O Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP, com apoio da Fapesp, adota estratégia diferente das indústrias farmacêuticas para desenvolver vacina contra o novo coronavírus. A pesquisa realizada pelo Incor se baseia no uso de VLP’s, [da sigla em inglês Virus Like Particles]. Como os VLPs imitam um vírus, o sistema imunológico estranha e reage tanto a essas partículas quanto ao pedaço do coronavírus colocado nelas. Porém, não têm material genético do vírus, o que impossibilita a replicação. Por isso, são seguras para o desenvolvimento de vacinas.
A nova vacina começará a ser testada em animais já na próxima semana. O biólogo e imunologista Gustavo Cabral, um dos coordenadores da pesquisa, falou à imprensa neste domingo (3) sobre as etapas e dificuldades da criação de um novo medicamento desse tipo.
“Se o coronavírus causou tanto estrago em países de primeiro mundo, com melhores estruturas sociais e econômicas, o que vai fazer quando adentrar fortemente as comunidades mais vulneráveis do Brasil, os interiores, as favelas? Quando vejo pessoas na rua, penso nesses mais vulneráveis e me pergunto se elas não têm empatia”, diz. Foi pensando nisso que o pesquisador redirecionou o seu projeto de pesquisa, focada antes em chikungunya e estreptococos, para desenvolver uma vacina para a covid-19.
“O objetivo da vacina é fazer com o que o vírus seja incapaz de induzir a doença na pessoa. É o que acontece, por exemplo, nas vacinas contra a gripe. Podemos utilizar o vírus inteiro, apenas um pedaço dele, um pedaço do DNA ou um pedaço da proteína desse vírus para colocá-lo no corpo e fazer com que esse corpo reconheça como algo estranho e desencadeie uma resposta imunológica. Quando nosso organismo ataca um corpo estranho, ele gera uma memória imunológica, que faz com que criemos anticorpos contra esses vírus. É o que fazemos com as vacinas. Para um vírus infectar uma célula, ele precisa de algumas proteínas para acoplar-se a ela. Na vacina, podemos usar uma parte dessa proteína e induzir o sistema imunológico a responder só a esse pedaço, mas ele já não vai conseguir entrar na célula. Vacinas requerem um pouco mais de tempo. Para que possamos ter uma vacina segura e eficiente, não podemos nos precipitar ou pular fases.”
O imunologista citou as pesquisas americanas para a vacina contra o novo coronavírus, mas ressaltou a importância do desenvolvimento de uma droga em território brasileiro. “É de extrema importância que nossa vacina seja desenvolvida aqui no Brasil por questões de tecnologia e logística também, não apenas por causa da COVID-19, mas também para outros problemas futuros.”
“É preciso dizer que cada país ou empresa tem seus próprios interesses. Por exemplo, se uma empresa tem a patente de uma metodologia, não importa que haja outra melhor, ela vai investir totalmente naquela que vai gerar lucro. Aqui no Brasil já temos uma certa folga em relação a isso. No Incor, trabalhamos sem essa pressão. Quando fui chamado para liderar o projeto, a primeira coisa que expliquei foi que nossa prioridade seria garantir uma vacina segura, já que não sabemos quase nada desse novo coronavírus.”
“Decidimos não utilizar o material genético do vírus, porque não temos ainda informações suficientes sobre ele. Utilizamos as metodologias que aprendi nos últimos cinco anos na Inglaterra e na Suíça: em vez de usar o material genético do coronavírus, trabalhamos com partículas dele que são responsáveis por entrar nas células humanas. São as coroazinhas do vírus, chamadas de “proteína de spike”. Juntamos esses fragmentos com partículas sintéticas, parecidas com vírus, mas sem material genético, ou seja, ocos, para impedir multiplicação.”
Os trabalhos de experimentação in vitro estão adiantados e já começarão os testes pré-clínicos em animais nas próximas semanas. Com a corrida para ver quem cria a vacina primeiro, alguns países querem pular da experimentação in vitro direto para seres humanos, mas, segundo o pesquisador, isso é uma loucura. “Mesmo com todo o arcabouço teórico, o corpo humano é muito complexo, sempre vai nos mostrar alguma surpresa. É imprescindível testar antes em animais.”
Mas, apesar dos estudos promissores, a vacina ainda pode demorar até dois anos para chegar o mercado. O pesquisador explica o motivo da demora: “Quando se desenvolve uma vacina, é possível adiantar a parte teórica com vários virologistas, infectologistas e imunologistas. Essa parte técnica é rápida. Mas, quando partimos para a experimentação em seres vivos, a coisa muda. Preciso pelo menos de 15 dias para avaliar como o corpo do animal vai reagir. Analisamos essa reação e vamos ajustando, de certa forma, a vacina até que ela seja totalmente eficiente. Nisso vão um mês ou dois. Com os resultados, vamos experimentando em outros modelos animais até que eles neutralizem o vírus a um ponto em que seja seguro testar em seres humanos. Depois disso, vêm os estudos sobre a toxicidade da vacina. Teremos que desenvolver uma enorme bateria de informações para justificar o encaminhamento da vacina para os órgãos de análise específicos. Aí entra a questão burocrática, que, devido à urgência, pode até correr rápido. Mas a biologia, infelizmente, nós não podemos apressar. Para saber se o que deu certo no animal vai funcionar em seres humanos, fazemos os estudos clínicos, em que pegamos uma pequena quantidade da vacina para testar se há uma resposta imunológica. Em caso positivo, testamos uma quantidade maior até que o vírus seja neutralizado.
Com informações de Saúde SP, El País, CNN Brasil e Agência Fapesp