No total, um em cada quatro idosos admite consumir bebida alcoólica eventualmente e 3,8% afirma beber de sete a 14 doses por semana
Um em cada 10 brasileiros com mais de 60 anos faz uso abusivo de bebidas alcoólicas , indica um estudo conduzido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na conta dos pesquisadores, são cerca de 2 milhões de idosos (6,7%) que consomem várias doses em uma única ocasião - padrão de consumo abusivo, conhecido como binge drinking. Cerca de 1,16 milhão, 3,8%, bebe de sete a 14 doses por semana, quantidade que pode pôr em risco a saúde . No total, um em cada quatro idosos (23,7%) admite consumir álcool eventualmente.
Para chegar a esses padrões, pesquisadores da Escola Paulista de Medicina (da Unifesp) analisaram os dados de um estudo com 5.432 brasileiros acima de 60 anos. Os cientistas também recorreram a informações de 503 idosos atendidos em Unidades Básicas de Saúde de São José dos Campos. O trabalho, que virou tese de doutorado da pesquisadora Tassiane Cristine de Paula, é inédito no país e aponta que o consumo de álcool entre idosos já é problema de saúde pública.
A bebida em excesso entre os mais velhos não é exclusividade dos brasileiros. Aos 95 anos e perto de completar 70 de reinado, a rainha Elizabeth II foi aconselhada por médicos do Reino Unido a parar com seus drinques diários . Fontes próximas à família real britânica falaram do caso à revista Vanity Fair.
O estudo brasileiro indicou que os homens idosos bebem mais que as mulheres, embora elas sejam mais vulneráveis aos efeitos da bebida. Mostrou também que a frequência e a quantidade diminuem com a idade - o consumo de risco é maior entre homens de 60 a 70 anos, sobretudo os que têm maior escolaridade (acima de nove anos de estudo). A partir dos 70 anos, o consumo cai, principalmente entre as mulheres. O fenômeno é mais comum no Sudeste.
DIA SIM, OUTRO TAMBÉM
Dono de uma empresa de turismo de pesca em Sorocaba, Carlos Alberto Dias, o Charles, de 68 anos, toma de uma a duas taças de vinho "dia sim, outro também", como afirma. É uma rotina de 20 anos, iniciada por influência da mulher, de origem espanhola, apreciadora da bebida.
— Antes eu tomava cerveja. Agora, uma garrafa de vinho dura três dias depois de aberta, pois cuidamos para que não oxide — disse. Charles acredita que a idade não deve impedir o cultivo de um hábito "gostoso", que ele não considera prejudicial.
— Se tirarem os drinques da rainha (referência à monarca britânica), ela morre — comparou.
O empresário diz que só vai ao médico para os exames periódicos.
— Não tenho pressão alta nem hipertensão e passo longe das farmácias. Faço atividade física regular. Tenho clientes médicos e eles desaconselham os destilados, não o vinho — disse. Sua mulher, Maria Josefa, de 65 anos, o acompanha nas taças bem servidas.
— Somos um casal que bebe unido — avisa.
A dupla está no limiar do consumo de alto risco, já que o estudo considera de baixo risco menos que uma dose por dia para a mulher e menos que duas doses para o homem. Acima de uma dose diária para a mulher (ou 7 na semana) e duas para o homem (14 na semana) passa a ser consumo de alto risco. Mais que quatro doses para a mulher e cinco para o homem, em duas horas, caracteriza o consumo abusivo.
COMO REDUZIR
Segundo a pesquisadora Tassiane, é fundamental entender esse problema para propor estratégias visando à redução do consumo entre os idosos, de modo a evitar que se torne um problema de saúde pública mais grave.
— É um fato preocupante, pois, com o aumento da expectativa de vida, a proporção de idosos na população é maior.
Os estudos indicam, segundo Tassiane, que o consumo prejudicial de álcool em adultos e idosos pode estar relacionado não só a problemas graves de saúde - doenças cardiovasculares, hipertensão, câncer e demência.
— Aumenta também o risco de quedas e acidentes com fraturas — alerta a cientista, que foi orientada pela professora Cleusa Ferri. Financiada pela Fapesp, a pesquisa foi publicada recentemente em revistas internacionais.
Como parte do estudo, a pesquisadora e seu grupo entrevistaram 503 idosos atendidos pelas UBSs de São José dos Campos. Desses, 242 foram identificados como consumidores de álcool e 80 foram acompanhados até em sua rotina domiciliar. Esse trabalho, iniciado em janeiro de 2020, foi interrompido em março, pela pandemia.
— Após três meses, verificamos que a metade reduziu o consumo e 25% pararam de beber. É claro que pode haver um efeito da pandemia, pois muitos idosos sequer puderam comprar bebidas e pararam as festas familiares. Mas o resultado nos anima a continuar esse trabalho logo que possível.
PROTOCOLO
A expectativa da pesquisadora é desenvolver para o sistema público de saúde um protocolo de intervenção em relação aos idosos que bebem. Conforme a ONG Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), os dados sobre o consumo de álcool por idosos ainda são escassos e subestimados no País, mas já se sabe que de 1% a 3% apresentam morbidade física e psiquiátrica relacionada ao uso de bebidas alcoólicas. Entre as consequências do álcool nessa população estão o déficit no funcionamento cognitivo e intelectual, prejuízos no comportamento social e aumento das comorbidades.