“Novo normal climático” exige revisão do uso dos recursos hídricos, segundo pesquisadores
Da forma como está sendo realizada atualmente, a exploração dos recursos hídricos do Matopiba (região que abrange áreas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), somada à seca severa que vem atingindo o país e ao recorde de incêndios que assolaram o Cerrado neste ano pode levar a região a enfrentar falta de água num futuro próximo. A conclusão está em estudo liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), publicado neste mês no periódico Ambio – Journal of Environment and Society.
Expoente da produção agrícola nacional, o Matopiba pode ter de 30% a 40% da demanda por irrigação de terras agricultáveis comprometida já entre os anos de 2025 e 2040 – o que acarretaria, em última análise, à estagnação da produção.
“Existe um paradoxo nesse cenário, já que a utilização dos recursos hídricos para a agricultura, da forma que está sendo feita agora, aliada ao que chamamos de novo normal climático, pode prejudicar a sustentabilidade e produtividade do próprio setor a curto e médio prazos”, afirma Minella Alves de Martins, uma das autoras do estudo.
Hoje, 90% das retiradas de água da bacia do Rio Grande, que abastece a porção sudeste do Matopiba, são destinadas à irrigação, segundo dados da Agência Nacional de águas e Saneamento Básico (ANA).
Mas, segundo a pesquisadora, os riscos vão além dos negócios. “Além disso, sem mudanças nos moldes de exploração dos recursos hídricos regionais, deve haver comprometimento do abastecimento urbano e das populações ribeirinhas, que podem enfrentar problemas quantitativos e qualitativos”, completa a pesquisadora.
Enquanto as vazões subterrâneas ficam mais escassas, em contrapartida, há um aumento na demanda de água, principalmente impulsionada pela expansão da irrigação. A estimativa é que a demanda passe de 1,53 m/s (média registrada na década de 2011-2020) para 2,18 m/s (em 2031-2040).
De acordo com o estudo Projeções do Agronegócio, elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estima-se que na próxima década o crescimento agrícola do Matopiba seja de 37%, com a produção atingindo 48 milhões de toneladas em uma área plantada de 110 mil km, mas o estudo faz algumas ressalvas para que esse objetivo possa ser alcançado.
Entre as sugestões apontadas para preservação do ecossistema do Matopiba está a revisão das permissões do uso dos recursos hídricos locais. “Detectamos que as retiradas de água da região estão acima dos níveis de outorga. A fiscalização e atualização das permissões se faz necessária para que as práticas estejam de acordo com as possibilidades do ecossistema atual”, afirma a pesquisa.
Outro fator seria o monitoramento dos poços da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). “Os níveis de água estão baixando, mas a extração continua crescente. Por isso, é fundamental acirrar a fiscalização, para eliminar a utilização de poços clandestinos e o monitorar a exploração de novos locais de perfuração, visando o uso racional dos recursos”, salienta Minella.
O grupo de pesquisadores recomenda ainda que haja acompanhamento das mudanças de uso e cobertura do solo para que áreas de recarga do aquífero não sejam comprometidas. “Sem a cobertura vegetal adequada, a água da chuva chega com mais força ao solo, escorrendo superficialmente e deixando de formar canais subterrâneos”, explica o estudo.
Pesquisadores
O estudo foi realizado pelo Inpe e faz parte do projeto Nexus – Caminhos para a Sustentabilidade, coordenado por Jean Ometto, pesquisador do Inpe e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. O trabalho foi idealizado pela cientista do Inpe Ana Paula Aguiar e realizado em parceria com o Centro de Resiliência de Estocolmo (Suécia). A primeira autora do artigo foi pesquisadora do Inpe Minella Alves Martins, orientada pelo pesquisador Celso von Randow, também do Inpe e com apoio da FAPESP.