Trabalho é o primeiro a analisar informações da campanha de imunização do Brasil
Um novo estudo conduzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) analisou dados de vida real da aplicação da vacina contra a dengue Qdenga no Brasil e comprovou que a dose é eficaz para evitar a doença.
O trabalho, publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases, nesta terça-feira, acompanhou dados de adolescentes de 10 a 14 anos que receberam a proteção no Estado de São Paulo entre fevereiro e dezembro de 2024. A vacina, produzida pela farmacêutica japonesa Takeda, foi incorporada no Sistema Único de Saúde (SUS) no final do ano anterior.
“Os resultados mostram que uma única dose já oferece 50% de proteção contra casos sintomáticos de dengue e 67,5% contra hospitalizações. A segunda dose aumentou a eficácia contra sintomas para 61,7%. A proteção começa já a partir do oitavo dia após a aplicação da primeira dose, um dado crucial para uso emergencial em surtos”, diz o pesquisador da Fiocruz e da UFMS, e coordenador do estudo, Julio Croda, em nota.
Para chegar aos resultados, os responsáveis conduziram um estudo chamado de caso-controle. Nesse tipo de pesquisa, são selecionados dois grupos, um de indivíduos que desenvolveram a doença e outro composto por pessoas que não a tiveram. Depois, os grupos são comparados, e os pesquisadores buscam fatores prévios que podem estar relacionados ao diagnóstico ou à sua proteção, como histórico de vacinação.
No caso do novo trabalho, foram analisados dados de 92.621 adolescentes que realizaram um teste de dengue do tipo antígeno NS1 ou RT-PCR no estado paulista num período de até 5 dias após o início dos sintomas. Deles, 43.873 tiveram um resultado positivo para dengue, e 48.748 tiveram um negativo. Depois, os pesquisadores usaram informações de registro de vacinação de cada um para calcular a proteção da dose.
A análise mostrou que os imunizados de fato foram protegidos contra a arbovirose. Além disso, confirmou que a vacina funciona contra os dois sorotipos da doença que circularam durante a epidemia de 2024, o 1 e o 2. A análise também apontou que a proteção da primeira dose diminui após 90 dias, o que reforça a importância de se completar o esquema com duas doses.
De acordo com Croda, essa é a primeira evidência significativa de vida real, ou seja, além dos ensaios clínicos, que comprova a eficácia da Qdenga. Para o especialista, os dados mostram que a campanha de vacinação pode “salvar vidas e desafogar os hospitais durante epidemias”.
O estudo teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e colaboração de instituições internacionais como a Universidade de Yale, a Universidade Johns Hopkins e a Universidade Emory, nos Estados Unidos.
Já nos estudos clínicos, que acompanharam o efeito da vacinação com duas doses após 12 meses da aplicação, a Qdenga demonstrou uma eficácia que chegou a 80,2% para evitar casos de dengue e de 90,4% para prevenir hospitalizações, segundo os dados publicados na revista científica The Lancet.
O monitoramento mais longo, de 4,5 anos da vacinação, publicado no periódico The Lancet Global Health, mostrou que a eficácia permaneceu alta: em 61,2% para evitar a infecção e em 84,1% para casos graves.
A Qdenga possibilitou a primeira campanha de imunização contra a dengue no Brasil, e no mundo, a partir de 2024. No entanto, devido à limitação da capacidade produtiva da farmacêutica Takeda, o público-alvo é restrito a adolescentes no SUS.
Idosos, que respondem pela maior parte dos casos graves da doença, não foram incluídos pela aprovação da Anvisa ter sido apenas de 4 a 60 anos, com base na faixa etária que participou dos ensaios clínicos.
Uma nova vacina, porém, poderá ampliar a campanha no Brasil. Um imunizante em dose única, desenvolvido pelo Instituto Butantan, em São Paulo, está em análise na Anvisa. Segundo o Butantan, caso a vacina receba o sinal verde e seja incorporada no Programa Nacional de Imunizações (PNI), será possível disponibilizar cerca de 100 milhões de unidades nos próximos três anos.
Em agosto, um acompanhamento de, em média, 3,7 anos da vacinação, publicado na The Lancet Infectious Diseases, mostrou que a eficácia contra a infecção se manteve elevada ao longo do tempo, em 67,3% contra doença sintomática, e ainda maior contra dengue grave e com sinais de alarme, em 89%.