Estudos brasileiros sobre a serpente jararaca-do-norte (Bothrops atrox) e uma espécie de tarântula (Acanthoscurria rondoniae) publicados no Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases e na Frontiers in Pharmacology concluiram que o veneno desses animais possui potencial farmacológico. A sustâncias poderão ser capazes de combater variações cardíacas, bactérias, fungos, vírus e até auxiliarem no combate a cânceres.
A pesquisa foi realizada durante mais de quatro anos unindo a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Butantan, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As duas espécies analisadas são amazônicas e a conclusão veio após a descoberta de mais de cem fragmentos de proteína (peptídeos) nas glândulas de veneno dos animais envolvidos.
Alexandre Tashima, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e coordenador dos estudos, afirma que a pesquisa reforça a célebre frase “a diferença entre o veneno e o fármaco está na dose”. De acordo com ele, é possível traçar um paralelo entre o efeito da substância no meio natural e suas aplicações médicas.
“As espécies venenosas passaram por anos de evolução para se alimentar e se defender com maior eficiência. Observamos na jararaca-do-norte, por exemplo, ações anti-hipertensiva e capazes de diminuir a coagulação. Esses são processos usados quando a serpente vai fazer a captura da presa para que o veneno se espalhe no organismo dela mais rapidamente”, exemplifica o professor.
A jararaca que serviu de base para o estudo é a serpente de maior relevância médica na região amazônica. Embora o conteúdo de suas proteínas já tenha sido estudado, o fragmento dessas proteínas ainda não tinha sido alvo de investigações. Como para produzir um composto sintético é mais fácil fazer uso dos peptídeos, Tashima investiu nessa linha de pesquisa e observou a aparição dos promissores resultados.
Outras descobertas
Espécies do mesmo gênero da serpente jararaca-do-norte já haviam sido identificadas, no passado, como portadoras de venenos que originaram medicamentos para controle da pressão arterial, como o captopril. Uma espécie de aracnídeo australiano (Hadronyche versuta) também virou aliado da saúde humana ao ser aplicado como biopesticida, paralisando insetos que prejudicam lavouras.
A pesquisa ainda confirmou uma hipótese curiosa: no caso da jararaca-do-norte, a diferenciação dos venenos das fêmeas e dos machos permitiu concluir que pertence a elas a forma mais potente de produção dessas toxinas. Como são maiores que os machos e já foram estudadas como donas de uma peçonha mais potente, o fato de precisarem proteger os ovos de predadores pode ser a justificativa para as doses mais altas desses peptídeos.
O futuro da pesquisa
“Esse estudo mostra como conhecemos pouco da nossa biodiversidade, a maior do mundo, tanto do ponto de vista biológico e ecológico, quanto farmacológico e biotecnológico. Quando nós vemos a destruição que ocorre no país, lamentamos porque podemos estar perdendo espécies importantes para a medicina sem nem ao menos conhecê-las”, afirma Tashima.
Embora sejam promissores, os pesquisadores ressaltam que os resultados ainda são preliminares e indicam apenas potenciais de atividades biológicas. A confirmação, de fato, da ação benéfica desses venenos do ponto de vista farmacológico derivará de trabalhos experimentais que deverão ser feitos em modelos celulares e animais, um dos próximos passos da pesquisa.