Notícia

Globo Rural online

Uso excessivo de água no Matopiba pode comprometer até 40% da irrigação na região (16 notícias)

Publicado em 26 de outubro de 2024

“Novo normal climático” exige revisão do uso dos recursos hídricos, segundo pesquisadores

Da forma como está sendo realizada atualmente, a exploração dos recursos hídricos do Matopiba (região que abrange áreas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), somada à seca severa que vem atingindo o país e ao recorde de incêndios que assolaram o Cerrado neste ano pode levar a região a enfrentar falta de água num futuro próximo. A conclusão está em estudo liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), publicado neste mês no periódico Ambio – Journal of Environment and Society.

Expoente da produção agrícola nacional, o Matopiba pode ter de 30% a 40% da demanda por irrigação de terras agricultáveis comprometida já entre os anos de 2025 e 2040 – o que acarretaria, em última análise, à estagnação da produção.

“Existe um paradoxo nesse cenário, já que a utilização dos recursos hídricos para a agricultura, da forma que está sendo feita agora, aliada ao que chamamos de novo normal climático, pode prejudicar a sustentabilidade e produtividade do próprio setor a curto e médio prazos”, afirma Minella Alves de Martins, uma das autoras do estudo.

Hoje, 90% das retiradas de água da bacia do Rio Grande, que abastece a porção sudeste do Matopiba, são destinadas à irrigação, segundo dados da Agência Nacional de águas e Saneamento Básico (ANA).

Mas, segundo a pesquisadora, os riscos vão além dos negócios. “Além disso, sem mudanças nos moldes de exploração dos recursos hídricos regionais, deve haver comprometimento do abastecimento urbano e das populações ribeirinhas, que podem enfrentar problemas quantitativos e qualitativos”, completa a pesquisadora.

Enquanto as vazões subterrâneas ficam mais escassas, em contrapartida, há um aumento na demanda de água, principalmente impulsionada pela expansão da irrigação. A estimativa é que a demanda passe de 1,53 m/s (média registrada na década de 2011-2020) para 2,18 m/s (em 2031-2040).

De acordo com o estudo Projeções do Agronegócio, elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estima-se que na próxima década o crescimento agrícola do Matopiba seja de 37%, com a produção atingindo 48 milhões de toneladas em uma área plantada de 110 mil km, mas o estudo faz algumas ressalvas para que esse objetivo possa ser alcançado.

Entre as sugestões apontadas para preservação do ecossistema do Matopiba está a revisão das permissões do uso dos recursos hídricos locais. “Detectamos que as retiradas de água da região estão acima dos níveis de outorga. A fiscalização e atualização das permissões se faz necessária para que as práticas estejam de acordo com as possibilidades do ecossistema atual”, afirma a pesquisa.

Outro fator seria o monitoramento dos poços da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). “Os níveis de água estão baixando, mas a extração continua crescente. Por isso, é fundamental acirrar a fiscalização, para eliminar a utilização de poços clandestinos e o monitorar a exploração de novos locais de perfuração, visando o uso racional dos recursos”, salienta Minella.

O grupo de pesquisadores recomenda ainda que haja acompanhamento das mudanças de uso e cobertura do solo para que áreas de recarga do aquífero não sejam comprometidas. “Sem a cobertura vegetal adequada, a água da chuva chega com mais força ao solo, escorrendo superficialmente e deixando de formar canais subterrâneos”, explica o estudo.

Pesquisadores

O estudo foi realizado pelo Inpe e faz parte do projeto Nexus – Caminhos para a Sustentabilidade, coordenado por Jean Ometto, pesquisador do Inpe e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. O trabalho foi idealizado pela cientista do Inpe Ana Paula Aguiar e realizado em parceria com o Centro de Resiliência de Estocolmo (Suécia). A primeira autora do artigo foi pesquisadora do Inpe Minella Alves Martins, orientada pelo pesquisador Celso von Randow, também do Inpe e com apoio da FAPESP.