Diretor científico da Fapesp diz que papel da academia não é resolver problemas sociais nem gerar inovação tecnológica
Eduardo Geraque escreve para a "Folha de SP":
Inovação tecnológica deve ser feita pelas empresas. A solução dos problemas do Brasil, como a pobreza, é coisa para o Estado resolver. E a universidade precisa manter distância segura de ambas as demandas.
Para o engenheiro eletrônico Carlos Henrique de Brito Cruz, atual diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a universidade precisa recuperar suas antigas convicções e cumprir a sua missão básica: formar recursos humanos.
Isso não significa que o também ex-reitor da Unicamp está abrindo mão de uma de suas bandeiras, o apoio ao desenvolvimento tecnológico. Mas, para ele, a inovação é apenas parte do debate sobre a academia.
Sob orientação de Brito Cruz, o principal órgão estadual de fomento à pesquisa do país - que acaba de fazer 45 anos e tem um orçamento anual na casa dos R$ 595 milhões - está preparando dois projetos científicos para este ano. Um que vai estudar o impacto regional das mudanças climáticas globais. O outro que incentivará projetos na área do álcool.
"Ambos estão na fase final de montagem. Falta apenas acertar a participação do governo federal", afirmou Brito Cruz. Para ele, no caso do álcool, o Brasil precisa aproveitar essa oportunidade peculiar. "É um dos únicos casos na ciência e tecnologia em que o Brasil não vai seguir ninguém", disse.
Leia a seguir trechos da entrevista dada à Folha, na sua sala na Fapesp:
- A Fapesp fez nos últimos meses programas em parceria com a Oxiteno, a Telefónica e a Microsoft. Essa é a tendência, se aproximar mais da iniciativa privada?
Essas iniciativas são parte de uma estratégia global, que é baseada em três pilares. O da formação dos recursos humanos, o apoio à pesquisa acadêmica e a curiosidade do pesquisador. Além de um terceiro, que é exatamente aquele voltado para as aplicações do conhecimento. Este último pilar a fundação começou a desenvolver de forma mais enfática a partir dos anos 1990. Ele não é novo, mas durante muitos anos foi pequeno na vida da Fapesp.
- Qual é a vantagem desses programas para os pesquisadores e para o setor público?
Nós identificamos que, de um lado, havia projetos no nosso programa Pite (Parceria para Inovação Tecnológica) em menor quantidade do que poderíamos ter. Ao mesmo tempo, o investimento privado em pesquisa acadêmica em São Paulo também está aquém do que poderia estar. Com esses programas você traz recursos de origem privada para financiar pesquisas nas universidades. E também gera conhecimento que vai ser útil para as empresas. Existem vantagens de parte a parte.
As chamadas são públicas e isso abre uma possibilidade de qualquer pesquisador do Estado enviar sua proposta, não somente aquele que a empresa localizou por um acidente do destino. Como o poder de negociação da Fapesp é maior, é possível escolher temas mais abrangentes e adequados à pesquisa.
- Fala-se muito hoje em interação universidade-empresa. O caminho é esse?
Raramente dá certo usar pesquisadores da universidade para resolver problemas para os quais a empresa precisa ter uma solução na semana que vem ou no semestre que vem. Essa interação precisa ser vista pela empresa como forma de ela entrar em contato com a fronteira do conhecimento. Não se trata de uma substituição de atividades de pesquisa que a empresa precisaria ter e não tem.
- O ambiente para inovação existente hoje no Brasil é saudável?
Eu vejo com alguma preocupação o panorama atual da ciência e da tecnologia no Brasil. Tem se intensificado uma concepção equivocada que chamo de utilitarismo da pesquisa acadêmica. Isso é fruto de uma conjunção. Pessoas da própria universidade, às vezes do governo e da própria imprensa acabam esperando muito pelos resultados utilitários da pesquisa acadêmica. Mas o que temos de valorizar é o avanço do conhecimento humano. Não seguir nessa direção nos traz dois tipos de perigo. O utilitarismo de direita, que pretende valorizar a pesquisa que se faz nas universidades pela sua contribuição para a indústria, e o utilitarismo de esquerda, aquele que dá valor para a resolução de certos problemas nacionais: desigualdade, segurança, pobreza etc...
- A universidade, portanto, não faz parte da solução desses problemas?
Todos esses problemas são relevantes para o desenvolvimento do Brasil, não ponho isso em xeque nenhum minuto. Mas é um equívoco esperar que a universidade traga a solução. O desenvolvimento tecnológico é a indústria que precisa resolver, com a construção de seus centros de pesquisa. As questões candentes da agenda nacional precisam ser tratadas pelo Estado brasileiro por instrumentos criados por ele, como institutos de pesquisa com missão dirigida.
- A missão da universidade, então, está desvirtuada?
Quando se olha a universidade de forma muito utilitária perde-se de vista que a missão fundamental da universidade é fazer avançar o conhecimento e educar os estudantes. Essas atividades são relevantes em si. Não temos de ficar perguntando para que serve a aquela pesquisa, que problema ela vai resolver. Que utilidade tem descobrir que a idade do Universo é 13,7 bilhões de anos? Se procuramos utilidade disso em termos de geração de empregos, não vamos achar. Responder a perguntas sobre a literatura, por exemplo, apenas a academia pode fazer. Nenhuma indústria vai querer estudar isso. A universidade no Brasil precisa recuperar a convicção, que já teve um dia, de que avançar o conhecimento e educar bem os estudantes é a contribuição que a sociedade espera dela. As pessoas, depois, podem ser usadas tanto na indústria quanto nos institutos públicos.
- Na última década, a Fapesp teve uma série de programas grandes, como o Biota (para estudar a fauna e a flora paulista) e o Genoma (que seqüenciou organismos como bactéria Xylella fastidiosa). Olhando hoje para trás, todos foram um sucesso?
Todos tiveram bons resultados. O Biota é um dos mais abrangentes, de maior impacto. Esse programa conseguiu atingir uma certa sustentabilidade, a comunidade de pesquisa mantém o interesse nele. O programa tem uma certa institucionalidade, ele não é uma coleção de projetos.
(Folha de SP, 26/5)