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Jornal da Unesp

Universidade na direção do futuro

Publicado em 01 novembro 2013

Muitos são os desafios enfrentados pelas universidades públicas. Elas precisam ajudar o país a garantir um desenvolvimento sustentável, ao mesmo tempo que participam do processo de integração econômica e cultural que ocorre em nível planetário. Nessa dinâmica, devem dispor de dirigentes preparados para apontar caminhos e propor soluções para os problemas gerados por sua complexa organização interna.

A fim de estimular uma reflexão aprofundada sobre as instituições universitárias no contexto atual, foi promovida a primeira edição da Escola Unesp de Liderança e Gestão. Realizado entre os dias 30 de setembro e 2 de outubro, em Atibaia (SP), o evento focalizou dois temas principais: a universidade e o mundo global, e as estratégias de gestão acadêmica na universidade pública brasileira. O encontro envolveu apresentações de diversas autoridades e especialistas do setor.

Na abertura dos trabalhos, o reitor da Unesp, Julio Cezar Durigan afirmou que a gestão da universidade é responsabilidade de professores escolhidos para desempenhar esse papel. O reitor classificou os gestores em três tipos de profissionais: os que apenas acompanham a rotina da instituição, os que fazem propostas erráticas e esparsas e, finalmente, os que assumem o comando das ações, adotando um plano de atitudes necessárias em diferentes áreas. “Precisamos caminhar cada vez mais para formar esse terceiro tipo de gestor”, comentou.

O PAPEL DOS LÍDERES

A importância do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) para gestão da Unesp foi enfatizada pela vice-reitora Marilza Vieira Cunha Rudge, líder da Comissão Gestora da Escola Unesp . A dirigente explicou que a Escola Unesp teve seu início com uma ampla discussão do pensamento estratégico sobre a universidade. “Liderança faz parte do trabalho acadêmico, e é necessária a sua contextualização em termos nacionais e globais”, afirmou.

Liderança foi o tema da palestra do secretário da Educação do Estado de São Paulo, Herman Jacob Cornelis Voorwald. Reitor da Unesp entre 2009 e 2010, Voorwald baseou-se nas propostas do psicoterapeuta Carl Jung (1875-1961), que estabeleceu os conceitos de “introvertido” e “extrovertido” para definir os perfis de líderes.

Segundo Voorwald, um grande risco para as escolas é confundir a extroversão com talento. “Seriam necessários líderes que não construam o próprio ego, mas as instituições”, alertou. Ele apresentou pesquisas apontando que líderes introvertidos conseguem liderar melhor aqueles que têm mais iniciativa.

As lideranças, por sua vez, devem tentar formar equipes que equilibrem perfis introvertidos e extrovertidos. “Dar feedback e manter uma rede de segurança e confiança com a equipe é muito importante”, disse o secretário. “Envolver a equipe, conhecer e estimular as habilidades individuais e utilizar as diferenças dentro de cada equipe também são parâmetros essenciais.”

GLOBALIZAÇÃO

Durante a aula inaugural do evento, Flávio Fava de Moraes, que foi secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, reitor da USP e diretor científico da Fapesp, explicou a diferença entre globalização e internacionalização.

A globalização é essencialmente econômica, segundo Moraes. Entre outras consequências, esse processo tira da universidade o monopólio da produção e distribuição do conhecimento que se transforma em mais uma mercadoria. “O ensino está hoje muito associado a investimentos e lucro”, alertou. Mas há também efeitos positivos, como o aumento do acesso à informação e o estímulo à educação a distância. Já a internacionalização, na definição do ex-secretário, relaciona-se com o funcionamento das universidades e envolve a mobilidade de estudantes, professores e gestores. Como desdobramentos dessa tendência, ele aponta a produção e disseminação do conhecimento como bem público global.

A inserção internacional das universidades também foi enfatizada por Hernán Chaimovich, professor do Instituto de Química da USP. Chaimovich argumentou que não basta produzir muitos trabalhos, como o país vem fazendo. “A visibilidade das pesquisas realizadas na China, por exemplo, é muito maior que a do Brasil”, afirmou.

A colaboração com outras nações seria, segundo seu ponto de vista, uma maneira de ampliar o impacto das publicações de pesquisas e artigos. Ele mencionou temas de relevância mundial que têm grande participação de estudiosos brasileiros, como Amazônia, cana-de-açúcar e doença de Chagas. “Ver a própria realidade com um olhar do século XXI gera um impacto brutal”, declarou Chaimovich.

“O efeito da coautoria internacional sobre citações é realmente um fator relevante”, reforçou o professor Renato Hyuda de Luna Pedrosa, coordenador adjunto do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Unicamp, em sua palestra.

ELITE MUNDIAL

Tornar-se uma Universidade de Classe Mundial. Essa é a meta proposta no encontro para as instituições brasileiras de destaque. O que caracteriza esse tipo de universidade? Para Chaimovich, é necessário ter excelência na pesquisa, liberdade acadêmica, atmosfera de excitação intelectual, apoio acadêmico e infraestrutura de ensino e pesquisa, governança adequada para os objetivos a que ela se propõe e liderança acadêmica em todos os níveis.

De acordo com Vahan Agopyan, pró-reitor de Pós-Graduação da USP, as três universidades estaduais paulistas devem ter a ambição de entrar para a elite universitária internacional. “Para ser uma universidade de classe mundial, é preciso ter qualidade, reconhecimento dos pares e da sociedade e desempenho destacado de seus egressos”, comentou.

Agopyan acentuou que é necessário estimular a internacionalização, a avaliação acadêmica e o apoio institucional. A criação de um ambiente internacional de ensino e pesquisa significa, segundo o pró-reitor, promover convênios de pesquisa que estimulem alunos de graduação, pós-graduação e pós-doutorado e servidores técnico-administrativos em suas atividades.

Um obstáculo para que muitas universidades federais se tornem exemplos de classe mundial, segundo Pedrosa, é o número de professores com o título de doutor. No norte do país, por exemplo, só 40% dos professores das universidades federais teriam doutorado. Para o pesquisador da Unicamp, as instituições da área precisam também melhorar a formação de seu capital humano e buscar qualidade na pesquisa.

PELA INOVAÇÃO

Álvaro Prata, secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, destacou que o Brasil tem grandes vantagens relativas, como recursos naturais e boa produção de conhecimento científico. No entanto, possui também fragilidades, como baixa escolaridade da população e baixo índice de inovação.

Segundo o secretário, o ensino superior deveria focar habilidades empreendedoras. Os melhores alunos não são estimulados a criar empresas”, criticou. Ele assinalou que também é fundamental para as universidades reunir professores atuantes e dinâmicos, que motivem os alunos a estudar, ter cursos interdisciplinares, currículos flexíveis e ser eficientes e bem administradas.

Prata propôs que a “universidade do século XXI” precisa ter um forte compromisso social, com políticas de apoio estudantil (bolsas, moradia etc.), deve promover o ensino presencial e a distância, criar cursos em cooperação com a indústria e outros setores da sociedade, apoiar a mobilidade estudantil, além de ser internacionalizada. Necessita, ainda, estimular o estudo das ciências naturais e áreas tecnológicas e promover o tripé pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Assim como o secretário federal, Pedrosa, da Unicamp, criticou a deficiência do país em buscar formas de aplicar o conhecimento que produz. “No Brasil, não é tradição da universidade registrar patentes”, disse.

PÚBLICO E PRIVADO

Atualmente professor associado do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Armando Milioni analisou questões como a relação entre o ensino superior público e o privado no país. Ele enfatizou a expansão das universidades federais e, mais especificamente, sua participação na criação da Universidade Federal do ABC e na consolidação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em São José dos Campos.

O docente destacou que, em 2011, a rede particular respondia por 72% das matrículas na educação superior presencial brasileira. Segundo Milioni, de 865 mil formados no ensino superior, 62% são estudantes de Educação, Ciências Sociais, Administração e Direito, principalmente da rede particular paga.

De acordo com Pedrosa, metade dos estudantes universitários brasileiros hoje tem mais de 24 anos e está no ensino superior privado. “Atualmente, o problema não é a quantidade de profissionais que as universidades formam, mas sim a qualidade da sua formação”, advertiu.

GESTÃO ACADÊMICA

A gestão acadêmica das universidades públicas foi o principal alvo das apresentações do pró-reitor Agopyan, da USP, e de Regina Silvia Viotto Monteiro Pacheco, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas. Segundo Regina, no último século, a administração pública cresceu e ficou mais complexa. E, nas três décadas mais recentes, os administradores passaram a enfrentar problemas como pressões orçamentárias e insatisfação dos cidadãos com os serviços públicos.

Diante dessas demandas, eles apresentam respostas como a melhoria de recursos humanos, diversificação da estrutura do Estado, parcerias para prestação de serviços, uso de mecanismos de mercado e maior abertura na relação com os cidadãos.

Para Regina, a burocracia acadêmica é um conjunto de profissões e funções do setor público altamente complexas. “É difícil falar em separação entre quem decide e quem executa”, afirmou a professora, acrescentando que, nesse contexto, o envolvimento das pessoas em suas tarefas é primordial.

Na opinião de Agopyan, a avaliação universitária é essencial para garantir uma boa gestão. A avaliação incentivaria, por exemplo, a promoção da qualidade nas atividades universitárias, de acordo com as diretrizes da instituição.

Para que uma administração obtenha sucesso, segundo o pró-reitor, é essencial dispor de pessoas, gestão e estrutura. No quesito pessoas, as universidades públicas paulistas reúnem um bom time de professores, alunos e servidores técnico-administrativos. Mas ele alerta: “A universidade não está recebendo os alunos mais talentosos, mas sim os mais bem preparados para enfrentar os exames vestibulares”. De acordo com Agopyan, é fundamental estimular o aprimoramento contínuo de docentes e funcionários técnico-administrativos, assim como a melhoria de laboratórios, bibliotecas, salas e recursos de apoio.

Um problema sério, para o pró-reitor, é a regulamentação arcaica dos organismos públicos. Há ainda agravantes, no caso das universidades paulistas, como o seu tamanho e a estrutura multicâmpus, além da tensão entre gestão centralizada e decisões colegiadas. Segundo Agopyan, é indispensável uma descentralização radical de decisões, ações e de orçamento, o que implicaria uma mudança cultural.