Estudo feito no campus de Piracicaba identificou que as árvores cabreúva e amburana têm grande potencial para dar um perfil característico brasileiro à bebida. Pesquisador também criou ferramenta para padronizar a produção.
Uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba (SP), definiu que as madeiras de cabreúva e amburana têm grande potencial para imprimir características exclusivas e típicas do Brasil em aroma, sabor e coloração da cerveja artesanal. As duas árvores, encontradas somente no país, são utilizadas no processo de envelhecimento da bebida.
O estudo do engenheiro agrônomo e pesquisador do Laboratório de Tecnologia e Qualidade de Bebidas (LTQB) da Esalq Giovanni Casagrande Silvello também desenvolveu uma ferramenta que ajuda na padronização da produção e na diminuição dos riscos de erros no resultado final, deixando a cerveja com melhor qualidade.
O principal objetivo é a criação de um conceito de "escola cervejeira". Assim, na busca pelo perfil brasileiro, que utiliza as madeiras nacionais para diferenciar o produto de outras bebidas fermentadas, o pesquisador treinará fabricantes para aplicação do processo.
"Isso vai aumentar o valor agregado de venda, fortalecer o estilo brasileiro e dar mais espaço competitivo no exterior", afirma o engenheiro agrônomo.
E para isso ser aplicado, a pesquisa é dividida em duas partes: o uso de madeiras exclusivamente brasileiras e um método visual que promete ajudar os produtores no melhor aproveitamento dessas madeiras durante o envelhecimento em barris.
O pesquisador afirma que os barris feitos com cabreúva (Myrocarpus frondosus) ou amburana (Amburana cearensis) tornam o envelhecimento da bebida mais rápido quando comparado aos produzidos com carvalho – madeira utilizada na maioria dos barris.
"Percebemos ainda que barris produzidos com essas madeiras acabam rendendo melhor o envelhecimento, que é mais rápido se comparado aos tradicionais de carvalho".
Além disso, as duas madeiras trazem toques sensoriais mais intensos, com aspecto amadeirado perceptível e coloração mais forte, estimulando, assim, o sentido de quem consome a bebida. Tudo isso dá uma característica de cerveja típica e exclusiva do país, garante o pesquisador.
Identificadas as matérias-primas nacionais potenciais para que se chegasse ao resultado esperado – a cerveja com o perfil tipicamente brasileiro, Silvello focou na criação da "Roda da Cerveja Envelhecida", nome dado ao instrumento ilustrativo que tem como objetivo contribuir na tomada de decisões do produtor durante o processo de envelhecimento da cerveja.
A roda cervejeira é uma ferramenta desenvolvida em formato de pizza, dividida em "fatias" com informações sobre aspectos sensoriais como sabor, aroma, cor e textura, além de processos de transformação naturais.
Há um check-list e instruções do que deve ser feito em determinadas condições observadas durante o envelhecimento da cerveja, sendo possível até mesmo evitar contaminações e desperdícios da bebida.
Segundo o pesquisador, o método foi desenvolvido por meio de análises químicas e sensoriais e possibilita um controle de qualidade mais aprimorado, ajudando o fabricante a tomar as decisões adequadas para que o produto final seja de qualidade e com as características esperadas. Isso evitaria "surpresas indesejadas".
"O que não se consegue monitorar, não se consegue melhorar", ressalta Silvello.
A roda cervejeira também deve garantir a padronização do produto final, já que, na maioria das vezes, o olfato e a visão são as únicas formas de monitorar o envelhecimento. No entanto, esses sentidos variam de pessoa para pessoa, então não garantem uma análise precisa, conforme a explicação do engenheiro.
"Ao padronizar de maneira científica o processo de envelhecimento, foi possível entender melhor o funcionamento das mudanças que ocorrem na cerveja dentro do barril, ou seja, a evolução da cerveja se torna algo mais previsível", completa Silvello.
A ideia do pesquisador, que já testou a roda cervejeira com alguns produtores do LTQB, é que mais pessoas passem pela "escola cervejeira" e sejam capacitadas para usar a roda de cerveja envelhecida. Ele pretende até mesmo desenvolver uma apostila que ensina o método de uso da cabreúva e amburana e o funcionamento da ferramenta.
"A cultura cervejeira é muito importante em cada país. Mais importante ainda é que os produtores saibam aproveitar ao máximo as oportunidades e recursos que encontram no país", concluiu.
A dissertação do Programa de Pós-graduação de Ciência e Tecnologia de Alimento foi orientada por André Ricardo Alcarde, do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq, e teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Os estudos sobre o potencial do uso das madeiras brasileiras e da roda cervejeiras foram aceitos no European Brewing Convention (EBC), um dos maiores eventos cervejeiros do mundo, e devem ser reunidos em um artigo científico único, que está previsto para publicado no Brasil em novembro.