Sistema ajuda a diagnosticar neuropatia que leva à perda da sensibilidade nos pés.
Portadores de diabete acabam de ganhar um aliado na luta contra a neuropatia periférica. Considerada uma das mais sérias complicações decorrentes da doença, a patologia já pode ser diagnosticada antes de o diabético perder a sensibilidade na sola dos pés. A novidade é resultado de uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Biomecânica do Departamento de Biomecânica da Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo (USP) e já está à disposição de funcionários, professores e alunos no Hospital Universitário (HU) da instituição.
Denominado F-Scan, o sistema é composto por palmilhas superfinas de 0,1 milímetro que fazem uma leitura do pé enquanto o paciente se movimenta por uma esteira de 10 metros de comprimento. Acomodadas em sapatilhas leves que simulam o pé descalço, as palmilhas transmitem para um software específico as características dinâmicas da pressão exercida na planta dos pés durante a caminhada.
Desenvolvido pela empresa norte-americana Tekscan a partir das indicações dos pesquisadores da USP, o sistema produz gráficos e desenhos em três dimensões que possibilitam verificar os pontos dos pés diabéticos que mais precisam de proteção a fim de evitar a formação de feridas na pele ou úlceras, como são chamados esses ferimentos de difícil cicatrização.
Dados fornecidos pela Associação Nacional de Assistência ao Diabético (Anad) indicam que 7,6% da população brasileira é portadora de diabete e que 50% dos diabéticos apresentam a neuropatia periférica entre 10 e 15 anos após o diagnóstico da doença. Ainda segundo a associação, a neuropatia é conseqüência do mau controle da diabete e pode até levar à amputação do pé ou perna se não for diagnosticada precocemente.
De acordo com o presidente da Anad, o endocrinologista Fadlo Fraige Filho, embora não existam estatísticas que indiquem o número de amputações de pés e pernas anualmente no Brasil, sabe-se que nos Estados Unidos são feitas 54 mil amputações de membros inferiores por ano. "É muito mais fácil cuidar do pé do que ter de amputá-lo", pondera o médico.
Segundo Fraige Filho, o pé de um diabético com neuropatia perde a sensibilidade tátil, térmica e dolorosa. Por não sentir dor, diz ele, essas pessoas machucam o pé com mais facilidade, ficam com uma cicatrização deficiente e correm até o risco de desenvolver a gangrena, que acaba resultando na amputação. "As alterações que a neuropatia empresta ao pé fazem com que o indivíduo tenha apoios errados", explica o médico, acrescentando que o sistema F-Scan é um avanço no diagnóstico. "É uma evolução que vem ao encontro aos nossos anseios"
Na opinião do coordenador do Laboratório de Biomecânica do Departamento de Biomecânica da Escola de Educação Física e Esportes da USP, o professor Alberto Carlos Amadio, o F-Scan é uma ferramenta adicional para a tomada de decisões médicas. "Não faz sentido fazer a avaliação se o paciente não tiver acompanhamento médico depois."
Responsável pela coordenação da pesquisa que envolveu professores, mestrandos, doutorandos e bolsistas de iniciação científica, criou um intercâmbio entre a Anad e o Hospital Universitário e ainda resultou em uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado, o professor Amadio diz que a intenção do sistema F-Scan é intervir o mais precocemente possível antes da evolução do quadro de neuropatia que se forma no pé do diabético. "Quanto mais prematuramente for diagnosticado, maior será a possibilidade de a intervenção médica ter sucesso", diz.
Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a primeira fase da pesquisa "Avaliação de Respostas Dinâmicas na Análise do Andar de Indivíduos Portadores de Diabetes: Uma Proposta Metodológica" custou R$ 17,5 mil, foi realizada no período de 1995 a 1997 e contou com a participação de 60 pacientes que se propuseram a participar dos trabalhos voluntariamente.
Divididos em três grupos (portadores de neuropatia, neuropatia ainda não diagnosticada e não-diabéticos), eles foram submetidos a uma série de testes até o término da pesquisa, que está entrando agora em sua segunda fase. Nesta etapa, os portadores de diabete são atendidos no Hospital Universitário gratuitamente. O objetivo, afirma Amadio, é que se crie no local um laboratório de marcha que permita o avanço das pesquisas desenvolvidas na área de biomecânica.
Por enquanto, a avaliação feita pelo HU é exclusiva para alunos, professores e funcionários da universidade, além de seus respectivos familiares. "Não temos condições de atender a toda a população", lamenta a chefe do Ambulatório Multiprofissional Padronizado de Atendimento ao Diabético do HU, a endocrinologista Regiane Cronfli, lembrando que só a comunidade USP tem cerca de 100 mil pessoas.
Desde 1997, quando as pesquisas coordenadas por Amadio foram concluídas, cerca de 200 pessoas estão sendo acompanhadas no ambulatório do HU. O exame, lembra Regiane, é apenas um dos vários testes laboratoriais realizados dentro do atendimento oferecido aos portadores de diabete. "Por meio dele dá para analisar como o indivíduo distribui o peso do corpo na área do pé", explica. Caso seja constatado que o paciente está pisando errado por conta do risco da neuropatia, acrescenta Regiane, o ambulatório prescreve uma palmilha adequada para que o paciente passe a pisar corretamente. "Sozinho, esse exame não diz nada", ressalta a endocrinologista. "Tem de vir associado a toda análise médica do paciente."
Notícia
Gazeta Mercantil