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Folha de Londrina online

Universidades precisam se unir por verba da ciência, diz novo reitor da USP (45 notícias)

Publicado em 09 de dezembro de 2021

Por Isabela Palhares

Escolhido para ser o novo reitor da USP, maior universidade da América Latina, o médico Carlos Gilberto Carlotti Júnior diz que as instituições de ensino do país precisam se unir para exigir a recuperação do orçamento científico brasileiro.

Carlotti diz que, como reitor da universidade com maior produção científica do país, precisa exercer um papel de liderança para cobrar a valorização do setor. Ele também avalia que manter a excelência acadêmica significa fortalecer a diversidade do ambiente universitário.

João Doria (PSDB) anunciou nesta quarta (8) que escolheu Carlotti para comandar a USP nos próximos quatro anos. O médico foi o mais votado na consulta interna da universidade, mas a decisão final era do governador, que poderia escolher o segundo indicado.

Professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Carlotti apresentou como propostas durante a eleição a criação de uma Pró-Reitoria de Inclusão Social e Diversidade, a recomposição salarial e do quadro docente e a recuperação de unidades da USP, como o HU (Hospital Universitário) e o Crusp (moradia estudantil).

Ele assume o cargo no dia 25 de janeiro, aniversário da capital paulista.

O que o senhor enxerga como principal desafio da USP neste momento? A USP é tão grande, diversa e plural que é difícil falar de um único ponto. O primeiro é que precisamos manter a excelência da universidade em suas três missões: ensino, pesquisa e extensão.

Para manter essa excelência, precisamos, por exemplo, fazer modificações nos currículos dos nossos cursos de graduação para que espelhem as necessidades dos alunos e da sociedade. A formação que temos hoje é muito restrita à área específica que o estudante escolheu. Precisamos que de currículos multidisciplinares, com formação mais humana, mais global.

Em relação à pesquisa, precisamos pensar em fontes mais permanentes de financiamento para que possamos trabalhar de forma mais agressiva e inovadora. Hoje, como os recursos são escassos, só produzimos aquela ciência que sabemos que vai ter resultado positivo, com isso, deixamos de ser inovadores.

Por último, precisamos aumentar nosso vínculo com a sociedade. A USP faz muito bem a sua extensão, mas precisamos ampliar, fazer com que nosso conhecimento chegue à população em forma de produtos e mudanças sociais.

Uma das principais propostas do senhor durante a eleição foi o fortalecimento das políticas de permanência estudantil. O orçamento da universidade permite a ampliação dessas ações? A USP fez um trabalho forte e importante de inclusão nos últimos anos, mas não fizemos ações de permanência na mesma intensidade. Se não agirmos agora, vamos ter problemas nos próximos anos com aumento da evasão escolar.

O Conselho Universitário aprovou o orçamento da USP para 2022 já prevendo aumento de recursos para a permanência estudantil, avaliando que a pandemia ampliou ainda mais a necessidade de ações para alunos em vulnerabilidade.

Esse aumento não ocorrerá de forma irresponsável, ou seja, colocando em risco à saúde financeira da universidade. Também pretendo procurar recursos extraorçamentários, com parceiros da iniciativa privada, para melhorar as nossas ações de permanência.

O senhor pretende resolver a situação do Crusp, que há anos é alvo de denúncias de abandono e graves problemas estruturais? O Crusp precisa parar de ser visto como um problema sem solução, que deve ser deixado dentro de uma gaveta fechada longe dos olhos. Essa foi a política em relação ao Crusp por muitos anos.Esse é um problema que precisa ser resolvido e nossa primeira proposição é uma aproximação com os alunos já nos primeiros dias de gestão.

O prédio do Crusp precisa de modificações nas cozinhas, lavanderias, em toda a estrutura. Precisamos nos aproximar dos estudantes e estabelecer uma parceria para que essas reformas de fato aconteçam.

Vahan Agopyan [atual reitor] quando assumiu defendeu a desvinculação do HU (Hospital Universitário), o que nunca ocorreu, mas resultou em diminuição de repasses e contratações. O senhor defende a desvinculação ou pretende recuperar a estrutura do HU? O HU deve ficar na universidade. Não há sequer discussão para sua desvinculação. Infelizmente, o HU só tem hoje 50% de seus leitos em funcionamento por conta do déficit de pessoal. Queremos recompor o quadro de funcionários e atividade médica do hospital.

O HU é importante para o atendimento da população e também para a formação de nossos alunos da área da saúde. O ensino de várias das nossas unidades dependem dele. Espero que em alguns a gente consiga restabelecer o HU.

O senhor defendeu a recomposição salarial dos servidores e professores. Ela acontecerá já neste ano? Temos um orçamento bem favorável para o próximo ano e vejo a recomposição salarial como possível. Vejo também a possibilidade de novas contratações.Ainda não posso dizer qual seria o valor desse reajuste, porque ainda é preciso analisar os números, mas nossa meta é fazer a recomposição salarial dos últimos anos.

A prioridade nesse momento é recompor os salários dos servidores com menores salários e dos docentes em início de carreira. Esses novos professores sofreram não apenas com a falta de reajuste, mas também pela não incorporação de gratificações que ocorreu nos últimos anos.

A Capes e CNPq, principais agências de fomento do país, vivem grave crise financeira e política. Que reflexos essa situação traz para a USP? Elas são as nossas principais fontes de recurso para o pagamento de bolsas aos pesquisadores e estudantes, apesar da Fapesp. Precisamos recuperá-las.

Vejo com muita preocupação a diminuição do orçamento para a ciência, porque todo o nosso sistema fica ameaçado com esses cortes. As universidades precisam se unir, e a USP deve liderar esse processo, para recuperar esse orçamento. Não podemos olhar para a Capes e CNPq como nossas inimigas, mas como as grandes parceiras que sempre foram.

O Enem também sofre grave crise, com denúncias de interferência ideológica em sua elaboração. A USP avalia rever sua participação no Sisu [que usa nota do Enem para selecionar os ingressantes]? Nossa posição é de apoio ao Enem e ao Sisu pela possibilidade que nos trazem de captar bons alunos de todo o país para estudar na USP. Até o momento não há nenhum indicativo de que essas situações em torno do Enem colocaram em risco sua capacidade de seleção. Vamos continuar acompanhando para garantir que o exame mantém essa qualidade. A boa seleção de estudantes é fundamental para a nossa universidade.

Raio-X

Carlos Gilberto Carlotti Júnior, 61

É médico formado pela FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP, onde realizou residência médica em neurocirurgia, mestrado e doutorado. É docente da unidade desde 1996, sendo seu diretor no período de 2013 e 2016. Também foi pró-reitor de Pós-Graduação da USP, durante a gestão do atual reitor Vahan Agopyan.