Notícia

Gazeta Mercantil

Universidade/empresa: casamento perfeito

Publicado em 05 novembro 1997

Por Clarindo Isaías P. S. Pádua*
Todos hoje acreditam no benefício mútuo da cooperação universidade/empresa; por que esse relacionamento continua tão incipiente entre nós? A resposta é clara: a aproximação da universidade com a empresa envolve a convivência de duas culturas bastante diferentes e só pode ser incrementada se houver uma mudança favorável no comportamento dos parceiros. Mudanças culturais envolvem hábitos e comportamentos arraigados em seres humanos; exigem quebras de barreiras de preconceitos. São lentas e difíceis. No entanto, é um processo que pode ser planejado e implementado com medidas concretas. Acreditamos que a universidade só possa cumprir bem o seu papel de promover a capacitação e o desenvolvimento científico e tecnológico se explorar a sinergia que existe entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão. A experiência do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, em seus 21 anos de existência, tem mostrado que essas atividades se complementam e que a cooperação com empresas é possível, saudável e contribui para a formação dos alunos e enriquecimento profissional dos professores. E, agora que a UFMG inaugurou o maior supercomputador da América Latina, essas parcerias ficam ainda mais fáceis de ser realizadas. Temos exemplos de cooperação com vários tipos de empresa como a Telemig, Vale do Rio Doce, Engetron, Bank, ABC-Bull, Construtel, Copasa, além dos maiores provedores de acesso à Internet. Nossa graduação foi premiada pela Assespro em 1994 como o melhor curso do País; nossos trabalhos de pesquisa têm sido premiados em várias ocasiões. É interessante observar que na área médica, por exemplo, o conceito de prática profissional nas escolas é muito mais disseminado do que nas áreas de engenharia e tecnologia - os modelos de hospital-escola e residência médica estão consolidados nos cursos de medicina. Cabe lembrar até mesmo que um Hospital das Clínicas tem o papel de ser referência, com padrões de qualidade superiores aos encontrados nos hospitais particulares. A pesquisa aplicada, principalmente em áreas de tecnologia, requer um trabalho quase conjunto com as empresas. Não é possível ignorar o mercado e suas demandas. Por outro lado, a universidade deve ter um papel inovador, trazendo novos conhecimentos e desse modo até influenciando o mercado. Mas isso só pode ser feito se houver um estreitamento de relações que permita maior comunicação entre os parceiros. Para as empresas, em um mercado integrado mundialmente, a colaboração da universidade na formação de recursos humanos e no desenvolvimento de tecnologias pode ser uma questão de sobrevivência. Motivação para a cooperação existe, mas a cultura nos dois setores é bastante diferente. No meio acadêmico, prevalece o espírito de investigação com o objetivo central de geração de conhecimento e criação. Na empresa, sob o risco de comprometer a própria sobrevivência, todo o esforço é, em última instância, dirigido para a geração de lucro. Esses objetivos diversos levam a uma série de atitudes que, muitas vezes, são de difícil conciliação. Por outro lado, existe uma complementaridade bastante interessante de objetivos e funções entre o meio acadêmico e o empresarial. Quais as características da universidade que são prós e quais as contra a aproximação com empresas? Na universidade, o gosto pela investigação leva a uma visão de longo prazo e a melhor compreensão de fenômenos e problemas. A baixa rotatividade de professores e funcionários também contribui para essa perspectiva de longo prazo. A motivação e a criatividade oriundas da juventude dos alunos, o espírito crítico e a imparcialidade inerentes à formação dos professores também são características que beneficiam a aproximação com empresas. No lado contra, a cultura de valorização da publicação, justificável do ponto de vista acadêmico, às vezes não é bem recebida na empresa. A razão é simples; para a empresa, a divulgação de resultados de investigação significa informação para a concorrência. Também do lado contra, o gosto pela investigação pode levar a um distanciamento da realidade empresarial; o prazo e o custo não se sobrepõem às necessidades de uma investigação criteriosa. A rotatividade dos alunos na universidade é ainda outra característica que dificulta o desenvolvimento de projetos conjuntos com empresas. Do lado da empresa, como características que favorecem a aproximação com a universidade, estão a objetividade e a agilidade em tomadas de decisões, já que prazos e custos podem ser fatores de sobrevivência, o reconhecimento em termos salariais da competência de seus profissionais e a valorização de programas de treinamento de empregados. No lado contra, está o imediatismo de atitudes que dificulta o planejamento e a busca de soluções mais robustas ou de mais longo alcance. Esse imediatismo, muitas vezes se reflete em uma atitude de não valorização do trabalho mais metódico requerido na pesquisa. Além das diferenças, uma das grandes barreiras para a aproximação universidade/empresa está no plano de mitos e preconceitos. De parte da universidade, ainda há desconfianças com relação às atividades de cooperação com empresas; ainda não existem critérios estabelecidos para a contabilização dessas atividades na carreira do professor. Do lado da empresa, há, por exemplo, o mito contra o preparo do funcionário da universidade e a falta de agilidade em tomadas de decisões e nas ações. Problemas dessa natureza existem também nas empresas e são superáveis na universidade: os funcionários no DCC trabalham em ritmo de alta produtividade, utilizando sistemas automatizados nos serviços de escritório. Essas desconfianças, no entanto, tendem a se tornar pequenas diante da necessidade imperiosa diante do momento em que vivemos. O que fazer pela aproximação universidade/empresa? Entender às divergências e se adaptar ao parceiro é essencial para conseguir bons frutos na cooperação. O aprendizado é demorado e difícil, já que requer uma mudança em atitudes e comportamento de pessoas. A aproximação precisa ser desejada, entendida e gerenciada ativamente pelos dirigentes, de ambas as partes. Ações concretas facilitam a aproximação. Por exemplo, a participação de pessoal das empresas em cursos de pós-graduação ou extensão leva a uma aproximação natural e à quebra de preconceitos. Seria bastante desejável, o que não é comum no Brasil, que houvesse oportunidade de professores passarem um período de trabalho diretamente na empresa. Treinamentos sob encomenda e convênios que requerem trabalho conjunto de professores e alunos com profissionais de empresas também muito contribuem. Nossa experiência tem nos mostrado que é também muito útil para a universidade a contratação de assessoria profissional como é normalmente feito em empresas. É com esse objetivo que no DCC/UFMG contamos atualmente com assessoria em marketing, com a assistência de uma agência de propaganda e com uma assessoria de imprensa. Finalmente, a cooperação com empresas pode financiar completamente a universidade? Não! É importante ressaltar que cooperação com empresas deve ser vista não como uma atividade-fim, mas na sua real perspectiva de contribuição para a formação profissional mais completa de pessoas, cidadãos e pelos benefícios do contato de dois setores que se complementam. Isso não isenta o governo da necessidade de aportar recursos para financiar a universidade, inclusive porque em muitas áreas de pesquisa é difícil a captação de recursos via empresa. Caso isso viesse a ocorrer, teríamos uma empresa de prestação de serviços, que, como toda empresa, concentraria sua atuação nas atividades de maior retorno financeiro. Esse não é o conceito de universidade que desejamos para o Brasil. * Chefe do Departamento de Ciência da Computação/UFMG.