o resultado deve orientar a elaboração de políticas públicas para retomada presencial das atividades escolares.
“Vemos claramente que a redução dos casos entre adultos acompanha entre crianças. Quando se implementa vacinação por faixa etária, você vai empurrando para quem não foi vacinado. Não é o que se vê aqui. Vacinar os adultos vai criando um casulo sobre as crianças, esse dado é extremamente importante para a retomada das aulas. Nós vemos que não será necessário vacinar as crianças para retomar as aulas que são tão importantes para a educação e para a socialização.”
Mortes e hospitalizações
Os dados apontam que, após o fim da vacinação, as mortes por Covid-19 caíram 95% na cidade, enquanto as hospitalizações reduziram cerca de 86%.
Entre a primeira e a segunda dose, Serrana teve 15 internados com mais de 60 anos, dos quais cinco morreram, e 28 internados com mais 18 a 59 anos, sendo dois óbitos. Mais de 14 dias após o reforço vacinal, houve apenas duas internações de pacientes com menos de 59 anos, sem o registro de mortes.
"Isso mostra claramente a importância da vacina na redução de internação e letalidade", afirma o diretor do Hospital Estadual de Serrana, Marcos Borges.
Variante P.1
A pesquisa apontou que a Coronavac é eficaz contra a variante P.1, que apresentou predominância entre os casos confirmados da doença ao longo dos meses de estudo em Serrana. Ainda segundo os cientistas, não houve descoberta da circulação de novas mutações na cidade.
"Essa é uma reconfirmação de que a vacina é efetiva contra a P1. Há um dado interessante: nessas análises de sequenciamento do Hemocentro e do HC, não vimos o surgimento de novas variantes. Era um dos receios de que poderia fazer uma seleção genética de vírus que poderiam se tonar resistentes. Não houve isso, é a mesma variante que está circulando na região", afirmou Palacius.
Por que Serrana foi escolhida para vacinação
A cidade foi escolhida por ter um baixo número populacional, de 45.644 habitantes, além de estar próxima a Ribeirão Preto (SP), que é referência nacional tanto em saúde pública quanto privada.
Outro fator que motivou a escolha foi Serrana ter apresentado dados preocupantes de transmissão do vírus em um inquérito sorológico realizado pelo Instituto Butantan em 2020, que estimou que a cidade tinha 10,6% dos moradores infectados pelo novo coronavírus.
Entre os 30 mil moradores aptos a serem imunizados, 28.380 se cadastraram, 27.722 receberam a primeira dose da vacina e 27.160 tomaram ambas as doses. A desistência entre a primeira e a segunda dose foi de cerca de 2%, equivalente a 562 pessoas.
A aplicação começou em 17 de fevereiro e se estendeu até 11 de abril. Os lotes do imunizante foram exclusivos para o estudo e não interferiram na distribuição realizada a outras cidades do Brasil.
O público cadastrado, de 28.380 pessoas, equivale a 62,18% dos habitantes. Subtraídas as abstenções, a vacinação em massa alcançou 59,51% dos moradores.