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Jornal do Brasil

Universidade e poder (1 notícias)

Publicado em 17 de dezembro de 1997

Por GILBERTO VELHO
Poderia ser gratificante confirmar, a partir da recente visita presidencial à Inglaterra, como a liderança do nosso atual governo valoriza a vida acadêmico-universitária. As cerimônias e os doutoramentos honoris causa na London School of Economics e na Universidade de Cambridge mostraram o presidente vivendo plenamente o seu papel de acadêmico, contrastando com outros personagens, de péssima memória, sem nenhuma familiaridade ou interesse para com a especificidade da vida universitária. Paradoxalmente, no entanto, durante a viagem presidencial, aqui no Brasil a comunidade científico-universitária reunia-se perplexa e chocada, com o acelerado processo de deterioração de nossas instituições, diante dos cortes è contigenciamento de recursos efetuados pela equipe econômica do mesmo presidente. A maior e sem duvida, a mais importante das universidades federais, a do Rio de Janeiro, antiga Universidade do Brasil, encontra-se sem recursos até para pagar contas de luz, telefone e limpeza. Instituição que disputa com a Universidade de São Paulo, alma mater do presidente, a liderança de excelência em quase todas as áreas do conhecimento, encontra-se como instituição federal, em situação de extrema penúria e ameaçada de colapso. Não há dúvida de que boa parte dessa responsabilidade deve ser creditada a erros e desacertos da própria comunidade universitária. Até hoje pagamos um elevado preço por administrações descomprometidas com a excelência acadêmica, voltadas para uma politicagem populista, com inchamento e distorções de toda espécie. Não se trata, portanto, de tapar o sol com a peneira e pretender que não existam deficiências e falhas, até graves, em várias áreas universitárias. No entanto, apesar disso, os melhores grupos de docentes-pesquisadores têm prosseguido no seu trabalho de produção de conhecimento e formação de quadros essenciais para o desenvolvimento do país, com grandes sacrifícios e boa dose de idealismo. Com todas as dificuldades, a excelência desses grupos tem sido reconhecida, recorrentemente, em instâncias nacionais e internacionais da mais alta credibilidade. Mais recentemente existia uma forte expectativa de que no governo Fernando Henrique a universidade poderia ser recuperada e consolidada através do diálogo construtivo com as autoridades governamentais, algumas de reconhecido mérito intelectual e acadêmico. Sem dúvida, boas iniciativas foram tomadas, como a criação do Pronex (Programas de Núcleos de Excelência) do Ministério de Ciências e Tecnologia. Mas os recentes cortes nas bolsas do CNPq e da Capes e o paralisante contingenciamento dos recursos das universidades e do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) prejudicam gravemente todo o sistema universitário, científico e tecnológico brasileiro, inclusive os grupos beneficiados pelo Pronex que, obviamente, dependem de suas universidades. A UFRJ talvez, hoje, seja o caso limite, por seu porte e Complexidade, no conjunto de universidades federais do país, expressando de modo agudo uma situação que contesta o proclamado interesse de Executivo pela produção de conhecimento. O fato é que hoje todas as instituições federais de ensino e pesquisa, independentemente de seu maior ou menor mérito, estão ameaçadas de colapso e já sofreram perdas irreversíveis. Sabe-se dos cortes e contigenciamento que ocorrem em várias outras áreas do sistema federal, da saúde ao Itamarati, passando pela cultura e segurança pública, afetando dramaticamente compromissos e responsabilidades impossíveis de serem descartadas ou mesmo postergadas. Argumenta-se que tudo isso se passa em nome da preservação dó Plano Real e da estabilidade econômica. Dificilmente encontrar-se-ia alguém que fosse favorável a tão ameaçadora volta da inflação e ao descontrole das contas públicas. No entanto, pergunta-se: será que a fórmula da equipe econômica tem que ser aceita como dogma inquestionável, especialmente quando se sabe, por experiência recente, da extrema precariedade de suas condições de previsão e planejamento? Por que considerar como infalíveis pessoas que já demonstraram a sua capacidade de produzir arbitrariedades e trapalhadas, como o atual ministro do Planejamento, um dos principais responsáveis pelo confisco da poupança durante o inesquecível governo Collor! Por outro lado, será que a extraordinária concentração de poder nas mãos dos tecnocratas é adequada para a construção da democracia ou representa a continuidade de uma concepção autoritária e centralizadora de governar, agora com o poderoso pretexto da fatalidade de uma globalização com dimensões perversas, produtora de desemprego e de novas formas de desigualdade? A atual situação das universidades federais é um dos exemplos mais claros - certamente não o único - dos estragos que estão sendo causados por essa deformação do atual governo, onde bons ministros e dedicados dirigentes de órgãos federais são humilhados cotidianamente na sua busca de recursos mínimos para assegurar a sobrevivência das instituições pelas quais são responsáveis. Essas pessoas e instituições são constantemente vítimas dos preconceitos e idiossincrasias individuais dos tecnocratas que, embora sejam, em sua maioria, homens de bem, não são santos nem seres iluminados. Podecem, sem dúvida, de excesso de poder, ocupando espaço desmedido a partir do enfraquecimento de outros atores sociais, como os próprios políticos, processos que têm suas raízes no regime militar. Aliás, diante do predomínio da lógica tecnocrática a tendência é o esvaziamento da vida política, bloqueando o desenvolvimento de uma cidadania responsável. Resta ainda a esperança de que o presidente da República se dê conta do que está ocorrendo e intervenha, com vigor, para corrigir o atual estado de coisas, confirmando sua imagem de intelectual e estadista democrata. Trata-se de promover maior equilíbrio dentro do governo, em termos de prioridades e objetivos, impedindo a destruição de áreas cruciais para um desenvolvimento social mais integrado e harmonioso. Não só como político, mas como sociólogo, o presidente certamente sabe dos riscos para o florescimento da democracia, quando os quadros tecnocráticos deixam de ser assessoria para ocupar o centro do poder.