Com aporte de R$ 4 milhões, a Unicamp inaugurou nesta semana o Centro de Doenças Tromboembólicas (CDT) do Hemocentro com objetivo de criar um banco nacional de registro de trombose venosa no Brasil, uma doença que constitui a terceira causa de morte entre as enfermidades cardiovasculares e que pode ser evitada na grande maioria dos caso. Com duração de cinco anos, o centro fará o levantamento de dados prospectivos de cerca de 10 mil pacientes por um período de 24 meses em 14 centros hospitalares do País.
No Brasil ainda não existem dados robustos sobre a sua ocorrência na população. Como consequência, as estratégias públicas para mitigação da doença são baseadas em estudos divulgados por outros países, que possuem perfis étnicos e socioeconômicos diferentes do brasileiro. A trombose mata um milhão de pessoas todos os anos, sendo cerca de 300 mil nos Estados Unidos e 544 mil na Europa, Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).
A trombose venosa é uma doença caracterizada pela formação de trombos (coágulos) nas veias de qualquer parte do corpo, mas principalmente nas veias das pernas, e que pode evoluir para uma embolia pulmonar caso o trombo se movimente pela corrente sanguínea.
Sem estatísticas abrangentes, as estratégias públicas para mitigação da doença são baseadas em estudos divulgados por outros países, que possuem perfis étnicos e socioeconômicos diferentes do brasileiro, alerta a Unicamp.
A iniciativa tem a parceria da Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH) e foi aprovada pelo Programa de Centros de Desenvolvimento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A inauguração do CDT, segundo informações divulgadas da Unicamp, irá impactar esse quadro ao estabelecer três grandes registros focados em trombose: o primeiro em adultos com quadro agudo da doença, o segundo em crianças hospitalizadas e o terceiro em pacientes com câncer, fator de risco para a ocorrência de eventos tromboembólicos.
Para garantir a abragência do banco de dados sobre trombose, uma rede formada por centros hospitalares localizados em seis municípios do Estado de São Paulo (Campinas, Botucatu, São José do Rio Preto, São Paulo, Barretos e Ribeirão Preto), que incluirão no programa cerca de 10 mil pacientes, convidados para serem acompanhados, ao longo do estudo, por WhatsApp ou telefone.
“A gente gostaria de poder começar com vários centros no Brasil, mas, pelo tamanho do nosso país e para podermos ter mais experiência no desenvolvimento desse tipo de projeto, é importante iniciarmos pelo nosso estado”, esclarece a médica hematologista Joyce Annichino, que é professora, coordenadora da área clínica e laboratorial de Doenças Tromboembólicas do Hemocentro da Unicamp e vice-presidente da SBTH.
De acordo com a professora, um estudo piloto sobre trombose com esse mesmo modelo foi realizado em Campinas no Hospital de Clínicas, no Hospital da Mulher José Aristodemo Pinotti – Caism Unicamp, no Hemocentro da Unicamp, no Hospital Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e no Hospital Dr. Domingos Boldrini.
Na ocasião, foram avaliados 800 pacientes com câncer e cerca de 6 mil crianças internadas, mas, no caso de pessoas com trombose aguda, não foi possível dar sequência ao estudo devido à pandemia de Covid-19.
“Foram gerados dados bastante interessantes, porque não tínhamos nada do tipo no Brasil, mas, com o CDT, nós vamos avaliar um número muito maior de pacientes em um projeto multicêntrico, com a Capital e várias cidades importantes do interior paulista, o que é muito mais relevante”, explica Joyce.
Ao todo, 14 centros hospitalares compõem a rede do CDT: o Hospital de Clínicas, o Hemocentro e o CAISM da Unicamp; o Hospital da PUC e o Hospital Dr. Domingos Boldrini em Campinas; o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu; o Hospital de Base da Fundação da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto; o Hospital do Amor de Barretos; o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto; e, na Capital Paulista, o Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch-M'Boi Mirim, o Hospital Municipal Vila Santa Catarina, o Hospital Santa Marcelina de Itaquera, o Hospital das Clínicas da USP e o Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O estudo, que terá duração de cinco anos, fará o levantamento de dados prospectivos dos pacientes por um período de até 24 meses e contará com o apoio das empresas Stago, Daiichi Sankyo, Sanofi, Pfizer, Siemmens, Werfen e Sigvaris, esclare a universidade. Além disso, serão realizadas coletas de sangue dos pacientes incluídos no programa, que ficarão armazenadas em um biobanco no Hemocentro da Unicamp.
“As informações levantadas serão inseridas em uma plataforma REDCap, permitindo a formação de uma big data que, seguindo todas as normas éticas, poderá gerar informações valiosas, contribuindo para a melhoria e disseminação de medidas na prática clínica”, relata a docente.
Resultados
Para entender como a trombose acontece no Brasil, o CDT vai levantar um amplo espectro de informações sobre o paciente, como idade, sexo, profissão, naturalidade, peso e altura, além de dados sobre uso de medicamentos, fatores de risco hereditários e adquiridos que contribuíram para a trombose, ocorrência de complicações e necessidade de novas internações no período de avaliação.
A partir desses dados, garante os especialistas, será possível ter uma visão de como os pacientes estão sendo tratados, se apresentam mais complicações do que populações de outros países e os custos da terapia para o Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com Annichino, os chamados estudos de microcusteio são importantes porque estimam os gastos reais de um tratamento no longo prazo. Um exemplo é a síndrome pós-trombótica, complicação muito comum quando a pessoa tem uma trombose nos membros inferiores e que costuma ser relegada a um segundo plano porque o risco de morte é quase inexistente, mas se trata de uma ocorrência que pode afetar muito a qualidade de vida do doente e tem impacto nos gastos com o tratamento.
“Às vezes você tem disponível um medicamento mais barato, mas isso não significa que o custo é menor porque tem complicações que vão exigir internações ou mesmo causar óbitos. Dessa forma, estudos de microcusteio podem auxiliar nas estratégias de liberação de medicamentos novos ou mesmo de prevenção”, esclarece Annichino.
(Com informações da Unicamp)