Carlos Henrique de Brito Cruz é engenheiro eletrônico pelo ITA, presidente da Fapesp e assume nesta sexta-feira o cargo de reitor da Unicamp. Artigo publicado na 'Folha de SP':
O Brasil que principiou o século 21 entre as dez maiores economias do planeta é o mesmo cuja força de trabalho tem uma escolaridade média de apenas cinco anos e uma história universitária das mais tardias entre as nações latino-americanas.
Enquanto países como o México e o Peru já contavam com Universidades constituídas em pleno século 16, o Brasil só viria a tê-las a partir da década de 30 do século 20.
Em 1822, ano da Independência, o país não contava com mais de 3.000 bacharéis, a maioria formada em instituições européias e nas recém-instaladas faculdades de Medicina ou Direito do RJ, SP, Olinda e Recife.
Essa incrível falta de densidade acadêmica, que atravessou todo o Império e a Primeira República - basta lembrar, por comparação, que em 1918 a Argentina já experimentava sua primeira reforma universitária -, funcionaria como um grave óbice ao desenvolvimento nacional, afetando da produção do conhecimento à socialização de seus benefícios.
Chega a espantar que, em atmosfera tão rarefeita, o país tenha produzido um Oswaldo Cruz, um Santos Dumont ou um Carlos Chagas, homens que fizeram-se por si mesmos.
O custo desse retardo é alto e a dívida social acumulada, enorme. Ainda hoje, apenas 14% da população brasileira entre 18 e 24 anos tem acesso à formação superior, sendo que no Chile essa taxa é de 30% e, nos EUA, de 50%.
Além da exclusão de milhões de pessoas das oportunidades propiciadas pela qualificação universitária, essa situação afeta notavelmente a capacidade do país de preparar, em número suficiente, profissionais capazes de gerar conhecimento e de produzir riqueza.
No final da década de 90, da força de trabalho existente no Brasil, apenas 0,1% estava ocupada em gerar conhecimento, percentual muito baixo em relação a países como França (0,5%), Alemanha (0,4%), EUA e Japão (0,8%).
O projeto de nação madura e efetivamente independente, sobretudo num cenário internacional de extrema valorização do conhecimento como fator de autonomia, fica comprometido enquanto durar tal assimetria.
O mau processo histórico que em geral municia os pessimistas pode, no entanto, sinalizar em outra direção.
Se é lastimável que a Universidade brasileira tenha nascido tão tarde, por outra parte é notável que, em menos de sete décadas, a massa crítica formada por essas instituições - ainda que abaixo das necessidades de um país continental e populoso como o Brasil - tenha sido capaz de alterar substancialmente seu peso específico entre as economias mundiais.
Não por acaso, e malgrado tropeços de toda a ordem, entre as décadas de 30 e 80 o PIB nacional cresceu 12 vezes sobre si mesmo, só perdendo para o do Japão, que cresceu 13 vezes no mesmo período.
Entra no rol de conquistas do século que passou o fato incontestável de que, nas três últimas décadas, o país foi capaz de construir um dos melhores sistemas de pós-graduação do hemisfério Sul, com financiamento adequado e inserção efetiva no processo de desenvolvimento.
O apoio estatal à pós-graduação, intensificado sobretudo depois de 86, permitiu um aumento sem precedentes no número de cientistas capacitados.
A formação contínua de um contingente de pesquisadores em várias áreas do conhecimento tem permitido um bom número de iniciativas ousadas, como, por exemplo, o projeto Genoma, realizado por pesquisadores das Universidades paulistas e organizado pela Fapesp, os projetos da Embrapa, de forte impacto na economia agropecuária, e o alto valor agregado dos aviões da Embraer, hoje o principal item de nossa pauta de exportações.
Nada disso se faria não tivesse havido um esforço persistente e cumulativo de educação com padrões elevados de excelência ao longo das últimas décadas.
Entre tantos prenúncios de catástrofe que impregnaram os anos 80 e 90, chega a ser desconcertante (e estimulante) constatar que a produção científica brasileira quintuplicou em relação à média de 20 anos atrás (intensificando em muito sua presença internacional) e que em 2001 o país formou cerca de 6.000 doutores.
Não é irrealista imaginar que esse quadro seguirá evoluindo nas próximas décadas e que a Universidade brasileira, mesmo desigual e heterogênea, virá a desempenhar um papel ainda mais importante ao longo do século que se inicia. O país, aliás, exige isso dela.
Muito além da inovação tecnológica -atividade que, nos países centrais, a Universidade partilha com a empresa - é que o século cobrará dela, cada vez mais intensamente, a tarefa primordial de educar melhor e de preparar inteligências que, nos diferentes campos de ação da sociedade, sejam capazes de gerar conhecimento, produzir riqueza e contribuir mais efetivamente para a solução de nossos problemas sociais.
(Folha de SP, 19/4)
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