Ao longo dos séculos, a universidade tem sido a principal responsável pela geração e organização do conhecimento e pela preservação da cultura. Faz isso em benefício da sociedade, que arca com o ônus financeiro de sua manutenção. Tem sido assim, como se sabe, pelo menos desde a Revolução Francesa, em 1789, quando, em pleno Século das Luzes, a instituição ganhou os contornos modernos que a norteiam ainda hoje. Por esta razão, e por mais que se insista em direção contrária, a missão da universidade vai muito além da formação de bons profissionais. Num mundo que tem privilegiado o modismo, o efêmero, a universidade busca manter princípios e responsabilidades que passam ao largo das razões imediatistas do mercado, priorizando a concepção de indissociabilidade do saber, do ensino e da pesquisa.
Mas a universidade pública brasileira tem vivido outro grande desafio, na esteira da expansão do ensino superior privado. As universidades federais e estaduais oferecem apenas 5,5% das vagas do ensino superior paulista. Em função desse número, docentes e pesquisadores realmente comprometidos com os destinos da universidade pública pensam alternativas e retomam a iniciativa de construir uma agenda política para o ensino superior público, gratuito e de qualidade. É preciso crescer com qualidade, sem abrir mão dos ideais acadêmicos.
Sem crescimento para atender às demandas da sociedade, a universidade se isola e compromete o próprio desenvolvimento. Portanto, são condições interdependentes, operações casadas — as necessidades de uma e o crescimento da outra —, que precisam ser articuladas com inteligência para benefício de todos.
Projetos acadêmicos bem delineados para atender áreas carentes do ensino superior público no Estado, em parceria com o governo estadual e prefeituras municipais, é a proposta da UNESP para a expansão de vagas públicas, aprovada pelo Conselho Universitário (CO), em 29 de agosto último. Trata-se de projeto original de expansão, que, com o apoio do Estado e municípios, poderá mudar significativamente o quadro atual.
A colaboração da Fapesp nesta iniciativa também seria oportuna e construtiva, pela experiência acumulada na geração e transferência de conhecimento para a sociedade. Mais de 50% dos recursos da Fapesp destinaram-se, nos últimos anos, a financiar projetos de pesquisa de grande impacto tecnológico ou foram carreados para políticas públicas importantes para o desenvolvimento econômico e social do País.
Nesse contexto, também seria interessante o envolvimento do chamado "terceiro setor" (cooperativas, fundações, ONGs), em regime de parceria, nesta cruzada educacional em busca do desenvolvimento científico e cultural do País.
Outro grande desafio da universidade pública é sustentar os avanços conquistados. A produção científica brasileira triplicou nos últimos vinte anos, saltando de 0,4% da produção internacional para 1,2%. O Brasil produz mais do que toda a América Latina em conjunto. Mais: é o nono entre os 20 países com maior crescimento, quanto ao número de artigos publicados em periódicos científicos internacionais nos últimos cinco anos. A ampliação da pós-graduação stricto sensu é inquestionável e, hoje, formamos seis mil doutores por ano, contra pouco mais de mil há dez anos.
Todo esse trabalho científico e a preparação de recursos humanos qualificados devem-se à universidade pública. Apesar dos pesares, temos uma capacidade científica instalada invejável para um país em desenvolvimento e com tantos problemas sociais não resolvidos. Sem o desempenho positivo das universidades públicas não existiria a massa crítica de cientistas capaz de alimentar a Embrapa, a Petrobras, a Embraer e o Projeto Genoma, para ficar em poucos exemplos.
Depois de significativa participação nos Projetos Genoma, notadamente no que diz respeito à Xylella fastidiosa e à cana-de-açúcar, a UNESP comemorou, em 11 de julho último, o nascimento da bezerra Penta, o primeiro mamífero da América Latina clonado a partir da célula de um animal adulto — no caso, uma vaca da raça nelore. É a demonstração inequívoca da maturidade científica alcançada pela UNESP, especificamente, neste caso, pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias do campus de Jaboticabal.
Portanto, não concordamos com aqueles que, ao verem dificuldades, costumam perder-se em teorias, que não levam em conta o mundo real e não apontam soluções objetivas. Vivemos um período de intensas e surpreendentes transformações, território em que apenas a solidez das informações corretas e a precisão da análise nos tranqüilizará e convencerá.
A amplitude de perspectivas que se abrem na "era da informação" e da "sociedade em rede" é tamanha, que ainda carecemos de análises críticas bem fundamentadas para orientar nossas melhores ações. O aprimoramento do ensino superior passa necessariamente pela mudança de mentalidade e pela prevalência do mérito acadêmico. Daí a necessidade do olhar retrospectivo sobre a história da universidade, do conhecimento de sua real dimensão temporal, da relevância da sua autonomia e do seu poder. Que as luzes setecentistas nos iluminem.
Somos otimistas!
José Carlos Souza Trindade é médico urologista, docente da Faculdade de Medicina (FM), campus de Botucatu, reitor da UNESP e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).
Herculano Dias Bastos é médico, professor da FM e assessor especial do gabinete do reitor.
Notícia
Jornal da Unesp